Audiência pública debate a desapropriação da Mata do Engenho Uchôa

Para contribuir na democratização do debate que visa a desapropriação da Mata do Engenho Uchôa, um dos remanescentes de Mata Atlântica em área urbana do Recife, que atravessa 11 bairros da Zona Oeste, a Câmara Municipal realizou uma audiência pública, na tarde desta quarta-feira (3), através do mandato da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB). Moradores de comunidades, ativistas ambientais e representantes de instituições públicas foram ouvidos na reunião, quando reforçaram solicitações dirigidas ao poder público pela efetivação de uma política ambiental que inclua sustentabilidade e a história de luta das comunidades.

Além da vereadora Cida Pedrosa, que conduziu os trabalhos, a mesa de debates foi composta pelo secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife, Oscar Barreto; o biólogo, pesquisador e ex-gestor da Escola Castelo Branco, professor Hildemarcos Florêncio; o representante do Movimento de Defesa da Mata Uchôa, Augusto dos Santos Semente; e a ex-vereadora e assessora da presidência da Autarquia de Urbanização do Recife (URB), Luciana Azevedo. Participaram de forma virtual a coordenadora geral de adaptação à mudança do clima do Ministério do Meio Ambiente, Inamara Melo; e a coordenadora do Centro de Apoio Operacional ao Meio Ambiente do Ministério Público de Pernambuco, promotora de Justiça Belize Câmara Correia.

Situada na bacia hidrográfica do Rio Tejipió, na Zona Oeste, a área abriga não só um dos últimos fragmentos da Mata Atlântica, mas também ecossistemas de restinga e manguezal, desempenhando papel essencial na regulação climática, preservação da biodiversidade e mitigação de enchentes. Decretada de utilidade pública em 2002, a área de 192 hectares nunca foi desapropriada porque os donos contestaram o valor da indenização. A desapropriação é vista pelos ativistas ambientais como uma medida “urgente e necessária” para garantir a preservação desta Área de Proteção Ambiental (APA).

A vereadora Cida Pedrosa abriu a reunião dizendo que o Movimento de Defesa da Mata Uchôa existe há 46 anos e que somente por conta da luta da população é que a mata continua de pé. “Esta mata é desejada pela especulação imobiliária. Como ela tem, no seu interior, três biomas, é muito significativa para o pulmão verde do Recife”, disse. Cida Pedrosa lembrou que quando foi secretária municipal do Meio Ambiente, acompanhou de perto a construção do Plano Diretor da Mata Uchôa. “Pensamos na compra da área em dois momentos, mas infelizmente, quando tentamos resolver as questões, nos deparamos com questões burocráticas e não conseguimos chegar a uma solução, em virtude de incompreensões da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH)”, disse.

A vereadora observou que a CPRH não liberou os recursos do Fundo do Meio Ambiente, que existe para fazer as ações de compensação ambiental. “Não podemos pensar numa cidade sustentável, que tem um trabalho de enfrentamento às questões climáticas, sem pensar nos mananciais e seu acervo verde. É necessário pensar no verde como acervo ambiental e de sustentabilidade”. Ela acrescentou que a audiência pública tinha “o intuito de fazer pressão junto aos poderes públicos para tentar avançar na desapropriação da Mata do Engenho Uchôa”.

Em seguida, falou o representante do Movimento de Defesa da Mata Uchôa, Augusto dos Santos Semente. Ele destacou que não falava em nome próprio, mas sim de toda a coordenação do Movimento de Defesa da Mata Uchôa, cujos representantes estavam presentes na audiência pública. Ele rememorou que, em 2022, a desapropriação esteve a um passo de acontecer, uma vez que havia R$ 180 milhões disponíveis na CPRH. E o valor da indenização da área da Mata, segundo ele, era calculada em R$ 100 milhões. “Mas houve um parecer do Ministério Público do Estado e a decisão da CPRH”, que barraram o processo.

Augusto dos Santos Semente detalhou que havia em 2022 um parecer de aprovação ao processo de desapropriação da Mata Uchôa, elaborado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente, assim como um projeto de criação do Parque da Mata Uchôa, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. “Mas houve uma incompreensão burocrática e a decisão da CPRH não favoreceu a desapropriação. O que queremos agora é desatar este nó. Se o dinheiro ainda estiver na CPRH (o dinheiro da compensação ambiental), a desapropriação será feita. Com a realização desta audiência pública, hoje é o dia D para dar continuidade à caminhada da desapropriação e resolver esse imbróglio”.

A coordenadora geral de Adaptação à Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente, Inamara Melo, explicou que o impedimento de desapropriação do Engenho Uchôa, em 2022, não se deveu a questões técnicas do projeto, muito menos por falta de transparência ou ainda por falta de um plano operativo. O entrave, segundo ela, ficou por conta de uma compreensão política da CPRH. Inamara Melo também disse que a desapropriação e a consequente transformação da área em parque reserva, “é uma luta que agora pode vir a ser materializada, pois não se trata de uma utopia de um grupo de ambientalistas, mas um anseio de uma população”.

