Audiência debate direitos dos trabalhadores de aplicativos

A Câmara Municipal do Recife sediou uma audiência pública para tratar dos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores de serviços por aplicativo da cidade, na manhã desta quarta-feira (2). A iniciativa foi da vereadora Jô Cavalcanti (PSOL). “A Casa está aberta para ouvir os trabalhadores que movem essa cidade”. Parlamentares, sindicatos, sociedade civil e entregadores marcaram presença no plenarinho.

No início do evento, a vereadora Jô Cavalcanti destacou o valor e os direitos da categoria que vêm sendo discutidos nacionalmente. A parlamentar também criticou as condições de trabalho impostas pelas chamadas big techs (empresas de tecnologia de grande porte e influência global).  “É um tema muito importante que está sendo tratado em todo o Brasil sobre a situação dos trabalhadores e trabalhadoras de aplicativo. Já houve uma audiência pública, em Brasília, e essa articulação veio depois do “Breque dos Apps” quando milhares de trabalhadores, em mais de cem cidades brasileiras, marcaram um momento histórico na luta por melhores condições de trabalho”, disse. “As big techs estão explorando e precarizando ainda mais a vida desses entregadores e entregadoras”.

Jô Cavalcanti pontuou que a jornada de trabalho dos entregadores é exaustiva e que muitos correm riscos no trânsito. “Trabalham de 12 a até 16 horas por dia. Muitas vezes, sem ter o direito de parar para almoçar e sem um ponto de descanso. As plataformas digitais transformaram a forma de trabalhar e vieram acompanhadas de precarização e muita desigualdade”.

A vereadora Kari Santos (PT) reafirmou a força da categoria e recordou que nesta segunda-feira (1º) foi aprovado, em primeira votação, um projeto de lei de sua autoria, de nº 129/2025, que institui o “Dia Municipal do Entregador por Aplicativo” no Calendário Oficial de Eventos do Recife. Outras proposições em tramitação na Casa também foram salientadas pela parlamentar.

“Ter uma Dia Municipal é dizer à sociedade que esses trabalhadores existem e que a gente pode utilizar os espaços de poder para poder falar sobre a precariedade e a condição em que os trabalhadores de aplicativo se encontram. Temos outro projeto que fala sobre os pontos de apoio para os entregadores de aplicativo e apresentamos um requerimento de apelo à CTTU no sentido de apresentar informações sobre o não início dos testes das faixas azuis no Recife”, disse Kari Santos.

O deputado estadual João Paulo pontuou as responsabilidades que cabem aos governos municipal e estadual em relação aos entregadores de aplicativo. “Sabemos que há falta de uma regulamentação e, também, de uma política de formação, de profissionalização e de condições de trabalho. Essas ausências agravam ainda mais e vão levando a outro tipo de problemática:  O Sistema Único de Saúde (SUS). Porque os acidentes normalmente são tratados como urgentes. E urgentes têm que ser feitas as cirurgias imediatamente, sobrecarregando o Sistema”.

Wagner Araújo, do Movimento dos Trabalhadores Sem Direitos, disse que as plataformas digitais criaram um meio de fazer com que a empresa e o trabalhador não tenha mais vínculo nenhum entre si. “Se a empresa que deve ser responsável pelo trabalhador não tem vínculo com o trabalhador, quem é que vai ter? A quem cabe a responsabilidade da saúde mental e física do trabalhador?”, indagou. “A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi fomentada há muito tempo, perdemos muito nesses últimos cinco anos e ela não é respeitada. Então, se a carta de luta conquistada democraticamente não é respeitada, os trabalhadores e trabalhadoras não são respeitados. Queremos dignidade, vale-alimentação e qualidade de vida”.

Jeison Cavalcanti, da Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras por Aplicativo de Pernambuco (ATAPE), bastante emocionado, recordou de colegas que sofreram acidentes e um deles faleceu. “Perdi um amigo por imprudência de um veículo e a plataforma foi omissa. Eu vejo um outro amigo sentado no chão, sem ter espaço para se alimentar, e as plataformas não estão nem aí. Elas dizem que não têm responsabilidade nenhuma com a gente. Isso é desumano. Então, vamos sempre buscar os nossos direitos e pedindo a taxa mínima de R$ 10 reais”.    

