Ivan Moraes debate a LGBTFobia e a criminalização das drogas

Quando pensa em si mesma, Roberta Nascimento, 29, gostaria de ser outra pessoa. Nasceu homem, mas se veste, fala e se comporta como mulher. A família não a aceita e, sem emprego ou oportunidade, o jeito foi morar na rua. A fome, a falta de assistência, levou-a ao uso de drogas e à prostituição. “Uma pessoa como eu sofre muita discriminação e vive com medo. Já fui espancada, levei pedradas, garrafadas e chutes. Uma pessoa como eu tem medo até de dormir, sofrer uma covardia e ser morta enquanto dorme”, afirma. Roberta foi uma das participantes da reunião pública realizada pelo vereador Ivan Moraes (PSOL), na manhã desta quinta-feira, 17, no plenarinho da Câmara Municipal do Recife, cujo tema foi: “Corpos censurados: LGBTfobia e criminalização das drogas”.

Roberta Nascimento é também um exemplo de como as pessoas, por serem transexuais e dependentes de drogas, são tratadas negativamente. “Sofro todo tipo de desrespeito. Tem pessoas que me xingam quando eu digo que quero ser chamada de Roberta e não de Roberto. E quando sabem que sou dependente de drogas, acham que sou a encarnação do mal. Mas uma pessoa como eu precisa de apoio e de assistência.  Eu sou um ser humano como qualquer outro”, afirmou. O sinal de esperança na história de Roberta, que vive nas ruas do Recife, é que há alguns meses passou a ser atendida pelo programa Atitude, do Governo do Estado, através do qual recebe alimentação, encaminhamento à saúde e outros tipos de assistência. “Estou tentando me livrar das drogas”, disse.

A reunião pública foi realizada pelo vereador Ivan Moraes (PSOL) dentro das comemorações do Dia Internacional de Combate à LGBTFobia”, neste 17 de maio. “Inicialmente eu iria realizar uma audiência pública sobre a legalização das drogas por cauda da Marcha da Maconha, que ocorrerá sábado. O dia possível para a realização da audiência pública era hoje, 17, mas coincidia com o dia de combate à LBGTFobia. Então, o meu mandato entendeu que era melhor fazermos uma reunião pública reunindo os dois temas”, disse. Ivan Moraes acrescentou que a proposta do encontro passou a ser a discussão a guerra às drogas e a LGBTFobia. “À primeira vista parecia reunir assuntos distantes. Mas eles se encontram na perspectiva da censura aos corpos. A criminalização das drogas  e de suas/seus usuárias/os, e a LGBTFobia, privam pessoas de suas autonomias”, explicou.

Durante a reunião pública, Ivan Moraes ressaltou que como consequência, “A LGBTFobia e a criminalização das drogas se complementam no reforço e na perpetuação de uma série de preconceitos, que servem apenas para fomentar ignorâncias, desinformação e justificar violências”, assegurou. A mesa da reunião foi formada por Roberta Nascimento, como participante do programa Atitude; Nilton Monteiro, representante da Associação de Usuários da Saúde Mental; Emerson Diniz, representante do Programa Mercadores de Ilusão; Priscila Gadelha, da Marcha da Maconha; Marquesa de Santos, agente social de Redução de Danos, da Secretaria de Saúde do Recife; e Rivânia Rodrigues, do Fórum Estadual LGBT de Pernambuco.

Nilton Monteiro afirmou que é grande o preconceito social em relação ao usuário de drogas. “A sociedade acha que o usuário de drogas é um criminoso. O usuário é uma pessoa estigmatizada e a criminalização às drogas dá uma dimensão ainda maior a esse problema ”, resumiu. Em seguida, ele questionou: “Quando se fala de drogas, o que as pessoas são induzidas a pensar? Que droga é só a maconha, o pó e o crack. Mas, não Essas são as drogas estigmatizadas. Remédio, uísque, cerveja e coca cola também são drogas. O que existe na política de combate às drogas é que ela é higienista e só reforça o estigma do usuário das drogas psicoativas”, advertiu.

A agente social Marquesa de Santos trabalha, através da Secretaria de Saúde do Recife,  com pessoas que moram nas ruas e têm vínculos rompidos com familiares e comunidades. “As pessoas vivem o preconceito diariamente. Acho que esse é o grande problema delas. Não é preciso ninguém gostar de quem é LGBT ou do usuário de drogas, mas todos precisam ser escutados e respeitados”, assegurou.  Enquanto transexual,  Marquesa de Santos se sente privilegiada por estar num emprego formal há sete anos e ter entrado numa faculdade. “Mas a minha não é a realidade da maioria das trans, que sequer conseguem empregos”,  lamentou. Ela disse que no trabalho faz abordagens e vê qual a necessidade de saúde das pessoas que estão em situação de vulnerabilidade e morando na rua. “Vejo a dificuldade de acesso aos serviços e as encaminho para a assistência”, observou.

O representante do Programa Mercadores de Ilusão, Emerson Diniz, faz um trabalho voltado para os profissionais do sexo, num projeto que existe desde 2003. É também de encaminhamento aos serviços públicos das pessoas em situação de vulnerabilidade. “Nós mapeamos os locais de prostituição masculinos no Recife e em Jaboatão. Os rapazes, em sua grande maioria, acham que estão naqueles ambientes apenas utilizando espaço de emprego”, disse. Emerson falou da exposição à violência na rua e da política de redução de redução de danos. Uma das violências está no mercado de drogas.

“Precisamos pensar e repensar as políticas de drogas”, alertou Priscila Gadelha, representante da Marcha da Maconha. Para ela, o caminho do combate às drogas não deve ser a repressão, mas a atenção social. “Essa política só leva ao encarceramento e à morte”, disse. Segundo ela, esse será o mote da marcha que, sábado, sairá da Praça do Derby. “Levaremos como mensagem o tema ‘intervenção pela legalização jah”, disse. Será a 11ª edição da marcha. “No início as pessoas participavam de forma muito tímida, mas hoje a marcha é mais diversa e plural. Todos entendem que a maconha já não tira nosso lugar como cidadão”.


Em 15.05.2018, às 12h40.