Isabella debate genocídio da juventude negra

A morte sistemática de jovens negros que encontra no Recife um dos pontos principais de ocorrência motivou a vereadora Isabella de Roldão (PDT) a realizar audiência pública no plenarinho da Câmara Municipal na manhã desta terça-feira, 23. “Os dados são alarmantes. É a realidade de todo o País, que se repete no Recife. Um tema que precisa de enfrentamento, e se não estivermos juntos essa discussão vai continuar na invisibilidade”, alertou. Isabella disse que agendou a audiência porque acompanhou os trabalhos da CPI do Senado sobre o assassinato de jovens e ficou estarrecida com os resultados, inclusive com uma das conclusões, a de que os tribunais de justiça não têm registro dos processos de homicídio destacando a questão racial. “Precisamos desses dados para sabermos que encaminhamento é dado para esses casos”, afirmou.

Os negros e negras assassinados, disse a vereadora, com base no relatório do Senado, são pessoas que têm baixo nível de instrução, os menores salários e praticamente nenhum acesso ao mercado de trabalho. “Nós estamos falhando no enfrentamento a esse grave problema, que é o genocídio da juventude negra. O estado vem permitindo que o fundamentalismo, seja ele racial, sexual ou religioso se estabeleça e se consolide, vitimando a juventude negra. O Estado, que é pago para proteger, nada faz e até permite as mortes. Onde vamos parar?”, questionou. Ela tomou por base dados do relatório do Senado que diz que a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. Todo ano, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são mortos.

A taxa de homicídios entre jovens negros, segundo Isabella de Roldão, é quase quatro vezes maior do que a verificada entre os brancos, o que reforça a tese de que está em curso um genocídio da população negra. Ela convidou para debater o tema a coordenadora do GT Racismo do MPPE, procuradora de Justiça Maria Bernadete Azevedo; o coordenador do Fórum Juventude Negra de Pernambuco, Alesso Teixeira; a conselheira tutelar da RPA 5, Sandra Eunice Barbosa; a professora de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Liana Lewis; e o promotor de justiça, Maxwell Vignoli.

Alesso Teixeira disse que, no Recife, a possibilidade de um jovem negro morrer assassinado é 11,5 vezes maior do que um jovem branco. Entre as capitais do Nordeste perde apenas para Maceió e João Pessoa. Considerando o índice de vulnerabilidade juvenil, segundo ele, Recife, é a sexta cidade brasileira que mais mata jovem negro. “No ano de 2014, de acordo com o Mapa da Violência de Jovens no Brasil, Pernambuco registrou uma diminuição de 34,2% de mortalidade da juventude branca; e um acréscimo de 32,4% em relação à negra”, informou. Para ele, não há ações efetivas para mudar essa realidade. “Os números desse genocídio dialogam com a falta de políticas públicas sociais efetivas. Esses jovens, vítimas da violência, estão nas comunidades mais pobres, onde falta uma educação de qualidade, uma política de moradia e boa alimentação”, observou.

A socióloga Liana Lewis abordou o tema a partir do ponto de vista conceitual. Ela acha que o cenário de morte não pode ser tratado como extermínio da juventude negra, mas como genocídio. “O aumento do número de homicídios é mais do que um extermínio. A definição de genocídio é que tem a ver com essas ocorrências, pois o genocídio envolve não só a morte física, mas também implica nas questões religiosas, linguísticas e culturais”, afirmou. A morte da juventude negra no Brasil, em seu entendimento, “vai minando a possibilidade de dignidade ampla da população negra, impedindo de ela ir adiante. A morte física é a parte mais visível dessa tragédia”. Para Liana Lewis, a sociedade e o Estado brasileiros são, ambos, genocidas e racistas. “Se falarmos em extermínio é o da esperança da população negra, da sua cultura”. Segundo ela, reduzir o conceito é diminuir a responsabilidade do Estado.

A conselheira tutelar Sandra Eunice Barbosa elogiou as opiniões dos debatedores, mas disse que enquanto eles falam teoricamente sobre a o genocídio dos jovens negros, ela enfrenta o problema na prática. E citou vários exemplos que o Conselho Tutelar acompanha. Um desses casos,lembrou, ocorreu há poucos dias na comunidade de Coqueiral, quando um jovem de 11 anos, negro, que estava brincando em frente a casa, empinando pipa, foi alvejado duas vezes por um policial. “Ele é um estudante, que não tem envolvimentos com a violência. Hoje, está internado no Hospital Otávio de Freitas, onde fez cirurgia e está com infecção. Um amigo dele, com a mesma idade, foi protestar, e o levaram preso, jogado-o num camburão. Chegamos à barbárie”, disse. Para Sandra Eunice, o Estado que devia proteger as pessoas, é “quem mais viola as leis”.

O genocídio da população negra no Brasil é secular, relembra a procuradora de justiça Maria Bernadete Azevedo. “Ele se acumula ao longo da história. O extermínio do povo negro continua”. Ela reconhece, porém, que há um dado novo na questão negra. “temos hoje legislações que foram construídas com sangue, suor e lágrimas. O que existia antes era um movimento que queria construir essas legislações, agora temos leis que estabelecem políticas públicas para os negros. O Estatuto é uma delas. Precisamos da aplicação dessas legislações, assim como há necessidade de as instituições repensarem suas práticas. Vivemos o racismo institucional e as instituições precisam prestar atenção nos direitos da população negra. As estruturas racistas estão postas e uma audiência pública como esta tem a importância de dar visibilidade à questão e de trazer às instituições como a Justiça, o Ministério Público, os poderes Legislativo e Judiciário a obrigação de executar essas leis”, disse.

Em 23.08.16, às 14h36