Urbanização do Pilar é tema de audiência pública na Câmara

Incrustada no bairro do Recife, a comunidade do Pilar aguarda desde 2012 a término da concretização de seu projeto urbanístico. Para tratar do atraso das obras – que devem entregar um total de 608 unidades habitacionais e diversas intervenções urbanas –, a Câmara do Recife realizou uma audiência pública nesta quinta-feira (28). A iniciativa do debate, que aconteceu no plenarinho da Casa de José Mariano, foi de iniciativa do vereador Ivan Moraes (PSOL).

Ao dar início às discussões, o parlamentar contextualizou os motivos e objetivos do evento. “Esta é uma audiência pública que nós não convocamos: fomos convocados a realizá-la. E fazemos isso com muito prazer. A audiência é um instrumento formal de debate sobre assuntos públicos. Hoje, temos a necessidade de debater um projeto que queremos que garanta o direito à moradia digna à comunidade do Pilar. Nenhuma discussão sobre os direitos das pessoas pode ser feita sem elas. Temos dialogado tanto com pessoas da comunidade como com a Prefeitura. Sabemos que nos dois lados existe uma demanda por mais diálogo para que o projeto dê conta das necessidades dos que moram lá.”

Durante a audiência, alguns dos problemas da intervenção que foram apontados por moradores e pela sociedade civil envolveram, além da falta de diálogo com a comunidade e dos atrasos, críticas à qualidade dos equipamentos já entregues e às mudanças feitas no projeto da quadra 60, uma das seis que compõem a localidade. Segundo eles, essas alterações, motivadas por exigências de financiamento, afetariam negativamente a construção do mercado do Pilar e a vida socioeconômica dos habitantes.

Após a exibição de um vídeo feito por uma moradora da comunidade, o presidente da Autarquia de Urbanização do Recife (URB), João Alberto Costa Faria, falou sobre o projeto de urbanização do Pilar e de sua perspectiva sobre o tema. “No vídeo, fica claro que existe uma impaciência. Tem gente que esta há duas décadas esperando a moradia, há oito anos com o auxílio. Entrei na URB em fevereiro de 2017. Lá foi implantada uma diretoria de habitação, o que foi um acerto. Nela, temos Nora Helena dos Santos Neves, uma pessoa que dedicou a vida inteira à moradia de cunho social. Na URB, tenho visto um esforço tremendo para fazer com que as coisas aconteçam. Como cidadão, eu quero ver aquilo ali sair do papel efetivamente. Eu acredito que sai e acho que esse é o ambiente ideal para dirimir duvidas e debater.”

Por meio de uma apresentação digital, Nora dos Santos Neves deu detalhes sobre as atualizações do projeto de requalificação, que entregou até o momento 192 unidades habitacionais. “A Prefeitura não conseguiu avançar por causa dos achados arqueológicos. Não podemos simplesmente escavar e não levar em conta esses achados. Por conta disso, a quadra 55 teve suas obras paralisadas. Como essa obra demorou muito, o BNDES deixou de disponibilizar os recursos, mas a Prefeitura conseguiu renegociar para concluir a parte habitacional da quadra 40. Não foi possível  garantir os recursos do BNDES para as quadras 45 e 60. Então a gestão retomou o projeto da Caixa, atendendo aos ajustes necessários para a captação. Os recursos perdidos do BNDES foram lançados pela Minha Casa Minha Vida, que é o recurso que está disponível hoje. A URB já licitou essa obra. Foram abertas propostas de preço em junho e elas estão sendo analisadas. Quanto ao projeto da quadra 60, o Minha Casa Minha Vida não financia recursos para equipamentos comerciais.”

