Ex-catadores do lixão da Muribeca participam de audiência pública na Câmara

O descumprimento parcial do Termo de Aditamento e Ajustamento de Conduta (TAAC), por parte da Prefeitura do Recife com os ex-catadores do Aterro da Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes, provocou audiência pública na manhã desta quarta-feira, 18, na Câmara Municipal do Recife. A iniciativa foi da vereadora Aline Mariano (PSDB), que se comprometeu a mobilizar a comunidade para formação de uma comissão e, posteriormente, marcar uma reunião com o prefeito Geraldo Júlio para tentar resolver a pendência. “Aquilo que ficou estabelecido pelo TAAC, está longe da prática. Dos cerca de 860 catadores retirados do aterro sanitário, que seriam capacitados para serem inseridos no mercado de trabalho, somente uma parcela muito pequena recebeu capacitação e apenas 18 conseguiram emprego formal”, disse a vereadora, que também é presidente da Comissão de Direitos Humanos.

Aline Mariano lembrou que são seis anos de espera, sofrimento, angústia e decepção. “Em 2008, os catadores foram retirados do aterro sanitário e um ano depois do processo de retirada, em agosto de 2009, o lixão da Muribeca, como era conhecido, foi oficialmente desativado”, lembrou. Na extinção, foi assinado o TAAC para promover a reinserção dos catadores no mercados de trabalho e promover a inclusão social. “Desde então essas pessoas não têm de onde tirar o sustento. Muitos deles estão vivendo da ajuda de parentes, morando de favor e outros até faleceram acometidos por doenças provenientes das péssimas condições de vida”, denunciou a vereadora.

 

O plenarinho da Câmara Municipal do Recife ficou lotado. Participaram dos debates o promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, Geraldo Margela; a educadora Kelly de Sales, que faz um trabalho de evangelização com as famílias do antigo lixão e o representante da Secretaria de Assuntos Jurídicos do Recife, Wladimir Cordeiro. Aline Mariano apresentou um histórico do aterro. Disse que ele era gerenciado de forma compartilhada entre as prefeituras do Recife, Jaboatão dos Guararapes e Moreno desde 2001. Tratava-se do maior de Pernambuco, com 72 hectares totalmente tomados por montanhas de resíduos sólidos. Diariamente, o lixão recebia quase três toneladas de dejetos trazidos em caminhões. “Em meio a todos os entulhos estavam os trabalhadores, que retiravam dessa relação subumana com os resíduos, o sustento das famílias”, relembrou.

 

O Termo de Aditamento tem por escopo o encerramento das atividades do aterro da Muribeca; a remediação do passivo socioambiental por ele gerado; a criação de instalação e de centrais de triagem; a implantação de políticas públicas de coleta seletiva e a correta destinação final de resíduos sólidos, inclusive da construção civil; a execução de uma política pública de educação ambiental, incluindo a realização de campanhas publicitárias; e a neutralização das emissões de carbono geradas pelo empreendimento. Nada foi feito. “Acompanho a situação desde o início e venho recebendo denúncias de que a situação persiste. Realizamos audiência pública no Ministério Público e esperamos que a Prefeitura do Recife encontre uma solução”, disse o promotor Geraldo Margela.

Durante os debates, ele ressaltou que o Poder Executivo não vem observando a aplicação da lei federal número 12.305, de 2010, que em seu título V, fala da participação dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis. Entre os artigos 40 e 44, está prevista a existência de um plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, com programas e ações definidas; políticas públicas voltadas para os catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, além de  criação de cooperativas ou associações para catadores de acordo com o plano municipal. “A lei dá margem para o poder público atuar e solucionar os problemas que as famílias vêm enfrentando. Além dessas competências municipais, cabe à União, por sua vez, promover a inclusão social dos catadores através de programas específicos”, disse o promotor.

A educadora Kelly de Sales disse que vem acompanhando a luta dos ex-catadores do lixão da Muribeca desde que eles foram obrigados a sair do lugar. “A situação é crítica, pois muitos não têm onde trabalhar e ganhar o dinheiro para sustentar suas famílias. Sei que é correto tirá-los do aterro, pois quando um ser humano trabalha num lugar como aquele já é um excluído. Mas, se vai retirá-lo, tem que dar opção”, disse. Quando o lixão foi fechado, afirmou, o TAAC assinado entre a PCR, MPPE e catadores estabelecia que as pessoas seriam capacitadas para assumir empregos em diversos lugares. “Só 82 homens foram aproveitados. Nenhuma mulher. Todos são vítimas de uma grande injustiça”, observou.

Com 62 anos, Lúcia Silvestre do Carmo é ex-catadora do lixão. “Antes de ser catadora, fui lavadeira de roupa, mas o dinheiro que a gente conseguia no lixão era melhor. Depois que saí de lá, fiquei pior do que estava. Fiz um cadastramento, mas não ganhei nada com isso. Não recebi um centavo, nem passei pela tal da reciclagem. Hoje, cato lixo no meio da rua e faço reciclagem para sobreviver”, disse.  José Pedro de Lima, 43 anos, também ex-catador, disse que a situação está difícil. “Tenho seis filho e estou parado. Pelo menos no lixão eu ganhava o suficiente para sobreviver. Hoje, estou sem emprego”, afirmou.

 

Em 18.06.2014, às 12h30.