Audiência pública debate processo de revisão do Plano Diretor

A partir de iniciativa do vereador Ivan Moraes (PSOL), a Câmara do Recife debateu em audiência pública, na manhã desta quarta-feira (21), o processo de revisão do Plano Diretor, iniciado em junho desse ano, para traçar o planejamento da cidade pelos próximos 10 anos. “Não vamos debater o conteúdo que gostaríamos ver no plano, até porque não temos conhecimento das propostas. Nosso objetivo é avaliar o processo de participação da sociedade civil na construção desse plano”, esclareceu o vereador. O plenarinho ficou lotado, mas a Prefeitura do Recife, a quem cabe promover as discussões e posterior elaboração do projeto de lei contendo a proposta do plano, não mandou representante.

Ivan Moraes fez a abertura da audiência pública e explicou que o Plano Diretor está previsto no Estatuto das Cidades (lei federal) e que construção das propostas demanda ampla participação popular. “O que a Prefeitura está fazendo, e que já denunciamos várias vezes em plenário, é um procedimento a toque de caixa, dizendo que quer votar e aprovar esta matéria ainda este ano”, observou. O prazo, segundo o vereador, é insuficiente para discutir com organizações da sociedade civil e movimentos sociais. “Por isso, realizamos esta audiência, atendendo a um pleito da Articulação Recife de Luta e de outras entidades que trabalham o direito à cidade”, afirmou. A elaboração do plano é complexa e exige a participação do povo, em amplas discussões.

“Você não faz participação popular convidando a população a apenas três dias para a realização da reunião. Pior, uma única reunião em cada Região Político Administrativa (Recife tem seis RPAs). Foram reuniões que contaram com poucas vagas para participação. E a população não passou por um processo de esclarecimento sobre o que iria debater. As pessoas não sabem, por exemplo, o que é uma outorga onerosa ou IPTU progressivo”, exemplificou. Desde o início do Plano Diretor, de acordo com Ivan Moraes, o processo participativo coordenado pela Prefeitura do Recife sofreu vários questionamentos e passou a ser objeto de uma Ação Civil Pública movida pela Promotoria de Urbanismo do Ministério Público de Pernambuco. “As discussões nas RPAs ocorreram no mesmo período que estávamos numa campanha eleitoral nacional. Historicamente a capacidade de mobilização da comunidade é muito menor nesses do que em outros anos”, disse.

Para o vereador, a Prefeitura do Recife tem se apegado ao argumento de que o Plano Diretor precisa estar pronto este ano, pois legalmente tem que ser renovado a cada dez anos. “Mas, nós temos um posicionamento do Ministério Público dizendo que a participação ampla da sociedade é mais importante do que o prazo. É preciso que a Prefeitura sente à mesa, ouça o que os segmentos têm a dizer”, avaliou Ivan Moraes. Ele lembrou que, pelo Regimento Interno, a Câmara Municipal do Recife não pode votar nenhum projeto de lei, no atual exercício, que tenha sido protocolado depois do dia 19 de novembro. “Portanto, o que custa garantir uma ampla participação popular?”, questionou.

Participaram dos debates a vice-presidente Nordeste do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), Fernanda Costa; a secretária da Comissão de Direito à Cidade da OAB/PE, Elvira Fernandes; e a representante da Habitat pela Humanidade e da Articulação Recife de Luta, Socorro Leite. “O secretário de Planejamento Urbano do Recife, Antônio Alexandre, foi convocado para a audiência pública, mas não veio nem mandou representante. Não podemos encaminhar um diálogo com a Prefeitura. Vamos ouvir o movimento popular, elaborar a ata e publicá-la em Diário Oficial, para constar nos autos do município como documento oficial, que ficará disponível à população”, disse Ivan Moraes. Ele observou que uma audiência pública não é “uma obra” de um vereador, mas convocada pela Câmara. “Lamentamos quando a Prefeitura não manda representantes, e portanto não cumpre o seu dever constitucional”, observou.

A vice-presidente Nordeste do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, Fernanda Costa, explicou que a Prefeitura do Recife tem obrigação de “trabalhar um conjunto de legislações urbanísticas, num processo de forma articulada e com estudos técnicos para embasar essas propostas”. Essas legislações, segundo ela, são o Plano Diretor, a Lei de Uso do Solo, a Lei do Parcelamento, entre outras. “O que estamos constatando é que a PCR está esquartejando o processo de discussão do Plano, à revelia do edital de licitação. Já está com a minuta do projeto de lei pronta para ir a uma conferência que só deve discutir princípios e diretrizes. É uma proposta discutida com poucos atores e embasada em interesses privados, sem a realização de um estudo técnico”, informou.

Se o caderno de “propostas” para o Plano Diretor, que a Prefeitura do Recife está debatendo, for aprovado, Fernanda Costa acredita que “teremos uma cidade muito mais caótica do que temos hoje”. Essas propostas, de acordo com Fernanda Costa, “praticamente acabam com as Zonas de Preservação Ambiental, pois quem vai defini-las são os proprietários de terra”. As Zonas Especiais de Interesses Sociais (Zeis), ainda de acordo com a urbanista, “deixarão de existir porque as populações de baixa renda terão que sair de onde estão para as áreas serem desocupadas e servirem para construção de novos prédios”. Fernanda Costa resumiu que, o Recife, de acordo com as propostas da minuta, “perderá sua identidade, o patrimônio histórico será ainda mais descaracterizado, o patrimônio ambiental deixará de existir e as populações pobres serão expulsas das Zeis”.


Em 21.11.2018, ás 12h30.