Voto de aplauso a recolhimento de livros gera debate

Um requerimento de voto de aplauso ao ministro da Educação, Mendonça Filho, foi alvo de discussão no plenário da Câmara do Recife nesta segunda-feira (12). A matéria, de iniciativa do vereador Carlos Gueiros (PSB), louvava o recolhimento de 93 mil exemplares do livro de contos ‘Enquanto o Sono Não Vem’. Uma das histórias da obra, distribuída pelo Programa de Alfabetização na Idade Certa (PNAC), retrata o desejo de um rei de casar-se com uma de suas filhas. No requerimento nº 4918/2017, Carlos Gueiros também saúda Mendonça Filho pela revisão de “todo o processo de seleção de livros aprovados durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.”

O tema foi primeiramente levado à tribuna da Casa de José Mariano pela vereadora Michele Collins (PP). De acordo com ela, é importante fazer um trabalho de revisão dos livros disponibilizados nas escolas. “Gostaria de falar da importância de estarmos alertas. Muitas vezes os pais que são trabalhadores não têm como ler os livros dos filhos, que podem distorcer aquilo que as crianças têm que estudar na escola. Esse livro é um absurdo e vai contra a fragilidade psicológica das crianças. É um livro que trata de incesto.”

Em um aparte, Carlos Gueiros afirmou ter contatado Mendonça Filho pessoalmente para tratar do assunto. “Como pai, avô e cidadão, eu tinha a obrigação de fazer isso quando tomei consciência do conteúdo dessa literatura. Ela, sobretudo, incentiva o descumprimento da nossa lei. Ela incentiva o incesto, que é uma transgressão penal sujeita a sanções judiciais. Esse foi o maior motivo pelo qual fiz um contato pessoal com o ministro. Depois tomei conhecimento que ele havia tomado a decisão e resolvi fazer esse reconhecimento.” A decisão do Ministério, divulgada na última quinta-feira (8), foi tomada com base em parecer da Secretaria de Educação Básica (SEB).

A vereadora Marília Arraes (PT) também subiu à tribuna para discutir o requerimento. De acordo com ela, é preciso haver uma discussão pedagógica profunda nesse tipo de caso. A parlamentar também defendeu a gestão do Partido dos Trabalhadores no Governo Federal. “Até quando vamos tolerar o tolhimento da liberdade do professor na sala de aula? Se formos analisar todas as histórias, vamos ter que retirar ‘A Bela Adormecida’ e ‘Branca de Neve’, que são abusadas por príncipes enquanto dormem. Não posso concordar com aplauso a recolhimento de livros. Eu também não poderia deixar de me ater à última parte do requerimento, que trata do assunto como se tudo de errado tivesse acontecido no governo de Dilma Rousseff. Os governos do PT foram os que mais investiram em educação.”

Para o vereador Ivan Moraes (PSOL), o tema divide educadores e mereceria uma discussão mais aprofundada. “Isso se trata de uma polêmica. Pesquisei e vi que há educadores e educadoras que defendem [o livro] e que são a favor da retirada. Eu me preocupo quando se fala de retirada de literatura. Acho que é um tema que vale um debate e que podemos voltar ao tema do material didático.”

Renato Antunes (PSC) se mostrou favorável ao voto de aplauso e teceu elogios tanto a Carlos Gueiros quanto ao ministro Mendonça Filho. “É você dar um tiro em um inocente, numa pessoa que não tem voz. Eu tive a coragem de ler esse livro e, aos 36 anos, me surpreendi. É uma afronta. É louvável a atitude do ministro, que encarou o problema de frente. É uma desconstrução familiar que fere os princípios da lei. Concordo com o vereador Carlos Gueiros e com o ministro.”

Professora e presidente da Comissão de Educação, Cultura, Turismo e Esportes da Câmara do Recife, a vereadora Ana Lúcia (PRB) também ocupou a tribuna nesta segunda-feira para comentar o requerimento. Tomando uma posição crítica ao livro recolhido, ela problematizou o controle do professor sobre a escolha de obras paradidáticas. “Vamos recolher uma coisa que já foi semeada e que já saiu do erário. Infelizmente, isso não é autonomia. Os paradidáticos não são escolhidos por nós. E, como professora, posso dizer que esse livro é um abuso. Autonomia é deixar que o professor na escola veja sua realidade e escolha.”

No plenário, o vereador Jayme Asfora (PMDB) afirmou considerar positivos os processos de revisão de escolha dos livros escolares, mas defendeu a liberdade dos professores. “Eu acho precário criticar ou aplaudir um processo de seleção e de estudos, mesmo que num governo cuja orientação eu não concordava, que era o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff. Revisar um processo de escolha é louvável. Mas não um professor aplaudir essa atitude que persegue e vai de encontro ao princípio da liberdade de expressão e do livre exercício profissional.”

Em 12.06.2017, às 17h34