Audiência pública debate questão das mulheres e drogas

Este é um drama que ocorre com frequência nas comunidades carentes: a mulher é abandonada pelo companheiro e fica sozinha, desempregada e sem renda, com os filhos para criar. Não resta muito a fazer e algumas terminam se submetendo a realizar serviços para o tráfico de drogas, na condição de “mula” ou “avião”. Se elas são presas, terminam esquecidas nas celas dos presídios femininos, pois há dados que comprovam que a justiça brasileira é mais ágil para julgar os homens. Em geral, as encarceradas findam por perder os laços afetivos com os filhos e acabam no abandono. Para discutir como a política de combate à droga vem impactando na vida das mulheres, o vereador Ivan Moraes (PSol) realizou audiência pública no plenarinho da Câmara Municipal do Recife, na manhã desta terça-feira, 12. “Nos últimos 12 anos, a população carcerária feminina aumentou 556%, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), enquanto o aumento do número de homens presos foi de 130%”, ressaltou Moraes.

O título da audiência pública foi “Mulheres e drogas - nada sobre nós sem a nossa participação” e a iniciativa da realização partiu de uma solicitação da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa), uma articulação criada a partir de um amplo encontro de mulheres ativistas feministas que aconteceu em 2014 no Rio. “A política de drogas é trabalhada dentro do proibicionismo, mas não enfoca a prevenção ou a redução de danos, de acolhimento. E quando se observa sob o recorte da questão feminina, ela é mais cruel. As mulheres muitas vezes não são traficantes, mas se colocam nessa posição por conta da situação financeira ou por causa de seus companheiros que as obrigam. Quando são presas, os processos judiciais demoram a ser concluídos e elas ficam vários anos encarceradas”, disse Ivan Moraes. As participantes da Renfa atuam na luta pela reforma da lei de drogas através da perspectiva feminista de garantia de direitos humanos, com foco principal na defesa dos direitos dos grupos de mulheres atingidas pelo modelo proibicionista, buscando mudanças estruturantes no sistema de justiça brasileiro.

Fizeram parte da mesa de debates, além do vereador, a representante do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), Edna Jatobá; representante do Fórum de Mulheres de Pernambuco, Natália Cordeiro Guimarães; representante da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, Adelle Nascimento; o secretário executivo de Desenvolvimento Social, Juventude, Políticas sobre drogas e Direitos Humanos, André Sena; e a secretária executiva da Mulher do Recife, Inamara Melo. A audiência pública começou com a exibição de slides preparados pelo gabinete do vereador abordando a política sobre drogas no Brasil. O material exibido mostrou que a guerra contra as drogas fracassou, pois a política federal de drogas (Lei 11.343/2006) “não reduziu o consumo e o número de usuários se manteve com algumas disfunções”, ao mesmo tempo em que “os gastos com o proibicionismo e repressão aumentaram muito’.  A lei, segundo o material exibido, endureceu as penas contra os crimes de tráfico, o que terminou fazendo com que “um a cada três presos, hoje, sejam  por conta do tráfico”. A política de drogas impacta na vida das mulheres, pois somente em 2012, “64,7% dos encarceramentos femininos foram por causa do tráfico”. Uma vez presas, segundo a apresentação, elas sofrem “discriminação de gênero no âmbito prisional, falta de acesso à justiça, abandono e estigma”. O perfil das encarceradas é de “mães, negras e chefas do lar”.

Adelle Nascimento, componente da Renfa, disse que as mulheres, sobretudo as negras e pobres, são as principais atingidas pela guerra às drogas, seja quando são encarceradas, quando são estigmatizadas por serem usuárias de drogas ou quando perdem seus filhos em razão da violência. “A política de combate às drogas é machista e racista”, disse. Segundo ela, é necessário que se “tenha uma política elaborada com um olhar a partir do feminino. Temos que enfrentar esse problema a partir do olhar da mulher”. Nos últimos 14 anos, afirmou, houve um aumento de 678% de mulheres encarceradas no Brasil, o que representa 44 mil mulheres. “Dessas, 68% são negras e 64% são acusadas de tráfico. Em Pernambuco, 81% das mulheres presas são negras e acusadas de tráfico”.   A Renfa está executando, no Recife e em Salvador, o projeto “Mulheres e drogas - nada sobre nós sem a nossa participação” que consiste na formação e fortalecimento de mulheres atingidas pela política de guerra às drogas. Um dos objetivos é possibilitar a construção das políticas públicas que visem a redução das vulnerabilidades das mulheres nesse processo.

 

Dentre as ações previstas pelo projeto está a articulação institucional com serviços públicos como o Atitude aqui em Recife, o Corra pro Abraço em Salvador, o Cepad, entre outros. André Sena, secretário executivo de Desenvolvimento Social, Juventude, Políticas sobre drogas e Direitos Humanos, disse que a secretaria “tem trabalhado com foco na ação psicoeducacional e voltado para a prevenção e educação das crianças, jovens e adolescentes para mudar a mentalidade sob si mesmos”. A secretaria tem trabalhado para fortalecer a autoestima e a autonomia das pessoas. Inamara Melo, secretária executiva da Mulher, posicionou-se mais diretamente  sobre o tema da audiência pública. “Até a década de 90, 70% dos casos de violência contra a mulher aconteciam dentro de casa e elas tinham como agressores seus companheiros e ex-companheiros. Essse dado se modificou com a ida das mulheres para os espaços públicos, nova conformação das famílias e com a explosão da violência urbana. Atualmente, cerca de 50% dos casos de violência contra a mulher acontecem fora de casa, inclusive pelos casos de tráfico de drogas”, disse.

Essas mulheres, segundo Inamara Melo, são na maioria negras, chefes de famílias e moradoras das periferias. Atualmente, além da questão da violência, também se observa um grande aumento do número do encarceramento feminino. “Nos últimos 12 anos, aumentou em 556% o encarceramento feminino, enquanto o masculino cresceu 130%. O tráfico de drogas é o motivo de 64% da prisão de mulheres, contra 23% dos homens. São raros, no entanto, os casos de mulheres que ocupam lugar de destaque na hierarquia do comércio da droga, nacional e internacional. As mulheres acabam ocupando postos na área da pequena distribuição ou transporte”, disse. Um dos motivos do crescimento sem precedentes do encarceramento de mulheres, segundo Inamara Melo, foi a alteração da regulamentação  de drogas em 2006, por meio da aprovação da lei 11.343, que aumentou a pena para atividades relacionadas ao comércio de drogas.  “Há sim um impacto direto e específico da política de drogas sobre as mulheres, sejam elas usuárias ou comerciantes”, reconheceu. Em apoio às mulheres recifenses, nas diversas áreas,  a Secretaria tem trabalhado em vários eixos de atuação: desenvolvimento de política para igualdade de gênero, enfrentamento à violência doméstica e sexista, formação para igualdade de gênero e articulação intersetorial e comunicação.

 

12/09/2017, às 12:51