Privatização da Chesf é debatida em reunião pública

Com palavras de ordem, gritando “A Chesf é do Nordeste”, e numerosas faixas com frases que condenam a privatização da Eletrobrás e da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), dezenas de pessoas, entre políticos e sindicalistas, participaram da reunião pública realizada pela vereadora Marília Arraes (PT), na manhã desta quarta-feira, 23, para discutir o impacto da privatização do setor elétrico brasileiro, com foco na Chesf, para o Nordeste. “O nosso papel é expor essa situação para o povo do Recife e discutir as consequências dessa iniciativa de um governo golpista, que está colocando em risco a soberania nacional”, alertou a vereadora, no plenarinho da Câmara Municipal do Recife. O que devia ser apenas uma reunião transformou-se em ponto de partida para diversos eventos que ocorrerão nos próximos dias, em todo o Estado, contra o anúncio feito pelo Governo Federal, de venda das ações das estatais, e que pegou todos de surpresa.

“Setor elétrico é segurança”, “privatização, apague essa ideia”, “não à venda do Velho Chico”, “Chesf pública é manter vivo o Rio São Francisco”. Essas e outras frases estavam nas faixas espalhadas no plenarinho e davam o tom da reunião.  Pela primeira vez, esse tipo de evento, na Câmara Municipal do Recife, teve um formato diferente: era tanta gente ocupante de cargos importantes, tanto na política quanto na Chesf, sindicatos, entidades da sociedade civil, querendo se pronunciar contra a privatização, que foi necessário formar mais de uma vez a mesa de debates. “A Chesf é um grande patrimônio do Brasil, em particular do Nordeste. A sua privatização vai impactar no desenvolvimento dessa região, pois sabemos que toda privatização prioriza o lucro e não o desenvolvimento da população. Também haverá impacto na questão hídrica e ambiental para atender aos interesses do capital estrangeiro, que vai querer controlar até a vazão do rio”, afirmou Marília Arraes, que logo em seguida assumiu a função de mediar os debates.

Através do Ministério de Minas e Energia, o Governo Federal planeja vender as ações da Eletrobrás, subsidiárias, empresas e usinas que formam o setor elétrico brasileiro, dentro do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). Pela proposta, apresentada de surpresa esta semana, a União reduzirá  a participação na Eletrobrás, ofertando cotas de ações no mercado financeiro. Para se ter uma ideia, o capital social da Eletrobras, que foi fundada em 1962 e hoje é o maior grupo do setor elétrico da América Latina, é de R$ 20 bilhões. No ano passado, teve um lucro líquido de R$ 3,5 bilhões e a receita líquida anual é de R$ 60,7 bilhões. Já a Chesf, criada em 1945, tem capital social calculado em R$ 9,7 bilhões, receita líquida de R$ 12,7 bilhões e teve lucro líquido de R$ 3,9 bilhões no ano passado.

O ex-deputado federal Fernando Ferro foi um dos participantes da reunião pública. “A privatização da Chesf mexe com a história e a memória de muitas pessoas. A vida de uma empresa está ligada à dos servidores. Esta tentativa de privatização esquece que a empresa não é só o capital, mas a questão humana precisa ser levada em conta”, disse. Ele reconheceu que o setor elétrico brasileiro precisa de ajustes, mas isso não exige a privatização. Ferro elogiou a iniciativa da vereadora Marília, que, com a reunião, abriu as discussões sobre a privatização do setor elétrico. “Você está seguindo a tradição do avô, Miguel Arraes,  que sempre defendeu os interesses das empresas nacionais. A Chesf é do Nordeste e o povo resistirá”, afirmou.  Coube ao presidente do Sindicato dos Urbanitários de Pernambuco, José Gomes, anunciar que a reunião foi apenas a primeira expressão de um movimento estadual contra a privatização. “A partir de agora, muitas reuniões ocorrerão em todo o estado. Este é o início de uma trincheira de lutas em defesa da Chesf, que tem um papel social e histórico. Não vamos permitir que os golpistas se apropriem do Rio São Francisco”, propôs.

Na próxima segunda-feira, a Frente Parlamentar de Defesa dos Rios de Pernambuco, formada por deputados estaduais, estará em Petrolina. Lá, vai se juntar a deputados baianos e estudantes e fazer um passeio pelo rio São Francisco, cujas águas movem as turbinas do sistema elétrico da Chesf. No dia 14 de setembro haverá uma grande manifestação na ponte que liga os municípios de Petrolina e Juazeiro. Antes, no dia 11, haverá audiência pública, na Assembleia Legislativa, para debater os impactos da privatização. O deputado estadual Odacir Amorim, que esteve na reunião pública da Câmara Municipal do Recife, disse que esteve com o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, e lembrou a ele que, no governo de FHC, também houve uma tentativa de privatização da Chesf. “Eu disse ao ministro que, na ocasião, o tio dele, deputado Clementino Coelho, foi uma das vozes que se levantaram contra a privatização. Mas quis o destino que fosse justamente ele o ministro da privatização”, afirmou. O  público que lotou o auditório chamou o ministro de “traidor do povo”.

O presidente da Federação Regional dos Urbanitários do Nordeste (Furne), Raimundo Lucena, reforçou que a reunião pública foi um momento importante “para constituir um enfrentamento. Precisamos de unidade. Vamos realizar este movimento em vários Estados a partir de hoje. Não estamos em luta apenas contra a privatização do capital, mas para que a empresa de eletrificação não seja entregue aos estrangeiros”, disse. O presidente do Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco, Fernando Freitas, relembrou a luta que foi travada na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, quando ele anunciou a privatização do setor elétrico. “Nós fomos para as ruas, o povo se manifestou e conseguiu virar essa mesa. Mais uma vez vamos lutar, pois querem acabar com a Chesf, matar o Rio e o povo nordestino de sede. Querem fazer do nosso rio uma mercadoria”, disse.

O ex-president6e da Chesf, José Carlos Miranda, disse que a tentativa de privatização é realmente preocupante, pois o uso da água do São Francisco abastece milhões de famílias e beneficia as populações de sete estados. “Com a privatização, as margens do rio não serão usadas prioritariamente como produtoras de alimento. A Chesf é uma empresa que tem vocação voltada para o Nordeste e para o desenvolvimento da região.  A privatização não vai garantir essa vocação”. Ele também combateu o argumento do Governo Federal de que a privatização vai tornar o setor elétrico mais eficiente e deixar as contas de luz mais baratas. “Dificilmente haverá redução da energia e do valor da conta de luz”, garantiu.

 

Em 23.08.2017, às 12h25.