Audiência pública discute habitacionais e problema do reassentamento de famílias pelo ProMorar Recife
Ao dar início à audiência, Liana Cirne explicou que o evento ocorreu a pedido de um conjunto de entidades que elaboraram uma proposta para as comunidades de Jardim Uchôa e Ximboré, situadas na bacia do rio Tejipió, onde o ProMorar vai construir um parque alagável que vai exigir a remoção de moradias existentes. Compõem esse coletivo de organizações a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE Pernambuco), o Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (CENDHEC), o Instituto Transformar, o Instituto Nós na Criação, o Fórum Popular do Rio Tejipió, e a Igreja Batista do Caçote, além da Comissão de Moradoras e Moradores de Jardim Uchôa.
Segundo a parlamentar, o evento abriria uma oportunidade de diálogo entre a população, as entidades e o ProMorar, que precisa atender a regras de reassentamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), instituição que financiou a maior parte dos recursos do programa.
Na ocasião, Cirne ainda colocou em destaque a relevância do ProMorar para o município. “Nós sabemos que o programa Promorar é um programa necessário. É o maior programa de requalificação urbana da cidade do Recife. É um programa voltado à adaptação climática da nossa cidade, que vai fazer com que nossa cidade possa enfrentar as mudanças climáticas, a emergência climática, o problema dos deslizamentos de encostas, os problemas dos alagamentos e inundações da nossa cidade”.
Na mesa de debates, estiveram presentes, além da vereadora Liana Cirne, o representante das entidades autoras da proposta, André Araripe; a defensora pública do Estado e coordenadora do Núcleo de Terra Habitação e Moradia (NUTHAM), Isabel Paixão; a professora do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Circe Gama; o secretário de Habitação do Recife, Felipe Cury; o chefe do gabinete do ProMorar, João Charamba; e a vereadora Jô Cavalcanti (PSOL).
Em sua apresentação, André Araripe afirmou que o anúncio da construção do parque gerou um clima de insegurança nas comunidades e dúvidas sobre as alternativas para as famílias a serem removidas. De acordo com ele, foram realizadas reuniões e diálogos com as moradoras e moradores, em que eles teriam expressado forte rejeição à ideia de se mudarem para conjuntos habitacionais construídos pela Prefeitura, em razão da visão negativa que existe em relação a esses projetos.
Dentre esses problemas apontados pela população, estariam a possível distância dos novos imóveis aos locais originais de moradia e de ambientes de estudo e trabalho, além da perspectiva de habitar prédios de má qualidade construtiva, com problemas de poluição sonora e saneamento, compostos por apartamentos pequenos e sem ventilação adequada. Haveria, ainda, receios gerados pelos habitacionais de grandes dimensões existentes na capital, pouco integrados aos serviços e vias públicas, e que acumulam problemas de gestão e manutenção.
Outro problema indicado na audiência é a construção de habitacionais no formato de “H”, frequentemente adotado pelo setor da construção para esse tipo de projeto. Formado por dois blocos paralelos ligados por uma escadaria, esse formato é associado a muitos dos problemas que geram rejeição e mal estar nos moradores de conjuntos habitacionais, como a criação de corredores estreitos, insalubres e subutilizados entre os blocos.
Na discussão técnica sobre os projetos, também houve críticas à perspectiva de adotar o Programa Minha Casa Minha Vida (PCMV) no âmbito das remoções do ProMorar, já que esse programa possui um financiamento que permitiria construções mais adequadas. Na avaliação das entidades, as definições do PCMV facilitam a construção, pelo mercado imobiliário, de habitacionais com os problemas relatados. “Trata-se de um programa específico, de financiamento específico, o que por si só já dá margem para que nós tenhamos padrões diferenciados de moradia, que não se cerrem, por exemplo, nos limites que são definidos pelo Minha Casa Minha Vida”, disse André Araripe.
