Vera Lopes debate situação da Saúde Mental no Recife

Centenas de psiquiatras, psicólogos e representantes de entidades médicas e da área de saúde pública lotaram o plenarinho da Câmara Municipal do Recife na audiência pública promovida pela vereadora Vera Lopes (PPS), que debateu a Saúde Mental, nesta quinta-feira, 24. “Precisamos discutir a situação do doente mental. O Recife é uma cidade que não tem um hospital de urgência para onde se possa levar uma pessoa em surto. Só existe uma clínica de internamento para mulheres e a Clínica Santo Antônio de Pádua, para homens, fechou. Os Centros de Atenção Psico Social (CAPs) não têm psiquiatras ou psicólogos de plantão”, denunciou a vereadora.

Foi uma audiência pública que contou com um dos maiores números de participantes, na Câmara do Recife, este ano. Vera Lopes apresentou um vídeo informativo que denunciou a falta de leitos em hospitais paras pacientes psiquiátricos, o funcionamento dos CAPs, a falta de estrutura para o acolhimento dos pacientes, a falta de cuidados específicos, as poucas condições de trabalho para os profissionais e um histórico do movimento de luta antimanicomial. “Eu visitei os CAPs do Recife e o Hospital Ulysses Pernambucano. Nesse hospital, há inclusive pessoas que ficam no chão por falta de leito. Temos que dar dignidade aos pacientes com transtornos mentais. Temos que trazê-los de volta e reintegrá-los à sociedade”, disse a vereadora, acrescentando que é preciso investir no Sistema Único de Saúde (SUS). Ela deixou claro que não defende o internamento dos pacientes, mas o tratamento de pessoas que estejam em surto. “Mesmo assim não há uma infraestrutura que garanta esse atendimento na rede de atenção psicossocial”, lamentou.

Autora do projeto de lei número 36/2015, que estende o horário de funcionamento dos CAPs para 24 horas e nos finais de semana, Vera Lopes disse que “também é preciso que os CAPs funcionem com a presença de psiquiatras e psicólogos em seus plantões”. Desde que os hospitais psiquiátricos do Recife fecharam, os pacientes com transtornos psíquicos e dependentes químicos passaram a ser atendidos pelos CAPS. Mas, os do Recife têm horário de atendimento restrito quando comparados aos antigos hospitais psiquiátricos. “É sabido que muitas vezes os surtos acontecem durante a noite ou na madrugada, sendo necessário o encaminhamento de urgência para tratamento, não dispondo a rede municipal de saúde de estabelecimento aberto durante esse período”, observou Vera Lopes.

No bojo das discussões, estava a reforma psiquiátrica, que defende, entre outras coisas, que o atendimento aos pacientes de transtornos mentais  seja feito apenas nos CAPs e não mais em hospitais psiquiátricos, pede mais recursos aos CAPs, propõe o fim das emergências dentro do manicômio e que a emergência da saúde mental deva ser feita em hospitais gerais. Fizeram parte da mesa de debates o presidente da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria, Everton Botelho; a coordenadora de Saúde Mental do Recife, Telma Melo; o presidente do Conselho Regional de Psicologia, José Hermes de Azevedo Júnior; a gestora da Bioenergética, Maria Auxiliadora Falcão; o representante do Ministério Público para a Saúde, Marcos Creder Souza Leão; a coordenadora do Conselho Regional de Medicina (Cremepe), Jane Lemos e o diretor da Federação Nacional dos Médicos, Antônio Jordão.

A coordenadora de Saúde Mental do Recife,Telma Melo, disse que a rede de atenção psicossocial surgiu porque “os modelos tradicionais de atendimento aos pacientes com transtornos mentais falharam e mostraram-se violentos” e defendeu que o atendimento ao doente mental “não seja fragmentado entre o momento da crise e do surto para os cuidados integrais e contínuos”. Segundo ela, o número de CAPS que hoje forma a rede de atenção no Recife “ainda é insuficiente, pois estão em funcionamento apenas três para adultos com transtornos e um para crianças e jovens”. Mais oito CAPs estão planejados para entrar em funcionamento a partir do próximo ano, grantiu Telma Melo. “Quando esta gestão começou, a rede de atenção estava fragilizada. Hoje, 70% dos prédios e dos móveis são novos ou reformados. Outros 10% estão em processo de mudança”, alegou. A rede, conforme Telma Melo, conta com cinco módulos de reabilitação psicossocial. “São 24 leitos integrais e dois consultórios de rua. Havia 23 residências terapêuticas e estamos expandindo para 42, atendendo a mais de 300 pessoas”, disse.

O médico Antônio Jordão considerou que a audiência pública foi um marco da Câmara Municipal do Recife, mas entende que a discussão sobre o atendimento ao pacientes com transtornos mentais não pode ser feito “acuando as gestões ou com maniqueísmos, colocando profissional contra profissional”. Ele defende que a migração dos modelos de atendimento antigos para os que são propostos pela reforma psiquiátrica seja feito com foco no paciente. “É preciso que façamos, antes, um diagnóstico da situação de hoje. Também temos que definir qual a oferta de serviços que vamos estabelecer na rede para dizer que ela será satisfatória. O que temos hoje é suficiente para atender a demanda? Os CAPs estão adequados para atender a população? Até que ponto podemos descartar totalmente a hospitalização? Quando vamos descartá-la? A reforma psiquiátrica tem que fazer esse diagnóstico e estabelecer as reais necessidades”.

O psiquiatra Everton Botelho fez um histórico dos modelos de atenção psicossocial desde a década de 1970, quando os hospitais privados recebiam verbas do Ministério da Saúde para fazer o atendimento aos doentes com transtornos. “Os hospitais conveniados do INPS viviam desses recursos e os leitos eram privados”, disse. Ele resgatou os dados até os dias atuais, influenciados pela reforma psiquiátrica. “O motivo da reforma não é combater o tradicional. Há que se entender que há dificuldades que não são concebíveis, hoje, como as unidades de saúde não terem médicos psiquiatras ou equipamentos necessários para o atendimento. A psiquiatria continua negligenciada como sempre foi”, observou. Ele acrescentou que manter os pacientes em casa, como é uma das propostas da reforma, pode representar uma contradição. “Muitos pacientes ficam presos em quartinhos dos fundos, com grades nas portas e janelas. Vivemos uma contradição, voltamos à era premanicomial. O que temos que fazer é uma discussão equilibrada e executar as políticas com planejamento”, disse.