Audiência pública debate regulamentação da Política Municipal de Remédios Derivados da Cannabis

Sancionada pelo prefeito João Campos no dia 28 de novembro do ano passado, a Lei Municipal número 19.324/2024, que cria a Política Municipal de Uso e Distribuição de Remédios Derivados da Cannabis sp., no município do Recife, ainda precisa de uma regulamentação para ser efetivamente aplicada e cumprida. O projeto que deu origem à lei é de autoria da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) e foi subscrito por 25 parlamentares. Na tarde desta quarta-feira (7), a vereadora promoveu uma audiência pública que reuniu representantes da sociedade civil, universidades, entidades que trabalham com o uso terapêutico da planta e poder público para debater o conteúdo da lei. O detalhamento das ideias e os procedimentos a serem seguidos na regulamentação são cruciais para que a lei produza efeitos para a população.

A vereadora Cida Pedrosa conduziu os debates. Participaram da audiência pública o representante das Associações Robson Freire, da Medical Agreste; o representante da Comissão de Direito da Cannabis Medicinal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sérgio Urt; o médico Wilson Freire; a representante do Coletivo de Mães Vem Cuidar de Mim com Amor, Fabiana Pereira; a representante da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), a vice-reitora Maria do Socorro de Lima Oliveira; a pesquisadora da UFRPE, Ana Cláudia.  Especialistas e pesquisadores participaram da audiência pública de forma remota. A lei municipal 19.324/2024 é tida como um avanço no reconhecimento do uso terapêutico de medicamentos à base de Cannabis, e os participantes da audiência pública entenderam que é essencial garantir sua efetiva implementação de forma democrática, segura e responsável.

A Cannabis sp. corresponde às diversas variedades da planta Cannabis Sativa que podem ser pesquisadas e utilizadas para a produção de derivados terapêuticos destinados ao tratamento de várias doenças. Entre os produtos derivados estão óleos, extratos, pomadas, cápsulas, entre outros. Uma das finalidades da Política Municipal de Uso e Distribuição de Remédios Derivados da Cannabis sp. é garantir o fornecimento gratuito de remédios derivados de cannabis sp. aos pacientes cujo tratamento tenha eficácia definida pela literatura científica; e a inclusão dos remédios derivados de cannabis sp. na Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (Remume) oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Ao abrir a audiência pública a vereadora Cida Pedrosa disse que a Cannabis salva vidas e relatou que os derivados da planta atenuam os efeitos de numerosas doenças a exemplo de epilepsia, autismo, Mal de Parkinson, Alzheimer, náuseas, câncer, entre outras. Ela, no entanto, disse que o acesso aos remédios é difícil devido ao alto custo deles. “Há também uma vasta gama de preconceito e de desinformação que dificultam a aquisição dos medicamentos e muitos médicos também evitam prescrever o canabidiol”, afirmou.  A vereadora acrescentou que a defesa dos medicamentos é “uma bandeira de saúde pública e de luta” e que garantir o acesso “é uma questão de saúde pública”.

Cida Pedrosa destacou ainda que alguns medicamentos chegam a ser vendidos por até R$ 4 mil reais, quando produzidos pelos grandes laboratórios. “Se o direito à saúde é constitucional, garantir o acesso da população aos remédios derivados da Cannabis sp. é um direito democrático. Ela lembrou, inclusive, que a legislação espera regulamentação. “Esta lei é fruto de muita escuta e muita luta, não é exclusiva de nosso mandato. Inclusive, 25 vereadores assinaram o projeto de lei que se transformou em lei. O Recife pode ser referência nessa terapêutica. Esta audiência, portanto, é para nos unirmos e mudarmos as ferramentas enferrujadas do sistema. Precisamos evitar o conservadorismo da Anvisa e do sistema”, afirmou, acrescentando que o uso da planta medicinal também enfrenta o viés racista no Brasil. Assessores do gabinete de Cida Pedrosa apresentaram, durante a audiência pública, a campanha Flora Saúde.com para divulgar a lei municipal 19.324/20224.

O representante da Medical Agreste, Robson Freire, que falou em seguida, lembrou que já existe uma lei estadual com o mesmo propósito de criar uma política estadual para o uso e distribuição dos medicamentos à base de cannabis sp., mas que ela também carece de regulamentação. “É importante criar mecanismo para dar acesso aos medicamentos de forma democrática. Enquanto isso, os pacientes se deparam com a necessidade clínica e a falta de recursos para pagar os valores cobrados pelos remédios em farmácias. Também há forma de adquirir os medicamentos através das associações para populações de baixa renda. Mas, precisa melhorar”.

