Homenagem póstuma a Padre Henrique

O Brasil vivia em plena ditadura militar e o desaparecimento e tortura de pessoas contrárias ao regime, eram práticas comuns não só do Estado, como também de grupos de extrema direita. Em 1969, o assassinato do Padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto seria uma tentativa de calar a sua voz, no trabalho com a juventude. Uma tarefa confiada a ele por Dom Hélder Câmara. Mas, o intuito não foi alcançado. A prova disso é que 46 anos após o seu assassinato, e um dia antes de seu aniversário de nascimento, a Câmara Municipal do Recife promoveu uma reunião solene “em homenagem aos 75 anos de vida do Padre Henrique”, conforme ressaltou a vereadora Isabella de Roldão (PDT), autora da iniciativa.

“Quem seria o Padre Henrique hoje aos 75 anos? Quais seriam as suas lutas e  enfrentamentos? Naquela época sabemos, mas quem ele seria hoje?”, provocou a parlamentar. “Essa é uma solene para celebrar a vida”. Isabella de Roldão discorreu sobre a violência contra a mulher e outros temas relacionados a desigualdade de gênero. “Por que, em pleno Século 21,  a violência continua arraigada, presa à sociedade? Eu me pergunto o que estava na essência da ditadura?”. Ela também  falou sobre a necessidade de uma educação de qualidade para os jovens de hoje.

O vereador de Olinda, Marcelo Santa Cruz,  argumentou que “falar de Padre Henrique é falar de Dom Hélder Câmara”. Lembrou que o atentado representou a manifestação do ato promovido pelo Comando de Caça aos Comunistas – grupo de extrema direita da época. Fez questão de dizer que a morte do religioso provocou a divulgação de uma relação com mais de 50 nomes de estudantes que seriam vítimas da repressão. “Quando da morte dele, pensávamos que Dom Hélder seria um aliado. Descobrimos depois, que o Dom era muito mais nessa luta, dentro e fora do país”.

A irmã do Padre Henrique, Izaíra Pereira, agradeceu a homenagem. Enalteceu a figura da juventude na pessoa de Isabella de Roldão e destacou que trabalha com jovens, pois é professora dos primeiros períodos da Universidade Federal de Pernambuco. “Temos de falar da ditadura, sobretudo num momento em que tem gente que quer a sua volta. Ditadura não é boa para ninguém, a não ser para os algozes. Meu irmão, vereadora, estaria lutando hoje pelos direitos humanos. Isso não se discute”.

O amigo de adolescência, Tadeu colares, disse que Padre Henrique representa o direito de expressão. “Naquela época, ele já buscava a reflexão e a conscientização dos jovens, usando uma didática especial. A sua presença vai ficar sempre na história, mas de seus algozes ninguém lembra mais”.

O Padre Gabriel Hotstede ressaltou a homenagem feita pela Arquidiocese de Olinda e Recife que colocou os restos mortais de Dom Hélder Câmara junto aos do Padre Henrique. Aproveitou a solenidade para contar diversos fatos ocorridos na época, a exemplo da fotografia do corpo do sacerdote, feita por um jornalista holandês que estava no Recife, bem como da presença de soldados nos templos católicos.

O ex-deputado estadual Roldão Joaquim frisou que “ele foi morto porque não puderam matar Dom Hélder. Então resolveram atingi-lo, sequestrando, torturando e matando o seu auxiliar. O Padre foi morto no momento em que fazia o bem”. Recordou da prática da polícia da época e afirmou que naquele dia, os profissionais periciavam um cadáver em Boa Viagem e ao chegar ao local onde estava o corpo de Padre Henrique, na Cidade Universitária, encontraram o diretor da polícia cientifica tirando fotografias. “Em outras palavras, a repressão sabia quem estava morto ali”.

O secretário Executivo de Direitos Humanos do Recife, Paulo Moraes, afirmou que trazer à tona o assassinato de Padre Henrique é um assunto atual, pois tem haver com as violações dos direitos humanos. “Ainda temos hoje, arbitrariedades praticadas nos lares, nas prisões e em tantos lugares. Ainda é travada a luta pelos direitos humanos. Impuseram a aniquilação física ao religioso, mas não a aniquilação das suas ideias”. Segundo ele, ainda este ano, será instalado o busto de Padre Henrique na Praça do Parnamirim.

Prova de amor maior não há - O Padre Josenildo Tavares iniciou seu pronunciamento, cantando à capela os versos da música. “Prova de amor maior não há, que doar a vida pelo irmão”. Enalteceu  que “a causa do Padre Henrique não é eclesial, é da sociedade. A conjuntura eclesial nos faz perguntar, para onde vai a juventude? Por certo, ele ficaria triste com uma juventude que pede a volta da ditadura e deveria pedir mais direitos humanos”. Ele disse que a reunião solene era profética. “No Antigo Testamento profetas e profetizas foram pessoas que proclamaram as verdades mais incômodas”.

O presidente da Câmara Municipal do Recife, Vicente André Gomes (PSB) lembrou que foi aluno do Padre no colégio municipal em que estudava, acompanhando palestras e celebrações de missas. “Nunca pensei em presidir uma reunião como esta. Meu pai, Moacyr André Gomes, me levou para o enterro do sacerdote e me falou da violência que ele tinha sofrido”. Num ato simbólico, passou a presidência da Mesa para a vereadora Isabella de Roldão.

A parlamentar, então, convidou o sub relator da Comissão da Verdade no Caso Padre Henrique, Gilberto Marques,  que  também lembrou momentos da vida do religioso e do dia de seu enterro. “Acompanhei passo a passo cada notícia que saiu desde o assassinato. Fui aluno do Padre Henrique e quero destacar a sua capacidade de ensinar e cuidar. Hoje, eu acredito que ele seria padre e professor”.

O poeta Almir de Castro Barros recitou “Operário em construção”, de sua autoria e, ao final, tocou com a sua gaita as músicas “Smile”,  “Fascinação” e “De volta para o aconchego” .

Documentário – Durante a solenidade, foi exibido o documentário “Padre Henrique: o silêncio que grita”, produzido pelas jornalistas Camilla  Figueiredo e Débora Britto. Trata-se de um curta metragem de 19 minutos, vencedor do prêmio Jovem Jornalista 2012, do Instituto Vladimir Herzog, de São Paulo. A película reúne imagens da época, além de depoimentos fortes e contundentes de pessoas que conviveram com o Padre e vivenciaram seu trabalho, últimos dias e sepultamento.

Descerramento de placa - Outro momento da “homenagem  aos 75 anos de vida do Padre Henrique”, promovido pela vereadora Isabela de Roldão, foi o descerramento de uma placa no pátio interno da Câmara Municipal do Recife. Foram escritos os seguintes dizeres:  Padre  Antônio Henrique Pereira Neto  (in memorian). Foi secretário de Dom Hélder Câmara. Lutou pela democracia e pela liberdade! Foi sequestrado e morto por agentes da ditadura militar, em 27 de maio de 1969”.

Em 27.10.2015, às 14h40