Revisões do BPC são tema de audiência pública na Câmara do Recife

A defesa dos direitos das pessoas com deficiência e a existência de problemas nos processos de revisão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) foram alvos de uma audiência pública promovida pela Câmara do Recife nesta quarta-feira (17). O evento, realizado no plenarinho da Casa por iniciativa da vereadora Liana Cirne (PT), ouviu pessoas que relatam problemas como o corte do BPC quando se esgota o prazo da atualização cadastral – que, por lei, deve ser feita a cada 24 meses. A audiência contou com a participação do diretor do Departamento de Benefícios Assistenciais do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Amarildo Baesso.

No início da audiência, Liana Cirne explicou que a realização do debate atende a um pedido dos próprios beneficiários, em especial grupos de mães de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Além do corte, esses usuários BPC afirmam haver mau atendimento por parte dos peritos médicos e questionam a necessidade de revisão da perícia em casos de condições não reversíveis. “Outra demanda que apareceu com muita frequência é o fato de que, entre o agendamento e a realização da perícia, o benefício tem sido suspenso”, completou.

Na mesa da audiência, a representante do Grupo de Mães Vivendo com Autismo, Mônica Lucena, representou também o conjunto das pessoas beneficiárias e seus familiares presentes no plenarinho. Os demais componentes da mesa foram o secretário-executivo de Assistência Social do Recife, Joelson Rodrigues; a defensora pública da União Ana Erhardt; a conselheira do Conselho Nacional de Assistência Social, Catarina de Santana; e o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da seccional pernambucana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PE), João Maurício Rocha.

Na ocasião, Mônica de Lucena classificou como “humilhante” a situação de bloqueio do BPC e disse haver relatos de cessão do benefício sem que haja explicações “nem no aplicativo Meu INSS, nem no aplicativo do banco”. “É difícil falar para quem vive em cima do BPC para tudo: aluguel, água, luz, medicação, transporte, alimentação e um lazer, quando se pode dar ao seu filho”, disse. Após a intervenção da representante do grupo de mães de pessoas com TEA, outros participantes da audiência também tiveram acesso ao microfone para tratar dos problemas encontrados com as revisões.

Também durante o evento, a defensora pública da União Ana Erhardt disse que o órgão dedica atenção especial à questão, tendo publicado uma nota técnica nacional que já foi levada ao Congresso. A defensora cobrou, ainda, inciativas de capacitação de peritos e defendeu que a avaliação social precedesse a perícia médica, frente às reclamações de que negativas nessa última etapa têm barrado o acesso à avaliação social do BPC. Ainda de acordo com ela, a Defensoria Pública da União em Pernambuco deve ajuizar uma ação civil pública para tratar da questão no plano dos direitos coletivos. “A Defensoria Pública da União já está instando os órgãos nacionais para que a gente possa ter uma solução para esse problema, que é gravíssimo”, afirmou. 

O secretário-executivo municipal de Assistência Social, Joelson Rodrigues, defendeu a importância do BPC, mesmo com os desafios orçamentários, e informou que o Recife atualmente possui uma taxa de recadastramento de 90% – segundo ele, mais alta do que a média nacional. “Hoje, em Recife, temos 102.328 pessoas beneficiárias do BPC; 51,5% são pessoas com deficiência. Se a gente pega isso há 20 anos eram 40 e poucas mil. Ou seja, mais que dobramos em 20 anos. Mas isso representa várias coisas. Não quer dizer que isso significa fraude, que esses benefícios não sejam legítimos. Não, não é isso. Quer dizer que, infelizmente, a situação de vulnerabilidade das pessoas fez com que tivessem uma situação socioeconômica que precisasse do benefício e garantir a proteção social. Então, é importante reafirmar esse direito”.

Após ouvir o público presente, Amarildo Baessa deu explicações sobre a legislação e o processo de recadastramento, respondendo aos questionamentos e comentando os problemas levantados. O diretor do Departamento de Benefícios Assistenciais, como servidores públicos, os peritos estão sujeitos ao código de ética da categoria. Ele ainda tratou dos esforços do governo do presidente Lula (PT) na garantia de direitos, falou das pressões pela desvinculação do BPC ao salário mínimo, e disse que o benefício passa hoje por um aprimoramento de gestão incentivado por órgãos de controle. A revisão dos benefícios, entretanto, seria uma previsão da própria Lei Orgânica da Assistência Social – ou seja, uma obrigação legal desde os anos 1990. 

“Todas essas reavaliações são previstas em lei para verificar se as condições que deram origem ao benefício continuam ou não. Em continuando, o benefício é mantido; em não continuando, o benefício é cessado. Essa é a regra que está na lei”, explicou. “O que nós temos que verificar hoje é organizar esse processo – e é a primeira vez que nós estamos nos esforçando para tornar essas revisões rotina do BPC, como prevê a lei. É aprimorar o processo. Se o processo tem defeitos, tem provocado problemas, o nosso papel é ter essa escuta e aprimorar o processo”.

Segundo Baessa, uma das frentes da revisão, a chamada atualização cadastral, ocorre automaticamente após 24 meses, gerando uma notificação bancária. “Nem sempre o beneficiário lê, no extrato bancário, essa notificação. Problema nenhum: não é obrigação dele também ficar lendo esses detalhes todos. Então, se até o próximo pagamento ele não demonstrar que foi notificado, nós bloqueamos o pagamento para que ele receba um aviso lá e ele dizer: fui notificado. É o que nós chamamos de ‘notificação inequívoca’. E só a partir daí é que começa a contar os prazos. No caso da avaliação biopsicossocial, começa a contar o prazo de 30 dias para agendar a avaliação. Tomada a ciência, é para o benefício ser desbloqueado automaticamente. Mas, se isso não estar acontecendo, está errado”.

O diretor também informou que a maior parte das interrupções do benefício que ocorrem atualmente são por vontade do usuário, em razão de mudanças em suas condições, e não por inconsistências ou falhas no sistema. Ele salientou, ainda, que as avaliações periciais focam não em doenças mas em impedimentos de longo prazo para o exercício da vida cotidiana e, por isso, precedem as avaliações sociais e são necessárias mesmo quando há condições de saúde de caráter não reversível. Ainda assim, Amarildo Baessa concedeu que é preciso melhorar a capacidade de avaliação social do INSS, uma vez que hoje há mais peritos que assistentes sociais no Instituto.

Ao final da audiência, a vereadora Liana Cirne relatou alguns encaminhamentos definidos para acompanhar as demandas da população. Entre eles, estavam a formulação de requerimentos por mudanças na notificação de necessidade de reavaliação e por melhorias na formação e atendimento de médicos e peritos; a formação de um grupo de trabalho com mães de pessoas com TEA; o envio de um ofício ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social sobre os casos relatados na audiência; e, por parte da Defensoria Pública da União, a realização de um mutirão de atendimentos aos casos relativos ao BPC e o ingresso de uma ação coletiva sobre o tema.

Clique aqui e assista a reportagem da TV Câmara do Recife.

Clique aqui e assista a audiência pública: Defesa dos direitos das pessoas com deficiência e os Impactos das revisões do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Em 17.09.2025