Audiência discute regulamentação de lei que proíbe veículos de tração animal

Desde 2013, o Recife possui uma norma que proíbe a circulação de veículos de tração animal, a condução de animais com cargas e o trânsito montado no município. Entretanto, a Lei nº 17.918/2013, que trata do assunto, nunca foi regulamentada pelo Poder Executivo. Para discutir o problema, a Câmara do Recife realizou, por iniciativa do vereador Romero Albuquerque (PP), uma audiência pública nesta quinta-feira (23).

O plenarinho da Casa de José Mariano, onde o evento aconteceu, ficou lotado de pessoas ligadas à causa animal – fato que foi destacado por Romero Albuquerque. “A coisa mais difícil hoje é tirar as pessoas de casa. Elas estão muito descrentes na política. Mas tenho certeza que, com essa audiência, vamos encontrar uma saída para a regulamentação dessa lei. A regulamentação dela está no ar desde 2013. Eu não aguento mais ver animais sendo maltratados nas ruas.”

O parlamentar, que sinalizou que deve promover uma ação judicial contra o prefeito pelo atraso na regulamentação, apontou um caminho para que a norma entre em vigor. De acordo com ele, é preciso que o processo de retirada dos animais das ruas seja feito paulatinamente e por Região Político Administrativa (RPA). Romero Albuquerque também disse que é preciso considerar a situação das pessoas que vivem da tração animal. “Eu proponho, além dessa retirada gradativa, que seja solicitada a capacitação dos carroceiros, e que eles tenham a opção de usar triciclos. Solicito que, num prazo de 60 dias, seja feita uma listagem das pessoas que se utilizam desse meio de trabalho para que a gente consiga encontrar uma melhor alternativa para eles. Se for necessário, vou subir na tribuna todos os dias para cobrar que essa lei entre em vigor.”

Dentre os componentes da mesa da audiência, estava o promotor do Meio Ambiente do Ministério Público de Pernambuco, Ricardo Coelho. Ele explicou como o órgão atuou no que diz respeito à falta de regulamentação da Lei 17.918/2013. Segundo Coelho, o Poder Executivo se recusou a acatar uma recomendação do Ministério Público, o que levou o caso ao Tribunal de Justiça, que pode fazer o decreto de regulamentação. “A inação do prefeito nos levou a propor uma ação judicial. Nela, pedimos que seja feito o cadastramento de todos os carroceiros nos seis primeiros meses. Depois, haverá uma fiscalização preventiva e repressiva para impedir o uso de equipamentos que causem dor aos animais. Em seguida, será feita a capacitação dos veterinários para manejo dos animais e, depois, a capacitação das pessoas que utilizam carroças para que elas possam se inserir no mercado de trabalho em outras atividades.”

Esse plano para a regulamentação deve durar um ano e seis meses. Ele deve contar ainda com incentivos para a entrega voluntária de animais, para o bem estar animal e para a criação de uma cooperativa de carroceiros.

A representante da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), Marlene Petronila, disse que a entidade aguarda a regulamentação para definir suas ações a respeito do tema. “A regulamentação cabe ao município e, enquanto isso, ficamos aguardando essa regulamentação para agir como determinado.”

Representando a organização não governamental Mais Amor aos Animais, a protetora animal Natália Tavares denunciou os abusos feitos contra os animais no Recife. “Os carroceiros têm famílias e precisam de seu sustento. Existem carroceiros que tratam seus animais com cuidado. Mas todos os dias a gente se depara com os maus tratos aos animais. Isso vem revoltando cada vez mais nós, protetores. Nós nos sentimos muito impotentes. Os animais são escravizados, carregam pesos maiores do que o que podem carregar. E muitas vezes os encontramos em um estado de desnutrição e desidratação muito grave.”

O vereador do Recife Ricardo Cruz (PPS) também participou da mesa da audiência e argumentou que a regulamentação está acima de questões eleitorais. “Estou a favor do que for colocado em prol dos animais aqui na Casa. Nosso objetivo aqui é ajudá-los. Se tem aberrações na lei, temos que consertá-las. Não podemos sacrificar famílias e pessoas, mas também não se pode usar animais como máquinas.”

O representante dos carroceiros, Neno Ferrador, salientou que é preciso levar em consideração aqueles que precisam da tração animal para sobreviver. “Não sou a favor de quem maltrata. Conheço muitos carroceiros que tratam bem seus animais. A gente precisa olhar para o pessoal que ainda precisa da tração animal. Quem vem maltratando faz porque não teve ensino e fiscalização. Temos que montar um jeito melhor para que seja bom para todos.”

Outras pessoas que trabalham com animais se pronunciaram. O carroceiro José Olegário Carneiro, de 76 anos, recordou que o setor já foi regulado e fiscalizado pelo Poder Público. “No meu tempo, toda carroça era regulamentada e os que estavam errados eram punidos. Todo carroceiro tinha sua carteira retirada no DETRAN.” Já o criador de animais Paulo Roberto lembrou que a lei afeta não só os carroceiros – também ficam proibidas as vaquejadas, rodeios e eventos afins. “O projeto também não é só para o pessoal de tração animal, mas para quem faz cavalgada. Se eu deixar de criar, meu cavalo vai viver onde? Tem que existir normas.”

Parlamentares de outros municípios participaram da audiência. O vereador de Jaboatão dos Guararapes Tadeu Cesar Cavalcanti Santiago, o Dr. Tadeu (PSD) expôs que a população se interessa pelo tema da tração animal. “De dez pessoas que me procuram, nove querem saber o que vai ser feito com os animais de tração. O meu objetivo é a proibir o uso deles em Jaboatão dos Guararapes.”

O vereador Fagner Fernandes (PTdoB)  destacou que é importante haver um debate antes de se proibir a prática em questão. “Tem que ter uma discussão ampla. Não se pode proibir sem ter uma preocupação social e com o destino dos animais. Isso me preocupa muito. Já fizemos um anteprojeto para disciplinar as carroças.”

O médico Valdomiro Júnior também explicou que a proibição feita sem planejamento pode ser danosa aos próprios bichos. De acordo com ele, é preciso haver um espaço de dois hectares para cada animal de tração, além de alimentação adequada e cuidado com zoonoses. “Seria ideal se a partir de hoje não houvesse mais animais nas ruas do Recife. Mas isso é uma coisa utópica. De uma maneira abrupta, a proibição pode causa um mal ao invés de um bem.”

Em 23.03.2017, às 18h14