A representante do coletivo de mães Vem Cuidar de Mim com Amor, Fabiana Pereira, apresentou um depoimento pessoal, pois é mãe de dois filhos com deficiência. Segundo disse, eles tinham melhor qualidade de vida quando os médicos prescreveram o uso do óleo canabidiol. “Como usuária do SUS é difícil conseguir o medicamento. Uma das minhas filhas passou a usar gardenal. O uso do gardenal, para pessoas com deficiência, não se compara com o canabidiol”.  Ela afirmou que é importante baixar o valor dos medicamentos para torná-los mais acessíveis.

A representante da Universidade Federal Rural de Pernambuco, vice-reitora Maria do Socorro de Lima Oliveira, disse que a UFRPE está empenhada em pesquisas e estudos sobre medicamentos à base de cannabis, mas também tratou das dificuldades de ambiente para cultivar a planta. “Buscamos convênios para pesquisas. Muitos grupos da universidade estão estudando a cannabis de várias maneiras para diversas áreas de conhecimento. Muitos professores se empenham no estudo de produtos à base da cannabis, mas todos nós precisamos entrar nessa luta. Vamos colocar o nome da UFRPE nessa luta, dizendo que somos a favor da cannabis e defender o uso gratuito dos remédios”.

A pesquisadora da UFRPE, Ana Cláudia, lamentou que o plantio da cannabis sativa para fins medicinais e de pesquisa depara-se com uma regulamentação pesada dentro da Anvisa. “O que a gente busca é se fortalecer na universidade” disse. "É preciso unir esforços, segundo ela, para viabilizar a solicitação do plantio da semente para uso de pesquisa, assim como fortalecer as parcerias com as associações produtoras dos medicamentos. “São importantes as iniciativas municipais e estaduais que fortaleçam a luta para a democratização do acesso aos medicamentos”.

O representante da Comissão de Direito da Cannabis Medicinal da OAB, Sérgio Urt, disse que o uso de medicamentos é uma causa importante a ser defendida, pois são muitos os preconceito e barreira a serem enfrentados. “Enfrentei preconceito até para falar do assunto, no início, dentro da OAB”. Ele lamentou que mesmo com receita médica, nem sempre é fácil a aquisição dos remédios. “Temos uma missão muito grande de tratar desse assunto com as polícias. Precisamos avançar de maneira informativa com a polícia a respeito dos derivados da cannabis”.

O médico Wilson Freire afirmou que muitos médicos e pacientes ainda resistem ao uso dos medicamentos à base de cannabis dizendo que não existe evidência científica para a eficácia dos remédios. Ele também exibiu no telão do plenarinho da Câmara do Recife estudos como o Método Herbalista (uma tese de doutorado) comprovando as evidências do tratamento com o canabidiol; mostrou recortes de jornais falando sobre a descoberta de que o caule da cannabis tem componente antiinflamatório; o caso do cientista brasileiro, de Santa Catarina, que lidera pesquisa sobre o uso de canabinóides no tratamento de Parkinson; e imagens de pacientes antes e depois do tratamento. “Maconha salva vidas”, disse.

O coordenador de Práticas Integrativas da Secretaria de Saúde, João Victor, disse que “esta temática que está em debate é importante e vem crescendo, com as comprovações e a eficácia [dos medicamentos]”. Segundo ele, “o Recife está disposto a discutir e criar essa política e trazer o uso da cannabis para dentro do SUS”. Ele, no entanto, cobrou a formação de um grupo para estudar formas de regulamentação da lei.

O público participante pode dar depoimentos pessoais e fazer perguntas. No final, a vereadora Cida Pedrosa fez os encaminhamentos. “Vamos fazer um relatório desta audiência pública e encaminhá-lo à Prefeitura do Recife, que fará a regulamentação. Nessa regulamentação, conforme ficou claro nesta audiência, tem que estar claro que quem determinará o uso dos medicamentos é o médico, e que será necessária uma formação de médicos e pessoal de saúde que vão prescrever os remédios”.

Ela também citou que a lei, ao ser regulamentada, precisa deixar claro de que não se pode ter restrição de tipo de doença, há necessidade de construção de um plano real de apoio à pesquisa; é necessário dar apoio às associações que vivem na luta para fornecer a maconha para fins medicinais, óleo e produtos legalmente; criação de um grupo de trabalho para pensar na regulamentação. “Para além da regulamentação, devemos encaminhar um ofício ao Governo do Estado repudiando atos da Polícia Militar, que assedia com truculência as associações que têm acervo canábico. E também precisamos visitar instituições para pedir apoio formal para regulamentação”, afirmou a vereadora.

Clique aqui e assista a reportagem do TV Câmara do Recife

Clique aqui e assista a audiência pública para discutir a regulamentação da Política Municipal de Uso e Distribuição de Remédios Derivados da Cannabis sp.


Em 07.05.2025.