Por meio de uma apresentação digital, ele afirmou que, através de consultas e reuniões aos moradores de Jardim Uchôa, foram desenhados projetos de habitacionais em lotes próximos à comunidade, como um terreno hoje locado à Empresa Metropolitana de transporte coletivo. A proposta, segundo ele já referendada pela comunidade, trazia propostas de residenciais de pequeno porte – à exceção do localizado terreno ocupado pela Metropolitana, que deveria ser desmembrado em quadras menores com acesso público –, focados na viabilidade e manutenção dos imóveis após a sua ocupação.
Outras diretrizes da proposta incluía pontos como acessibilidade, conforto ambiental e boa dimensão das unidades, bem como o acesso por vias públicas, interligadas às ruas do bairro, atendidas por serviços públicos como o de limpeza das vias, e planejadas de forma a contribuir com a adaptação climática. A respeito do problema das quadras com blocos habitacionais em formato “H”, a apresentação das entidades sugeria quadras com blocos em “L”, o que possibilitaria, sem a perda do número de unidades, a criação de pátios internos de convivência, e facilitaria o sistema de ventilação e iluminação das unidades.
Em meio ao debate sobre a qualidade arquitetônica e urbanística dos conjuntos, o Secretário de Habitação do Recife, Felipe Cury, disse concordar com vários dos pontos apresentados. Em uma apresentação sobre os desafios de habitabilidade do Recife, ele tratou da produção de novas moradias populares no Recife em anos recentes, todos com blocos em formato de “H”, e tratou dos os novos habitacionais previstos por meio do PMCMV, que incluem famílias a serem reassentadas em decorrência do ProMorar.
De acordo com o secretário, alguns desses novas moradias obedecerão critérios de reassentamento na mesma área. Outros avanços incluiriam doações de terrenos para o PMCMV Entidades, modalidade formulada para empreendimentos construídos por movimentos sociais. Além disso, a Prefeitura indicou esforços por iniciativas com fachada ativa, uso misto e novos modelos de bloco habitacional.
Esses esforços, segundo ele, tentam mitigar problemas decorrentes das definições dos Ministérios das Cidades, da Caixa Econômica e do setor construtivo no contexto do PMCMV atribuindo pontuações maiores para empresas com capacidade para entregar projetos melhores. “No nosso chamamento público, a gente colocou amarras: tem que conversar antes com a Secretaria de Habitação para conceber o projeto, já pensando em tentar elaborar um projeto melhor. A gente está colocando em quase todos os projetos, quase 100%, metodologias construtivas que peçam fachada ativa, uso misto”.
O chefe do gabinete do ProMorar, João Charamba, frisou que o ProMorar atua para melhorar as condições de vida das 545 comunidades de interesse social do Recife, mas os números de reassentamentos ainda não são precisos porque as próprias obras do Programa devem diminuir a vulnerabilidade dessas comunidades, e assim, a necessidade de remoções.
Durante o evento, ele informou que, para aqueles que optarem não serem realocados em conjuntos, o valor mínimo a ser pago pelo ProMorar a título de indenização é de 50% de uma unidade habitacional, isto é, R$ 85 mil.
Charamba garantiu que os moradores e as moradoras afetados devem ser reassentados nas proximidades de seus locais de origem. “Nós temos que reassentar dentro do território. Se o BID entende que a gente vai retirar uma quantidade imensa de pessoas, ele já trava a [intervenção na] comunidade. A gente só aprova quando a quantidade de reassentamentos é compatível – e, quando a gente diz compatível, é um número razoável face à quantidade de famílias assentadas naquele local. E o programa diz que a gente tem que reassentar em um raio de 1,5 km do território onde estamos atuando”.
A audiência pública contou, ainda, com a participação de residentes de comunidades afetadas e integrantes da sociedade civil. A falta de informações precisas, a falta de transparência e dificuldades de diálogo com o ProMorar foram algumas das principais reclamações desses participantes.
Clique aqui e assista a reportagem do TV Câmara do Recife.
Em 24.09.2025