Ela ressaltou que a área a ser desapropriada “tem um valor ambiental e afetivo, que envolve cerca de 400 mil pessoas” residentes nos 11 bairros que ficam no entorno da Mata. Inamara Melo afirmou que a partir do mandato da vereadora Cida Pedrosa, os órgãos públicos seriam forçados a se posicionar para fortalecer políticas públicas de conservação ambiental. “Afinal, a criação do parque é compatível com a opinião de 2022, do Conselho Estadual do Meio Ambiente”.

O biólogo e pesquisador Hildemarcos Florêncio disse que a desapropriação da mata para transformação num parque, teria uma função pedagógica. “Nos 11 bairros que estão em volta da área, há dezenas de escolas. O parque pode vir a ser suporte para educação ambiental, para complementar a educação ambiental nas escolas. Os alunos visitariam o parque e assim serão preparados como cidadãos que fazem a preservação do meio ambiente”. A função pedagógica, disse ele, faria com que a mata deixasse de ser um ambiente meramente contemplativo, para ser também interativo e educativo.

A ex-vereadora e assessora da presidência da Autarquia de Urbanização do Recife (URB), Luciana Azevedo, lembrou que a mata tem ligação com as áreas ZEIS (Zonas  Especiais de Interesse Social). “Precisamos pensar, via Promorar, as intervenções adaptadas às mudanças climáticas. Estamos esboçando um projeto referencial, urbanístico e de intervenção, para preparar os morros para as mudanças climáticas. Precisamos de um plano ambiental para as áreas de morro”, disse.

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional ao Meio Ambiente do Ministério Público de Pernambuco, promotora de Justiça Belize Câmara Correia, respondeu à questão sobre o insucesso da desapropriação da área em 2022. Ela apresentou o contexto do posicionamento do MPPE na época. “Havia uma denúncia junto ao Ministério Público feita pelo Sindicato dos Trabalhadores Públicos na Agricultura e no Meio Ambiente de Pernambuco – o sindicato dos servidores da CPRH”.

A denúncia, de acordo com a promotora, dizia que a regularização fundiária não constava no plano de compensação ambiental de 2018 a 2021 e que também não foi elaborado o plano de aplicação de recursos em 2022. “Ou seja, não estava no plano operativo anual de gastos. Pelo que vi no teor das recomendações do Ministério Público, com base no ofício do sindicato, a aquisição da Mata Uchôa poderia prejudicar diversas unidades de conservação do Estado”. A promotora de Justiça Belize Câmara Correia, porém, se colocou à disposição para o diálogo.

O secretário Municipal do Meio Ambiente, Oscar Barreto, foi o último a falar. Ele observou que a Mata Uchôa foi e será uma das prioridades da Conferencia Municipal do Meio Ambiente do Recife. “Temos plano de educação ambiental e, em novembro, teremos um conjunto de ações para a área, com participação popular. É o plano quem vai mobilizar as pessoas para a defesa daquele patrimônio ambiental. A Prefeitura do Recife, através do prefeito João Campos e da Secretaria de Meio Ambiente, vem tentando mobilizar diálogos para defesa e proteção da mata. O prefeito vai participar, mas também é preciso envolver os governos federal e estadual na questão. Há um fundo estadual para o meio ambiente e precisa-se de decisão do conselho gestor para uso de recursos do fundo”.

Ao final da audiência pública, Cida Pedrosa fez os encaminhamentos. “Faremos relatórios, com requisições a partir dos debates que aqui ocorreram. Faremos também diversos requerimentos”, disse. A vereadora observou que vai oficiar e requerer ao governo do Estado a desapropriação da Mata Uchôa para se tornar parque; a mesma coisa junto à Prefeitura, no sentido de implantar o parque; pedirá ao Conselho Estadual de Meio Ambiente para que volte a pautar e reafirmar a decisão de desapropriação da mata; assim como autorizar que o fundo de meio ambiente possa ser utilizado para a construção do parque.

Um requerimento será feito à Guarda Municipal para fazer rondas ambientais e a vereadora também solicitará encaminhamento de soluções, junto à Prefeitura do Recife, para os moradores das áreas na beira do rio Tejipió. Além de outros encaminhamentos, vai fazer requerimentos para a Sudene e para o Consórcio Nordeste, para incluir a Mata Uchôa na linha de crédito do BNDES para o meio ambiente.

Clique aqui e assista a reportagem do TV  Câmara do Recife.

Clique aqui e assista a audiência pública: Desapropriação da Mata do Engenho Uchôa.

Em 03.09.2025