Ivan Moraes debate os riscos para regularização fundiária no Brasil

Para encaminhar um debate que foi requerido pelas instituições Habitat para Humanidade, Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec) e Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH) o vereador Ivan Moraes (PSOL) realizou audiência pública na manhã desta quinta-feira, 23, para discutir a “Medida Provisória 759 e os riscos para a regularização fundiária no Brasil”. Trata-se de uma MP editada pelo governo federal no dia 22 de dezembro de 2016, que traz novas regras sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária, sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal e institui mecanismos para facilitar a alienação de imóveis da União.

O Recife sempre se destacou na elaboração de políticas de garantia à regularização fundiária e as pessoas que trabalham com esse tema lotaram o plenarinho da Câmara Municipal. Havia centenas de representantes de entidades que lutam pelas reformas agrária e urbana, arquitetos, advogados e moradores de áreas interesse social e ambiental. “A medida provisória 759 está cumprindo prazo regimental para vigorar e é muito perigosa. Ela anistia grileiros, grandes proprietários de terras, donos de mansões, e prejudica com a mesma intensidade as pessoas de baixo poder aquisitivo. Sei que a Câmara Municipal não tem poder de modificar essa matéria, que é federal, mas nós não podemos nos furtar para debater o tema e pautar nos nossos representantes no Congresso Nacional. Precisamos derrubar essa MP”, disse Ivan Moraes.

De acordo com os participantes da audiência pública, a MP 759, que tem cerca de 40 páginas e mais de 100 artigos, atropela a Constituição Federal e tratados internacionais, além de alterar 19 atos normativos editados entre os anos de 1946 a 2015. Ao acabar com o conceito de Áreas de Interesse Social e Ambiental, representa diversos retrocessos sociais e ambientais como: a facilitação para a concentração fundiária; a possibilidade de concessão de anistia a loteamentos e condomínios irregulares de alto padrão; a privatização em massa do patrimônio da União; a anistia a desmatadores e grileiros da Amazônia; a ameaça à política nacional de reforma agrária; a negação ao direito à ampla defesa nas ocupações populares; a financeirização da terra urbana e rural. “Por isso, é importante se apoderar desse tema, encaminhar debates e impedir os retrocessos”, disse o vereador.

“Aqui no Recife, temos uma longa e experiência de regularização fundiária de interesse social, fruto de discussões com os diversos segmentos. Somos referência nessa área, criamos o marco regulatório da regularização fundiária do Brasil”, disse a coordenadora Nordeste do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), Fernanda Carolina Costa​. Ela afirmou que a MP 759 prejudica o Recife uma vez que “mais da metade da população têm situação irregular, seja na questão do terreno que não está registrado em cartório ou da construção que está com algum problema”, disse. A nova lei, segundo Fernanda, suspende os processos de regularização fundiária que estão em curso; tem uma lógica de regularização do ponto de vista condominial; traz possibilidade de as áreas serem tituladas sem receber benefícios públicos; traz flexibilização para que pessoas com terra e renda sejam beneficiadas em detrimento das pessoas com menor poder aquisitivo, entre outros.

O coordenador nacional do Instituto Polis, Nelson Saule, fez um histórico sobre a política fundiária brasileira. “Dentro do processo procuramos estabelecer um sistema de proteção à moradia, à terra e à função social da terra urbana e rural. Avançamos e construímos a concepção do sistema de proteção da posse, mas terminamos caindo na armadilha da burocratização para garantia desses direitos. E isso gerou obstáculos. A MP usa esse argumento da desburocratização do processo e da flexibilização”, observou. Nelson também disse que a nova legislação estabeleceu mudanças com relação à responsabilidade do Estado brasileiro em relação à questão fundiária. “Transferiu para o município a competência de garantir a legitimação das terras e de definir os seus beneficiários. Isso sobrecarregar os municípios”, afirmou

O integrante do Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH),  Caio Scheidegger​, disse que a MP fere “os princípios constitucionais de moradia digna e a função socioambiental da propriedade” e que as regras jurídicas foram ignoradas. “Por uma Medida Provisória está-se fragilizando as garantias constitucionais e ambientais. Além disso, temos diversos tratados internacionais de Direitos Humanos e ambientais que foram desconsiderados”, alertou. O representante do Movimento de Trabalhadores Sem Teto - Brasil (MTST), Rudrigo Rafael Souza e Silva​, disse que “a MP é um ataque às populações mais vulneráveis, porque na verdade ela flexibiliza instrumentos que são frutos de discussões históricas e estabelece o princípio da competitividade. O que rege a medida é a lógica do mercado”. O coordenador do Prezeis, Edvaldo Santos Pereira​, criticou a MP, mas entende que desde 2005 vem ocorrendo um desmonte do Prezeis. “Há processos que estão na linha de frente, mas a população não recebe a posse da terra”. Ele acrescentou que é muito difícil, para as lideranças, obterem informações públicas e de cartórios sobre situação de terras.

A diretora de Habitação da Prefeitura do Recife, Nora Neves, disse que o Recife tem hoje 73 áreas que são definidas como Zeis e que 80% das irregularidades fundiárias da cidade estão concentradas nas mãos da população que tem renda entre zero e cinco salários mínimos. “Hoje, um terço do território do Recife é ocupado por famílias com situação inadequada ou precária. Isso representa mais de 53% da população do município”. Segundo ela, a Procuradoria do Município está atenta a essa nova legislação federal e o corpo técnico vem realizando discussões internas sobre as novas prerrogativas da MP. “À parte isso, nós vamos elaborar um plano de habitação de interesse social. Nesse plano, a regularização social já está sendo debatida pela Câmara Técnica de Habitação”, garantiu.

 

Em 23.03.2017, ás 12h55.