Uso da maconha para fins medicinais é debatido na Câmara

Solicitada pelo Coletivo Antiproibicionista Mujica, movimento social que luta pela liberação da maconha, a Câmara Municipal do Recife realizou reunião, organizada pelo vereador Osmar Ricardo (PT), para debater o uso medicinal e terapêutico da Cannabis Sativa. O encontro serviu para ouvir a opinião de vários setores da sociedade sobre o tema. “É um debate que a sociedade precisa participar. É importante discutir o assunto numa perspectiva de redução de danos à saúde e de medicina terapêutica”, afirmou o vereador.

O antropólogo baiano e escritor do livro “Cannabis Medicinal”, Sérgio Vidal, fez um histórico do uso da maconha na sociedade brasileira. Quando o Brasil era Colônia de Portugal, disse ele, havia incentivo para produção da erva para uso industrial, como fibra e medicamentos. “Foi assim até o início do século 20, quando começou a haver um controle da população negra e as práticas culturais desse povo foram criminalizadas”, disse. Até a década de 1930, segundo ele, era muito difundido o uso dos derivados da maconha para fins medicinais. “É tanto que a proibição da cannabis, a partir de 1932, foi seguida de uma reação de médicos, que não foram ouvidos”, afirmou.

No Estado Novo a maconha foi definitivamente proibida no Brasil. “Com a proibição, houve um efeito contrário, com o aumento do consumo recreativo e um grande preconceito do uso medicinal. Ao longo do tempo, o uso da maconha foi associado à criminalidade", observou. O médico especializado em acupuntura, do Hospital das Clínicas, Pedro da Costa Mello Neto, apresentou um filme curto mostrando uma paciente que tinha dor aguda e crônica, intratável, havia nove anos. Ela dependia de uma medicação à base de morfina. Através da sativex, extrato natural da Cannabis, ganhou em qualidade de vida.

Essa paciente se tornou, este ano, a primeira paciente brasileira que tem autorização para importar o medicamento à base de THC, que é o princípio ativo da maconha. “No Brasil há muitos impasses para se avançar nessas pequisas. Eu tenho acompanhado muitos pacientes que melhoram bastante com o uso de derivados de maconha”, disse. Segundo ele, a erva tratada em laboratório pode ter várias utilidades terapêuticas que vão depender da proporção de fitocannabinoide. “Ela é indicada para diversos casos como câncer, glaucoma, esclerose múltipla, Mal de Parkinson, Mal de Alzheimer, epilepsia refratária, entre outros”, disse.

O advogado Cristóvão Gonçalves, ligado à Associação Brasileira de Redução de Danos (Aborda), que faz mestrado sobre drogas e Direitos Humanos, disse que as políticas proibicionistas em relação à maconha no Brasil se mostram fracassadas. “Elas são ineficazes para contemplar a proteção de Direitos Humanos, proteção do indivíduo frente à Segurança Pública”, disse. Ele lembrou que a descriminalização da erva em vários países tem avançado a partir da discussão pelo uso medicinal. “É o mesmo que vem ocorrendo aqui no Brasil, até mesmo entre parlamentares que são contra o uso para fins recreativos, mas que compreendem que o uso medicinal é importante”, disse.

A professora Ingrid Farias, que faz parte da Associação Brasileira de Redução de Danos, disse que a proposta da Aborda é esclarecer a sociedade da urgência da descriminalização. “Essa discussão é ampla, pois ela passa não só pela questão da legalização da droga para uso recreativo. Isso seria reduzir o debate. Descriminalizar a maconha é descriminalizar uma raça, que faz parte da parcela mais pobre da população, que são os negros que moram na periferia”, afirmou. Ela lembrou, ainda, que há um preconceito contra a planta, que serve para fabricação de remédios, mas ao mesmo tempo não existe um preconceito contra a papoula, por exemplo, que tem efeitos ansiolíticos.

A delegada Natália Barbosa de Medeiros, que participou da reunião pública representando o Departamento de Repressão ao Narcotráfico, disse que a instituição não tem um posicionamento sobre o uso da maconha para fins terapêuticos. “Além disso, nós trabalhamos contra os crimes e o narcotráfico, que fomenta a criminalidade violenta. Ele envolve homicídio e o tráfico de armas. Não combatemos o usuário”, disse. A delegada informou ainda que a produção de maconha em Pernambuco tem reduzido nos últimos anos.

A gerente de Atenção à Saúde Mental, da Secretaria de Saúde do Estado, deteve-se ao tema do uso da maconha com fins terapêuticos e disse que, nos casos de pessoas que dependem de remédio feitos com o princípio ativo da maconha têm direito a receber esses medicamentos e que não podem ser vistas com preconceito. Já o representante do Conselho Estadual Sobre Drogas, Rafael West, afirmou que o tema precisa ser debatido amplamente na sociedade e que ele, pessoalmente, é favorável ao uso dos medicamentos.

 

Em 25.11.2014, às 13h13