Questão animal é debatida em audiência pública

Perambulavam pelas ruas do Recife, até o ano passado, pelo menos 54 mil cães e outros 60 mil gatos abandonados. Todos eles, em situação de adquirir e transmitir doenças, afetando a saúde pública, além de estarem expostos aos mais diversos riscos e maus-tratos. A causa animal, que exige a implementação de políticas públicas, foi motivo de debate na Câmara Municipal do Recife, na manhã desta quinta-feira, 4, em audiência pública promovida pelo vereador Almir Fernando (PCdoB). “Essa é uma questão ética que devemos tratar de forma séria. Precisamos fiscalizar as leis que existem sobre esse tema e cobrar ações do Poder Executivo, já que foi criada uma secretaria com essa finalidade”, justificou o vereador.

O plenarinho atraiu um bom número de representantes de organizações não-governamentais que trabalham com a causa animal. Os números sobre os abandonados foram apresentados pela coordenadora do Movimento em Defesa dos Animais de Pernambuco, Marta Dubeux. “Os dados são da própria prefeitura, mas não estão atualizados. Sabemos que esses animais se multiplicam em progressão geométrica e com certeza há muitos mais gatos e cachorros abandonados na cidade. Até o ano passado, nada foi feito pelos poderes públicos para minorar esse problema”, disse ela. Sua sugestão é a realização de uma campanha de esterilização em massa para controle da população de animais de rua, além de um processo educativo para conter os maus-tratos.

A mesa que conduziu os trabalhos da audiência pública foi composta pelo vereador Almir Fernando; pelo secretário executivo dos Direitos dos Animais, Rodrigo Vidal; a presidente da Comissão de Defesa do Bem-estar dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE), Cristiana Dantas; o gerente do Centro de Vigilância Ambiental (CVA) da Secretaria de Saúde, Jurandir Almeida; presidente da Comissão de Ética no Uso de Animais da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), professor Carlos Pontes; representante da Guarda Municipal do Recife, Júlio Melo; e pela representante do Projeto Adote um Viralata, professora Ariene Bassoli. Compareceu à audiência o vereador Aderaldo Pinto (PRTB), Wilton Brito (PHS) e Eriberto Rafael (PTC).

O primeiro convidado a falar, na audiência pública, foi o secretário Rodrigo Vidal. Ele ressaltou que a questão animal é hoje um “clamor da sociedade” e fez um autoelogio à gestão de que participa, uma vez que o prefeito Geraldo Júlio criou a secretaria de que Rodrigo é titular. “Essa é a primeira secretaria a cuidar da causa animal, no Nordeste. Mas nós ainda a estamos construindo. Nem mesmo na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2013 ela está prevista e a engenharia estatal exige processos licitatórios que demandam prazos. Ainda não temos sala, nem telefone. Enquanto isso estamos trabalhando arduamente na construção de um planejamento estratégico que vai mudar a cultura no tratamento da questão animal nesta cidade”, disse.

De acordo com Rodrigo Vidal estão sendo trabalhados alguns projetos como a criação de um hospital veterinário público que será inaugurado em 2014. Ele está lutando por verbas federais e negociando o espaço onde o hospital venha a ser instalado. Também disse que atuará nas causas do abandono de animais. “Vamos trabalhar o triângulo essencial que é a educação cidadã; estimular a adoção de animais e por fim promover a castração em massa dos que estão nas ruas”, afirmou. Campanhas de esterilização comprovam que o número de animais abandonados em Nova Iorque, por exemplo, foram reduzidos em dois terços nos últimos dez anos segundo dados do Movimento em Defesa dos Animais de Pernambuco.

Assim como a secretaria municipal foi criada este ano, no mês passado a Ordem dos Advogados do Brasil, secção de Pernambuco (OAB-PE), instalou a Comissão de Defesa do Bem-estar dos Animais. É a primeira comissão da OAB, em todo o país, com essa finalidade. “Temos ideia de articular a OAB Federal a incentivar as políticas públicas para fazer aplicar as leis existentes que tratam da questão animal. Também pretendemos trabalhar em nível local, em parceria com os poderes públicos”, disse a presidente Cristiana Dantas. A comissão é multidisciplinar e se diferecia das demais da OAB porque inclui, além de advogados, um veterinário e um representante da sociedade protetora dos animais.

A professora Ariene Bassoli, do Projeto Adote um Viralata, reconheceu que a causa animal vem ganhando dimensão. “Verificamos que houve uma mudança de paradigma, com organizações denunciando e abrindo os olhos da sociedade. Hoje há mais visibilidade das questões, mas ainda há muito o que se fazer. As leis em defesa dos animais são brandas em relação aos maus-tratos; faltam punições severas. A interpretação dessas leis não é suficiente e os malfeitores ficam impunes, cometendo mais atrocidades”, afirmou.

Em complemento a essa questão, a representante da ONG MPColina, Simone Sales, também participante da audiência pública, foi objetiva. “Sem existir uma fiscalização, nenhuma lei se faz valer”, observou. Outro assunto que ela abordou foi as proposta do secretário Rodrigo Vidal. Ele sugeriu a criação de uma central de denúncias, na Secretaria dos Direitos dos Animais, contra os maus-tratos. “É mais importante a criação de uma delegacia de proteção aos animais do que uma central de denúncias. Essa central tende a não ser útil porque vai ser limitada e apenas ficar superlotada de denúncias", criticou. Em uma frase, o professor Carlos Pontes, presente à mesa que dirigiu a audiência pública, resumiu a questão animal: “É tudo uma questão ética. Quais as nossas obrigações para com os animais? De que forma devemos tratá-los?”, questionou.


Em 04.04.2013, às 12h20.