Tráfico de pessoas e órgãos é tema de audiência pública

Cientes de que o tráfico de pessoas e de órgãos é da esfera policial federal, mas que compete ao município e ao Poder Legislativo alertar as pessoas sobre essa prática que é uma das mais cruéis violações dos princípios da dignidade e dos direitos humanos, a Câmara Municipal do Recife realizou audiência pública na manhã desta quinta-feira, 5, para debater o tema. Foi uma iniciativa conjunta dos vereadores Aline Mariano (PSDB), que preside a Comissão de Direitos Humanos da Casa de José Mariano, e Aerto Luna (PRP), com o objetivo de contribuir para dar visibilidade ao crime de tráfico, que já coloca o Brasil como um dos países onde ele é mais frequente. Pernambuco, precisamente o Recife, já é considerado uma das rotas do tráfico.

A audiência pública reuniu representantes de entidades da sociedade civil e instituições que trabalham no combate a esses crimes. Ela foi motivada por reportagem publicada no jornal Folha de Pernambuco, nos dias 16, 17 e 18 de março, denunciando um esquema de venda de rins para a África do Sul, no bairro de Jardim São Paulo, no Recife, através da internet. As comunidades virtuais e redes sociais, dizia a reportagem das jornalistas Karla Veloso e Priscilla Aguiar, estão sendo utilizadas para os anúncios de vendas. “Discutir o tráfico de pessoas e de órgãos é uma responsabilidade de todos. Por se tratar da violação dos princípios fundamentais dos Direitos Humanos, ele tem que ser combatido de forma compartilhada, incluindo a atuação do município na tentativa de reduzir a incidência dos casos, através de campanhas educativas e preventivas, além de ações integradas que envolvam secretarias estratégicas, além da sociedade civil  e entidades”, disse Aline Mariano.

 

De acordo com ela é possível correlacionar as modalidades dos dois crimes porque um deles advém da prática do outro. Traficar seres humanos, afirmou a vereadora,  pode ser compreendido como recrutar, transportar, alojar, transferir e acolher pessoas em situação de vulnerabilidade por meio de força, ameaça ou tipos de coação como o abuso da autoridade. Segundo levantamento feito pela sua assessoria, 90% dos traficados são mulheres e crianças e que o Brasil já é considerado pela ONU o maior fornecedor do mundo de mulheres e crianças. “De acordo com especialistas em segurança pública, o perfil das vítimas do tráfico de seres humanos é quase sempre o mesmo: pessoas que vivem em situação de pobreza. Iludidas pelo sonho do futuro promissor, elas são cooptadas pelo crime organizado gerando um lucro de R$ 12 bilhões ao ano para as quadrilhas”, observou.

 

O vereador Aerto Luna confirmou que a audiência pública foi realizada como forma de alertar a sociedade. “Como se trata de um crime que é difícil de se detectar, somente a informação terá a força de combatê-lo. Esclarecer a população é a nossa principal arma. Queremos que as pessoas saibam o que essa prática nociva representa tanto para a segurança pública quanto para a saúde. A eficiência no combate será maior de acordo com as denúncias que as pessoas possam fazer”, afirmou. Ele acrescentou que a falta de visibilidade dá a sensação de impunidade e que a realização da audiência está em sintonia com a Campanha da Fraternidade da Igreja Católica. O padre Hélio Nascimento, representante da Arquidiocese de Olinda e Recife na audiência pública, confirmou que a igreja quer refletir sobre o tráfico e combater o crime. “Portanto, é muito importante que a Câmara Municipal do Recife tenha promovido esta audiência’, defendeu o religioso.

A delegada titular da Delegacia de Capturas (Polinter), Beatriz Gibson de Santana, alertou que nos casos de tráfico de pessoas e de órgãos tanto o traficante quanto a pessoa cooptada estão praticando o mesmo crime. “É um crime tipificado no artigo 15 da lei 9434/97, que prevê a compra e a venda de pessoas e órgãos. As penalidades variam de acordo com o entendimento do juiz, que às vezes entende que o cooptado sofre duas vezes por ser vítima também”, disse. A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Seres Humanos de Pernambuco, Secretaria de Defesa Social, Jeanne Aguiar, disse que a SDS vem fazendo um trabalho preventivo de enfrentamento ao tráfico. “O problema que enfrentamos diante desse crime complexo, é a falta de pessoas que colaborem com a polícia. Sem a denúncia, fica difícil fazer o flagrante”, afirmou. As denúncias podem ser feitas pelos telefones 100 e 180.

O promotor Marco Aurélio Farias da Silva, coordenador das promotorias de Cidadania e de Direitos Humanos do Ministério Público de Pernambuco, disse que Pernambuco já é rota de imigrantes por causa dos grandes investimentos que vem recebendo. “As pessoas muitas vezes são seduzidas pela oportunidade de dar uma guinada na vida. E nem sempre isso ocorre. Quando chegam aqui são atraídas para a prostituição e para o trabalho escravo em outros lugares. O Estado serve apenas como base”, denunciou. Participaram, ainda, a coordenadora da Central de Transplantes de Pernambuco, Noemy Gomes; e a coordenadora do Centro Mulher Contra a Violência, Tânia Cristina. Alunos dos colégios Nossa Senhora de Lourdes, dos Aflitos,  e do Colégio João Paulo II, da Imbiribeira, lotaram o plenarinho da Câmara Municipal, participando dos debates.

 

 

Em 05.06.2014, às 12h21.