Trabalho infantil é tema de audiência na Câmara do Recife
Ao fazer a abertura da audiência, André Régis ressaltou a importância do assunto debatido. “É um tema da mais elevada relevância e que diz respeito ao futuro e à qualidade da cidade que nós queremos. Envolve a proteção dos direitos humanos a partir do nosso bem mais valioso, que são nossas crianças. Lamentavelmente, a maior parte da sociedade não percebe a importância que tem uma criança.”
Mais tarde, o vereador deu detalhes sobre o problema da educação municipal usando dados de um projeto de seu mandato, o RaioX das Escolas. Ele falou, ainda, sobre a falha das instituições em atender as crianças e adolescentes que trabalham ilegalmente e da necessidade de responsabilização dos setores encarregados do assunto. André Régis também citou o combate ao trabalho de crianças nos semáforos da cidade como um ponto que poderia ser priorizado. “O que dá sentido ao nosso mandato é a fiscalização da educação no município. O dano da criança que não vai à escola é coletivo. Esse dano é permanente e irreversível.”
A educação também foi um dos temas abordados pelo presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-PE), o desembargador Ivan Valença, que fez parte da mesa de discussão da audiência. Ele mencionou os marcos legais que protegem a criança e o adolescente do trabalho infantil e que estabelecem o modelo de aprendizagem profissional como uma alternativa à ilegalidade. “O direito a uma infância saudável tem sido constantemente ignorado pelo mundo contemporâneo. O debate sobre o trabalho infantil e o estímulo à aprendizagem é de grande valor. A educação é a chave que abre a porta da esperança para um futuro melhor.”
A audiência na Casa de José Mariano fez parte de um projeto maior do judiciário trabalhista que visa levar informações sobre o trabalho infantil à população por meio das Câmaras Municipais do Estado. Segundo o desembargador Paulo Alcântara, é necessário conscientizar os pernambucanos sobre o problema. “Imaginamos um trabalho ao longo deste ano voltado para as casas do povo. Nenhum lugar representa mais a população que as câmaras de vereadores. São elas que estão mais próximas. Fico feliz que o presidente do tribunal tenha abraçado este projeto. Vamos fazer audiências públicas em 32 cidades de Pernambuco.”
Também contribuiu com as discussões a procuradora do Ministério Público do Trabalho Jailda Pinto. Segundo ela, o trabalho infantil facilita a entrada dos adolescentes no mundo do crime e precisa ser analisado sob a ótica do problema da desigualdade social e da pobreza. A procuradora cobrou, ainda, o cumprimento das cotas de aprendizagem para adolescentes a que as empresas são obrigadas. “Segundo alguns estudos, 75% dos adolescentes infratores passaram pelo trabalho infantil. É preciso associar esse trabalho à profunda concentração de renda e à extrema desigualdade social do nosso país. Não é possível falar de trabalho infantil sem tratar da sociedade que queremos construir e de políticas públicas de emprego e renda para os adultos. Pais que podem sustentar seus filhos não os colocam para trabalhar. Já a aprendizagem é um instrumento voltado para as pessoas que necessitam. Em Pernambuco existem 34 mil cotas a serem cumpridas, mas só 14 mil são atendidas pelas empresas.”
Para a auditora fiscal do Trabalho Lívia Macedo, é preciso frisar que o trabalho infantil não deve ser encarado como uma alternativa para manter os jovens afastados do crime. “É preciso dar oportunidades, oferecer emprego e renda à família e trabalhar na educação dos jovens. Sempre escutei que é melhor que o jovem esteja trabalhando que roubando. Mas se fala isso como se só existissem essas duas alternativas. O trabalho, muitas vezes, está presente na vida dos adolescentes infratores. O corpo de uma criança ou de um adolescente não está preparado para o trabalho. Nos últimos nove anos, registramos mais de 22 mil acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes, incluindo cerca de 200 mortes e 500 amputações. Isso por números oficiais. Trabalhar nessa fase traz prejuízos que ficam pela vida toda.”
De acordo com o superintendente regional do Trabalho e Emprego em Pernambuco, Eduardo Geovane, é necessário fazer com que a população compreenda a gravidade do problema debatido. “Precisamos fazer com que a pessoas, sobretudo as que estão nas cidades do interior, se interessem pelo tema. Escutamos que é melhor que se esteja trabalhando. No interior, trabalhar é motivo de orgulho. Muitas vezes, os pais não acham que a criança está fazendo um trabalho ilegal.”
Existem mitos sobre o trabalho infantil que precisam ser desmontados, disse a juíza federal do trabalho Roberta Araújo em sua intervenção na audiência. “Não discutimos esse tema adequadamente. Muitas vezes, ele é visto como algo que é natural. Existem dois mitos inaceitáveis que cercam a questão. O primeiro é a justificativa sobre a pobreza: a criança é pobre e precisa sustentar a família. Isso é uma absoluta inversão da ordem natural das coisas. A criança e o adolescente precisam ser protegidos e não o inverso. O outro mito é a concepção de que é melhor a criança trabalhar que roubar. Mas isso não pode ser uma opção. Para a criança e o adolescente, o direito de não trabalhar é que deve ser assegurado.”
Também participou da audiência o procurador regional da Advocacia Geral da União Carlos Eduardo Dantas de Oliveira Lima, que se colocou à disposição para participar de ações conjuntas com os demais. Ao fim do evento, temas como o mapeamento das famílias afetadas pelo trabalho infantil e o papel do Instituto de Assistência Social e Cidadania (IASC) na problemática foram debatidos com o público presente.
Em 29.06.2017, às 18h56