Audiência pública debate “O direito à cidade segura para as mulheres”

Principais vítimas da violência urbana, as mulheres, muitas vezes, não podem caminhar pelas ruas como cidadãs livres e independentes. O medo faz com que elas limitem o seu ir e vir, pois o assédio é constante e constrangedor. Isso para não falar de casos mais graves, que envolvem a violência física e o estupro. Foi para debater essa problemática, que é demanda de entidades que trabalham com os direitos humanos e das questões das mulheres em especial que o vereador Ivan Moraes (PSOL) realizou audiência pública na manhã desta terça-feira, 7, véspera do Dia Internacional da Mulher. “Faço questão de ressaltar o protagonismo das entidades que já trabalham essas pautas na sociedade. Quero apenas usar o meu mandato para ser veículo dessas lutas”. Ocupar a cidade com todos os direitos de cidadania é o que buscam as mulheres, mas o Recife é pródigo no desrespeito e na violência para elas. A cidade está na 13ª colocação entre as capitais mais inseguras do Brasil e 31,2% das agressões contra as mulheres ocorrem nos espaços públicos segundo dados do Mapa da Violência.

O plenarinho da Câmara Municipal do Recife ficou lotado com ativistas do movimento de mulheres. “O direito à cidade segura para as mulheres, que é o tema desta audiência, é um pleito das instituições ActionAid Brasil e da Habitar para a Humanidade e tem o intuito de compartilhar percepções sobre as problemáticas e demandas das mulheres ao ocupar a cidade”, comentou Ivan Moraes. As mulheres presentes foram unânimes em acusar que as causas da violência urbana, sobretudo aquela sofrida pelas mulheres, está no fornecimento de serviços públicos de má qualidade como ruas com má iluminação, transporte público ruim, policiamento precário, uma educação que não forma cidadãos, moradias ruins, entre outros. Os índices de violência, segundo conclusão da audiência pública, são tanto maiores quanto piores são os serviços públicos. E as mulheres são a parcela da população mais vulnerável.  “É urgente debater esse tema numa audiência pública que tem o objetivo de ouvir, propor e encaminhar propostas no sentido de contribuir  com o processo de cobrança por serviços públicos de qualidade”, disse o vereador.

Após fazer a abertura do evento, Ivan Moraes passou a presidência da audiência pública para a funcionária de seu gabinete Robeyoncé Leite, que é trans. Foi ela quem conduziu os debates a partir de então. A representante da ONG da Habitar para a Humanidade, Socorro Leite, falou do conceito de “Direito à Cidade”, que faz parte da campanha mundial “Cidades Seguras para as Mulheres”, da ActionAid no Brasil, lançada em 2014. “O conceito está relacionando ao usufruto equitativo das cidades num padrão de vida adequado. Mas, logo nos vêm a pergunta: de que cidade estamos falando?”, questionou-se. Uma cidade insegura para as mulheres, segundo disse, baseada na pesquisa que originou a campanha, é aquela com padrão de uso e ocupação de solo que gera isolamento e negação do espaço público; que sofre intervenções públicas realizadas na perspectiva do carro e não das pessoas; onde a lógica de intervenção pública não prioriza o direito à cidade para a população mais vulnerável; os investimentos públicos não têm garantia de um padrão de vida adequado; e a precariedade das moradias refletem na perspectiva do futuro das mulheres.

De acordo com Socorro Leite, algumas questões são importantes para enfrentar e ampliar o direito à cidade segura para as mulheres. Entre as sugestões estão: estimular uma maior intervenção entre os espaços público e privado; estimular a ocupação de imóveis ociosos com a diversificação de usos; priorizar a regularização fundiária sustentável e assegurar o direito à moradia adequada entre outros. Após a apresentação de Socorro Leite, falou a coordenadora da Área de Direitos da ActionAid Brasil, organização internacional de combate à pobreza, Ana Paula Ferreira. Ela apresentou dados de uma pesquisa realizada pelo instituto YouGov no Brasil, Índia, Tailândia e Reino Unido, com 2.500 mulheres com idade acima de 16 anos. A pesquisa diz que o assédio em espaços públicos é um problema global e que 86% das mulheres brasileiras ouvidas já sofreram assédio em público em suas cidades. O Brasil e a Tailândia lideram os países onde as mulheres mais relataram assédios em suas cidades. Em relação às formas de assédio sofridas em público pelas brasileiras, o assobio é o mais comum (77%), seguido por olhares insistentes (74%), comentários de cunho sexual (57%) e xingamentos (39%).

Metade das mulheres entrevistadas no Brasil disse que já foram seguidas nas ruas, 44% tiveram seus corpos tocados, 37% disseram que homens se exibiram para elas, e 8% foram estupradas. “Além disso, a  pesquisa diz que 90% das mulheres disseram que deixaram de usar uma roupa por causa dos assédios e 86% já sofreram assédio em espaço público; 73,9% já desviaram de rua para evitar o assédio.  O Brasil tem uma lei muito boa pára evitar a violência contra mulher no ambiente doméstico, mas nada nos espaços públicos. É nessas áreas onde as mulheres estão mais vulneráveis a sofrer violência. E violência não é só física. Quando falamos em cidade segura para as mulheres não estamos buscando cidades apartadas, mas sim porque queremos segurança para quem é mais vulnerável. Falamos de cidade segura em todos os espaços públicos comuns”, disse Ana Paula Ferreira.

A secretária municipal Executiva da Mulher do Recife, Inamara Melo, concorda que as políticas públicas precisam se aperfeiçoar e incorporar a perspectiva das mulheres, para dessa forma, garantir que elas usem melhor as cidades em que vivem. Ela também falou especificamente sobre a violência urbana. “Ao longo dos anos, os números das violências doméstica e urbana vêm  decaindo a partir das políticas de combate. Mas, os números ainda acusam que o problema é muito grave. O Recife, em 2006, era a segunda capital mais violenta em relação às mulheres; hoje a cidade está na 13ª colocação. Em 2006 ocorreram 71 homicídios, no ano passado, 35. Continuam sendo dados alarmantes. Se houver uma mulher sendo mortas, é uma realidade preocupante, que já exige uma resposta”.

Inamara observa que, coincidentemente, a violência urbana cresce à medida que há um recrudescimento na chamada violência doméstica, que é aquela praticada contra a mulher por parentes, companheiros e maridos. “Antes, 70% da violência praticada contra a mulher tinha como algoz seus companheiros; hoje, a violência urbana vem crescendo mais que a doméstica, ficando em torno de 40% dos casos. Os crimes são de assédio e, nos casos ainda mais graves, de estupro”, disse. Segundo ela, o espaço das cidades precisa ser humanizado para ajudar a reduzir esses índices. “É por isso que a Prefeitura do Recife vem investindo em obras de melhoria da iluminação pública, em ações nas comunidades da periferia; estamos ensinando a Lei Maria da Penha nas escolas; dispomos de serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência; a rede de saúde vem se fortalecendo, sobretudo com a construção do Hospital da Mulher. A questão da segurança exige obras estruturadoras e precisa do comprometimento de todos os níveis de governo (municipal, estadual e federal) para se combatê-la. Exige, inclusive, o envolvimento da sociedade no que diz respeito à redução do machismo”.

 

Em 07.03.2017, às 12h10