Audiência pública discute necessidades e problemas de gestão da música erudita no Recife

A música sinfônica e operística pautou os debates de uma audiência pública realizada na Câmara do Recife nesta quinta-feira (19). O evento, que foi promovido pela Comissão de Educação, Cultura, Turismo e Esportes da Casa, reuniu membros da Orquestra Sinfônica do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Dentre os temas discutidos, estavam os problemas de gestão e manutenção enfrentados pela Orquestra Sinfônica do Recife (OSR) e a necessidade de criar oportunidades para os músicos locais.

A Orquestra Sinfônica do Recife – que, aos 88 anos, é a mais antiga em funcionamento do país – conta atualmente com 59 músicos efetivos, mas é auxiliada por outros 11 músicos convidados. O Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos da entidade, que teve como objetivo atualizar os vencimentos da categoria e atrair profissionais qualificados, prevê que seu quadro completo deveria contar com 120 músicos.

Presidente da Comissão de Educação, a vereadora Ana Lúcia (PRB) criticou a ausência de representantes da Prefeitura do Recife na audiência e disse que a reestruturação de órgãos como a Orquestra vai além da melhoria do salário dos músicos. “Esse triste retrato perpassa o Plano de Cargos. Essa luta vai muito além. Claro que é importante, mas o mais importante é ser valorizado no aspecto total: em condições de trabalho, em gestão. Vamos precisar juntar mais forças sabendo que essa voz tem que ecoar daqui, já que ninguém da Prefeitura veio apresentar propostas. Precisamos multiplicar isso para que outras pessoas se juntem a nós.”

O vereador Renato Antunes (PSC), vice-presidente da Comissão, também lamentou a ausência de gestores municipais. O parlamentar ressaltou o caráter de escuta das audiências públicas. “O Poder Legislativo se coloca a disposição. Além de fiscalizar, podemos propor soluções. Recife é uma cidade de múltiplas culturas. O intuito é trazer esse debate para a sociedade e cuidar do que é nosso. Nós temos uma Orquestra Sinfônica que tem quase cem anos. Se temos um órgão público, precisamos profissionalizá-lo. Nada mais justo que convocar uma audiência pública e chamar os atores envolvidos.”

Por meio de uma apresentação digital, o músico da OSR Gueber Santos abordou as dificuldades de gestão da entidade. De acordo com ele, a concentração de funções de direção artística em uma única pessoa levou a Orquestra uma situação de dependência, de gestão monocrática e de baixa produtividade. Ele destacou a necessidade da criação de um cargo de gestor administrativo para tratar de assuntos financeiros e dialogar com a Prefeitura. “Hoje a Orquestra vive um problema muito grande. Na sua direção artística, uma orquestra tem que ter três cargos essenciais: o diretor artístico, o regente titular e o regente assistente. Hoje, esses cargos são acumulados por uma única pessoa que mora no Rio de Janeiro e passa apenas dez dias aqui. Todo o poder de decisão está concentrado nessa pessoa e a Orquestra para se ela não estiver presente.”

Ainda segundo Gueber Santos, o processo de reestruturação da OSR está travado há cerca de três anos. “Foi iniciado um processo de reestruturação na Orquestra Sinfônica do Recife com a aprovação do Plano de Cargos e Salários, em 2015. Depois disso, porém, o processo ficou estagnado. É preciso haver a aprovação de um regimento interno, um documento que traga as diretrizes de funcionamento da instituição. A comissão de elaboração no novo regimento já foi formada e ele já está praticamente finalizado desde 2015, mas ainda não conseguimos o diálogo com a Prefeitura para poder aprová-lo. Outro passo seria o concurso público. Hoje, a Orquestra funciona com menos da metade do efetivo previsto no Plano.”

O maestro e professor da UFPE Wendell Kettle defendeu a necessidade de prestigiar compositores e profissionais locais. Ele defendeu a criação de uma Companhia Municipal de Ópera e uma Orquestra Sinfônica Jovem para evitar a evasão de músicos pernambucanos e fomentar a cultura do estado. “Quero colocar em discussão a criação de uma Companhia Municipal de Ópera que utilize os cantores líricos do Recife. Muitos alunos da universidade se formam e têm que sair do estado para poderem viver profissionalmente do canto lírico. Recife é uma capital de porte e precisa mudar essa realidade. A outra proposta que defendo é a criação de uma Orquestra Sinfônica Jovem para que nossos músicos possam ficar na cidade. Recife pode ser um grande polo da nossa musica erudita.”

De acordo com Wendell Kettle, projetos desenvolvidos na Universidade Federal mostram que Pernambuco já conta com um corpo de músicos apto a participar dos órgãos que ele sugere criar. Ao final de sua intervenção, membros da Academia de Ópera e Repertório da UFPE executaram um trecho da ópera ‘Carmen’, de Georges Bizet.

O promotor de justiça o Ministério Público de Pernambuco André Felipe de Menezes afirmou que o órgão vai se juntar à defesa do OSR. “O Ministério Público está muito feliz com a oportunidade de participar deste debate. Em se tratando especificamente do Recife, a Orquestra Sinfônica e a Banda Sinfônica cumprem um papel fundamental não só de promoção da cultura por meio da música, mas de nutrir outras áreas da vida humana por nutrir o espírito, moldar o caráter. Esses aspectos merecem uma proteção não só da Constituição Federal e da Constituição Estadual, mas de toda a legislação infraconstitucional.”

Após as considerações da mesa, o público presente se pronunciou no plenarinho da Câmara. Demandas específicas, como a cobrança pela realização de concurso para a OSR e um pedido de informações sobre a situação do Coro operístico do Recife, foram integradas à lista de encaminhamentos da audiência.

Outro direcionamento determinado durante o evento foi a elaboração de um projeto de lei declarando a Orquestra Sinfônica do Recife patrimônio imaterial do município. O Ministério Público, por sua vez, deve realizar uma audiência com a Prefeitura para tratar das dificuldades da OSR.

Em 19.04.2018, às 13h15.