Rodrigo Lopes, representante do Sindicato dos Entregadores e Motociclistas Autônomos de Pernambuco, disse que houve um avanço com a elaboração de uma convenção internacional, acompanhada de uma recomendação, voltada à regulamentação do trabalho em plataformas digitais. A medida foi aprovada durante a 113ª Conferência Internacional do Trabalho, promovida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, na Suíça, e deverá ser finalizada até 2026. “Essa convenção visa garantir direitos trabalhistas, condições dignas de trabalho e remuneração justa para trabalhadores de aplicativos. A convenção coletiva mundial foi formada pelos países parceiros, com o voto do Brasil, com objetivo de ser uma base dos trabalhadores e trabalhadoras por aplicativo. Precisamos da regulamentação dessa categoria, pontos de apoio e de chamar as empresas para as suas responsabilidades”.  

Paulo Rocha, presidente da Central Única dos Trabalhadores de Pernambuco (CUT-PE), pontuou que a iniciativa privada tem o objetivo de ganhar cada vez mais capital, citou os índices altos de acidentes no trânsito e lamentou a descrença das categorias no movimento sindical.  “A iniciativa privada quer ganhar dinheiro de qualquer jeito e no mundo do trabalho quer aumentar o lucro ‘nas costas’ da classe trabalhadora. Por isso, o salário é tão curto e há uma informalidade enorme. A gente tem no Brasil em torno de 41% da população economicamente ativa trabalhando na informalidade. No Hospital da Restauração havia o sexto andar somente para atender o pessoal de aplicativos. Agora, são o sexto e sétimo andares", explicou.  "Com um sentimento mundial de descrença, onde não se crê na igreja, num partido, no movimento sindical, coletividade, e ainda por cima, com o estímulo ao individualismo, tudo isso leva a um movimento sindical com imensas dificuldades em organização. A taxa de filiação tem diminuído bastante. Saibam que podem contar conosco. Sonhamos com uma sociedade justa e fraterna”, concluiu.

Vanessa Patriota, procuradora do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco, citou números de acidentes de trânsito e ressaltou um projeto nacional de plataformas digitais elaborada pelo Ministério. “As lesões de trânsito estão entre as dez principais causas de morte nos países de baixa e média renda. Em 2020, foram 190 mil internações nos hospitais do SUS e conveniados. Destas internações, 61,6% eram de motociclistas e os números estão aumentando. Diante da gravidade da situação, o Ministério elaborou o Projeto Nacional Plataformas Digitais. Um dos objetivos desse Projeto é buscar o incremento das notificações de agravos à saúde dos trabalhadores de aplicativos, ou seja, é aumentar as informações sobre esses acidentes porque a gente sabe que os trabalhadores chegam aos hospitais, são registrados como um motociclista que se acidentou, e não como um trabalhador que estava trabalhando para a empresa x ou y”, explicou.

A procuradora também explicou sobre a possibilidade da existência de alguma jurisprudência para que os entregadores pudessem reivindicar os seus direitos com as empresas. Ela pontuou que existem países que já reconhecem o vínculo. “O judiciário trabalhista ainda é muito dividido quanto a existência ou não de vínculo de emprego no Brasil. O Ministério Público do Trabalho entende que há sim o vínculo e já ajuizou diversas ações civis públicas em face da Uber, da iFood e outras empresas. Na relação de emprego, eles já são considerados empregados na União Européia, Inglaterra e a gente precisa avançar no Brasil para reconhecer que os requisitos estão presentes e que eles são empregados nos moldes da CLT. Não é preciso uma outra regulamentação. Basta enxergar que a regulamentação já se faz presente e que ela alcança esses trabalhadores”.

No final das falas de mesa, várias pessoas presentes no plenarinho puderam sugerir possíveis soluções para os problemas apontados e fazer reclamações.  A vereadora Jô Cavalcanti citou encaminhamentos, como o envio de requerimento para que a Prefeitura, junto com o Procon, para que intervenham nas empresas de aplicativos. “O requerimento é para que tenha uma sede no Recife dessas empresas até para a gente entender como o imposto é recolhido já que elas são de outro estado. Além disso, vamos pedir reunião com governadora do Pernambuco sobre os chips de identificação (GPS) nas motos visando um atendimento médico mais ágil quando houver acidentes”.

Clique aqui e assista a reportagem do TV Câmara do Recife.

Clique aqui e assista a audiência pública para tratar dos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores de serviços por aplicativo da cidade.

 

 Em 02.07.2025