Audiência debate questões do Recife afro-indígena

Racismo religioso, precariedade de serviços como iluminação e segurança, falta de acesso à saúde e à educação. Essas são alguns dos problemas que os territórios identificados como afro-indígenas no Recife sofrem cotidianamente – e que foram alvo de debate em uma audiência pública promovida na Câmara Municipal nesta terça-feira (26). No evento, uma iniciativa do vereador Ivan Moraes (PSOL), integrantes da Prefeitura trataram das questões levantadas em uma pesquisa realizada pelo mandato do parlamentar em espaços religiosos de matriz afro-indígena.

Segundo Moraes, o objetivo da audiência foi estimular a busca por soluções junto ao Executivo municipal. “Hoje, a gente dá início a essa discussão oficialmente nesta Casa, trazendo o resultado da pesquisa que foi feita, e buscando propor – em parceria, naturalmente, com as pessoas que vieram representando a gestão – encaminhamentos que possam fazer com que essa nossa característica afro-indígena seja não apenas objeto de políticas públicas, mas que ela seja incorporada, de fato, na transversalidade das nossas políticas”.

Intitulada “Recife, cidade afro-indígena”, a pesquisa foi apresentada pela assessora parlamentar Nise Santos. De acordo com ela, a investigação científica foi realizada em oito casas religiosas distribuídos pelas Regiões Político-Administrativas (RPAs) do município, mas com especial foco na RPA-2, tradicionalmente identificada com esses espaços.

Dentre os resultados encontrados, está a constatação de que a maioria dos terreiros se localiza em bairros periféricos ou de transição com o meio rural, muitas vezes em áreas com altos índices de vulnerabilidade social e em que há negligenciamento do poder público em quesitos como segurança, iluminação pública e distribuição de energia elétrica, coleta de lixo e fomento ao emprego e à renda. A pesquisa também verificou a necessidade de melhorar o acesso das comunidades à saúde, à educação e à formalização de direitos relativos à religião, como a imunidade tributária.

Para Santos, essa situação está conectada à história de práticas de exclusão promovidas pelo Estado contra essas comunidades. “A gente olha para esse processo histórico para pensar como estão essas casas hoje. A gente resgata o passado para poder pensar o futuro”, disse. “Isso é muito importante, porque a gente vai ver que existe uma série de processos de marginalização desde a sua origem e que até hoje tem permanências. Pensar nessa pauta é pensar que a gente também pode fazer reparação histórica para esses povos”.

A pesquisa também levanta sugestões ao poder público – muitas delas incorporadas ao final da audiência na lista de encaminhamentos indicados por Ivan Moraes. Dentre essas propostas, estão o mapeamento de templos das religiões afro-indígenas no Recife; a realização de mutirões de imunidade tributária para os templos; a promoção do diálogo com as unidades básicas de saúde, tendo em vista relatos de que os terreiros têm sido preteridos de serviços públicos como os realizados por agentes comunitários e de endemias; o fortalecimento da economia do axé, sobretudo a partir da profissionalização a partir do artesanato, gastronomia ou de fabricação de instrumentos e costuras; melhoria na coleta do lixo; melhoria nas condições de iluminação em torno dos terreiros.

Na mesa da audiência, também estiveram presentes os pesquisadores e juremeiros Henrique Falcão e Carla Fagundes, que participaram da realização da pesquisa. Da parte da Prefeitura, encontravam-se a secretária-executiva de Direitos Humanos do Recife, Elizabete Godinho; a gestora da Política de Saúde da População Negra do Recife, Rose Santos; a gerente de Qualificação Profissional do Recife, Rosângela Miranda; a secretária-executiva da Câmara Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional, Natália Outtes; e a representante da Gerência de Igualdade Racial da Prefeitura, Tainã Moema Espíndola.

Durante a discussão, Elizabete Godinho ressaltou a importância dos espaços de controle social na democratização das políticas de Estado e refletiu sobre as violações estatais historicamente baseadas na raça. Ela defendeu, ainda, a necessidade de articulação das políticas de prevenção primária, como iluminação e saneamento básico, com as de acesso à saúde e educação, bem como agir contra práticas de intolerância.

Godinho também detalhou algumas das ações da Prefeitura para lidar com práticas de racismo, como a criação da plataforma Recife Sem Racismo e a aprovação das cotas para negros e indígenas em concursos públicos. “No PPA [Plano Plurianual] de 2022 a 2025, na nossa ação dentro do eixo estratégico Desenvolvimento Social, o nosso programa de Direitos Humanos é totalmente focado para o enfrentamento às questões raciais, às desigualdades raciais. E, a partir de 2022, a gente vem encontrando mecanismos e ferramentas para que a sociedade se aproprie dessas ferramentas para que a gente possa fazer a luta no seu conjunto. Uma delas é a plataforma Recife Sem Racismo, que é esse mecanismo e ferramenta de apoio à sociedade para que a política pública funcione nesse enfrentamento dos crimes de racismo na cidade”.

Ao falar pela Gerência de Igualdade Racial da Prefeitura, Tainã Moema Espíndola reforçou a importância de algumas das políticas adotadas pela Prefeitura, como a plataforma Recife Sem Racismo, o Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e o Programa de Combate ao Racismo Institucional.

Espíndola destacou que a população afro-indígena ainda encontra dificuldades para se pronunciar contra o racismo religioso. Segundo ela, uma pesquisa realizada pela Prefeitura em 2020 identificou que, muitas vezes, esses casos eram categorizados apenas como “violência urbana” pelas comunidades. “A gente passa por tantas outras violações, como a falta de luz, a falta de acesso a alimento, à empregabilidade, à educação, à saúde que, quando a gente vai fazer uma denúncia sobre o que é racismo religioso, essa é uma das últimas situações em que a gente vai entender que o racismo também está nessa estrutura”.

Nesse sentido, segundo a representante da Gerência, o Poder Executivo tem apostado em iniciativas de formação. “A Gerência de Igualdade Racial tem atuado continuamente com formações dentro dos espaços públicos e dos espaços religiosos de culto afro-indígenas, nas escolas, em todos esses aspectos, para fortalecer o conhecimento sobre o que é racismo, sobre como esse racismo impacta nossas comunidades”.

Durante a audiência, pessoas presentes no plenarinho da Casa de José Mariano também tiveram direito a se pronunciar. Antes de encerrar o evento, Ivan Moraes acrescentou, às sugestões já apresentadas pela pesquisa de seu mandato, indicações sobre as necessidades de inclusão dos sábios e sábias do povo no sistema educativo, de formação sobre acesso a editais e formalização de grupos culturais, de instalação de hortas medicinais nos terreiros, e de detalhamento do orçamento destinado à política de igualdade racial.

Clique aqui e assista a matéria do TV Câmara do Recife.

Em 26.03.2024