Dois representantes do IPHAN participaram do debate. Um deles, o arqueólogo Petrius Belo, afirmou que os atrasos não podem ser justificados pelos achados antigos na localidade, já que todo o bairro poderia ser considerado um sítio arqueológico – e a situação, prevista. “O que houve foi um desentendimento contratual com a equipe que estava ali. O prazo expirou por conta desse desentendimento, e não por causa do sítio. O sítio ficou abandonado. Fizeram a limpeza, reaterraram para que uma nova equipe fosse contratada. O problema foi que a URB atrelou os trabalhos arqueológicos aos trabalhos de engenharia na quadra 55, que é um dos mais importantes sítios arqueológico do Brasil. Ao invés de fazer todas as quadras e por último o sítio, a URB poderia liberar os recursos para o trabalho nessa quadra.”

O arquiteto Marcelo Freitas salientou que o IPHAN já fez seu trabalho de analisar o projeto do ponto de vista da preservação patrimonial. “A questão da arqueologia remete, em muitos casos, a estruturas arquitetônicas que ainda estão presentes e que precisam, no mínimo, ser registradas. Na medida do possível, preservadas. Os achados vão além do cemitério. É uma área muito rica. Estimulamos a URB a preservar essas estruturas antigas. Além da questão da arqueologia, tem um monumento tombado, que é a Igreja do Pilar. O projeto recente da URB já foi aprovado pelo IPHAN.”

Integrante do Coletivo Arquitetura, Urbanismo e Sociedade (CAUS), a urbanista Manoela Jordão apresentou um trabalho realizado na comunidade que mapeou sua configuração socioeconômica e afetiva. Ela apresentou algumas propostas, como a atenção a essa estrutura preexistente, e ações que envolvam a criação de uma comissão gestora de obras, o pagamento das taxas do Minha Casa Minha Vida pela Prefeitura e a transformação do Pilar em uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). De acordo com ela, a mudança envolvendo o mercado do local vai manter a comunidade sem um ponto de ligação com o restante da cidade. “Era preciso haver uma escuta que não aconteceu. Fizemos um trabalho de entrevistas com a população sobre o comércio. A ideia era construir sugestões para a ocupação da quadra 60 em cima de um levantamento feito com os próprios moradores. O habitacional faz perder a dinâmica que já existe entre as pessoas que moram e trabalham no mesmo lugar.”

A moradora da comunidade do Pilar Ana Cláudia da Silva expressou as preocupações dos habitantes da área em sua contribuição na mesa. “O projeto está contido no Minha Casa Minha Vida e as pessoas temem sair de suas casas porque não sabem quando vão retornar. Existe um prazo 18 meses, mas há pessoas com dez anos no auxílio-moradia. Fora isso, tem a questão do projeto. A escola não foi concluída. Não existe mais quadra poliesportiva. Não sabemos a real situação do mercado. A Prefeitura fala em resolver a questão com contêineres, mas eles são muito pequenos e achamos injusto ter que pagar por mais contêineres. Precisamos participar. Tem pessoas que estão ali desde a década de 1970 e precisamos respeitá-las. Quando a URB conversou com a comunidade foi colocando um projeto pronto.”

O representante da Instituição Plano B, Igor Sacha Florentino Cruz, resumiu diversas das demandas apresentadas na audiência. “Houve um fator de mudança do projeto. O impasse foi na quadra 60, que será feita pelo Minha casa Minha Vida, ao qual a população vai precisar pagar uma taxa. Em breve serão dez anos e a obra não chegou a 30% do previsto. Desde 2015 tentamos dialogar com a atual gestão. Montamos barracos no Marco Zero e em frente à Prefeitura. Mas eles não conversam. O que queremos somente é um princípio democrático.”

Após as considerações da mesa e dos comentários do público presente, foram discutidos os encaminhamentos da audiência. Ficou acertada a criação de uma comissão gestora para acompanhar as etapas do projeto; que as obras sociais da quadra 40, que incluem escola, creche e posto de saúde, deverão ser entregues até o final deste ano e que as obras da quadra 45 têm o prazo de 18 meses para serem concluídas; além disso a Prefeitura continuará trabalhando no sentido de conseguir a isenção das taxas do programa Minha Casa Minha Vida que deveriam ser pagas pelos moradores

Em  28.06.2018, às 19h18