Câmara do Recife homenageia ex-presos políticos da ditadura militar
A vereadora Cida Pedrosa fez o primeiro discurso da solenidade. Ela contextualizou os anos de 1960, em que o mundo vivia a chamada “guerra fria”, polarizado entre o bloco capitalista capitaneado pelos Estados Unidos e o bloco comunista, que tinha à frente a extinta União Republicana Socialista Soviética. O Brasil sentia os reflexos desta polarização e de um lado acompanhava o crescimento de partidos de esquerda, a luta pela reforma agrária, as greves por melhores condições de trabalho, entre outros movimentos. E de outro, as forças reacionárias que se impuseram golpeando a democracia.
“No dia 31 de março deste ano completamos exatas seis décadas de um golpe militar que destruiu os sonhos de várias gerações”, destacou Cida Pedrosa. “Mas não foram só os sonhos que nos foi roubado, vilipendiado, exterminado. Nos tiraram a liberdade, inviabilizaram o futuro de uma nação. Assassinaram nossos filhos e filhas, companheiros, pais e mães”.
Além de tudo isso, disse ela, foi interrompida a construção de “uma nação forte, soberana, desenvolvida. Autodeterminada, com um caminho próprio. Mas, a covardia de uma elite racista e entreguista, somada a um contexto de dominação ideológica de boa parte da nossa classe média e forças armadas, sofremos um duro golpe, patrocinado pelos imperialistas norteamericanos”.
Cida Pedrosa discorreu sobre as consequências, as prisões, os assassinatos, as torturas a que foram submetidas as pessoas que resistiram ao “projeto autoritário, antinacional e antipovo”. Lamentou que tal processo “não aconteceu da noite para o dia. Foram anos, décadas de gestação desse plano maligno para destruir os anseios da maioria da nossa população”.
Ela relatou fatos marcantes da história brasileira e invocou a necessidade de reconta-los às novas gerações. “Precisamos fazer as pazes com a nossa história e contar para todos como ela, de fato, aconteceu. Memória e verdade são fundamentais para uma nação seguir seus caminhos”, afirmou. Entre falas emocionadas, Cida Pedrosa traçou um paralelo entre o passado e o 8 de janeiro de 2023, quando um grupo de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiu e depredou as sedes dos três Poderes, em Brasília.
Em seguida, a vereadora prestou homenagem a ex-presos políticos e a mortos e desaparecidos nos porões da ditadura. Enquanto fotos em preto e branco eram exibidas, foram anunciadas as biografias de todas essas pessoas e, algumas vezes familiares, outras sobreviventes, receberam um certificado e uma muda de cactos – uma planta forte e resistente. Também foi exibido um vídeo, narrado pela parlamentar, com imagens de presos políticos.
A partir de então, foram convidados à tribuna da Câmara do Recife ex-presos políticos e pessoas que vivenciaram os anos da ditadura militar no Brasil. A primeira a falar, foi a fundadora do Movimento Tortura Nunca Mais em Pernambuco, Amparo Araújo, que destacou as violações impostas por regimes ditatoriais no Brasil e na América Latina. Lembrou do sofrimento de nossos povos ancestrais, de povos africanos trazidos à força ao país. Disse que é preciso lembrar, “para que a gente tenha identidade e memória”.
Ela traçou um paralelo entre a força coercitiva do Estado antes e nos dias de hoje. Disse que há democracia e cidadania em bairros nobres da cidade e há a força bruta da polícia na periferia. “A ditadura que invade casas e bate em pessoas”, lamentou. Para ela, isso é o resultado da ausência de punição aos agentes da segurança que agem sem respeito à vida e a dignidade humana. “No Brasil, nunca foram punidos”. Por isso, destacou, é importante a retomada dos trabalhos da Comissão da Memória e da Verdade – suspensos pelo governo federal anterior.
Histórias de cada um - “Cada um tem uma história mais doída do que a outra”, disse Terezinha de Jesus Pereira da Silva ao iniciar o seu pronunciamento na solenidade. Ela é irmã do padre Antônio Henrique que foi sequestrado e morto em maio de 1969, no Recife. Ele era ligado a Dom Hélder Câmara e trabalhava junto à juventude estudantil. “É importante ter esses momentos para que a juventude de hoje - que não viveu e nem imagina o que foi a ditadura – possa tomar conhecimento do que aconteceu”, ressaltou.
Outro pronunciamento carregado de emoção, foi o do ex-vice prefeito da cidade, Luciano Siqueira. “Todos nós, em momentos como esses, temos sido convidados a revisitar 60 anos da história do Brasil” e lamentou que “as forças progressistas nunca venceram as forças reacionárias”. Narrou fatos desde a Proclamação da República até os dias de hoje, em que dedicou um tempo à análise do cenário político atual, aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. “É preciso ganhar as novas gerações ouvindo, aprendendo, discutindo para formar uma força inabalável em defesa da democracia”. Ele foi líder estudantil na década de 1960, quando cursava medicina na Universidade Federal de Pernambuco. Foi cassado dos seus direitos de estudante e, depois, já no Partido Comunista do Brasil, foi preso e torturado.
O poeta e ex-preso político Chico Assis contou com riqueza de detalhes fatos que marcaram o dia primeiro de abril de 1964. Lendo um texto de sua autoria, lembrou que era um jovem de 17 anos, saindo de um prédio da Avenida Guararapes, no centro da cidade. “O Recife já vivia a atmosfera do golpe”. Ele se juntou a uma passeata de estudantes que seguiam rumo ao Palácio do Campo das Princesas para dar apoio ao então governador Miguel Arraes. As rajadas de metralhadoras dos soldados cortaram o som do Hino Nacional entoado pelos estudantes. Foram mortos os jovens Jonas Albuquerque e Ivan Aguiar. O poeta Chico Assis foi preso por mais de nove anos.
O monge beneditino Marcelo Barros comparou os acontecimentos da ditadura militar a um terremoto e disse que o epicentro “desse terremoto que vivemos é a cultura da violência; a cultura do domínio sobre o outro; a cultura da iniquidade”. Ele lamentou que a fé “tem sido instrumentalizada de uma forma violenta” e propôs uma “revisão da religião como participante de momentos de convivência com a violência”. Destacou a importância do 12º Encontro Nacional de Fé e Política, que acontece esta semana em Belo Horizonte e o movimento Juventude e Espiritualidade Libertadora. “A fé tem que ser revolucionária”, salientou.
A solenidade também foi marcada pelos poemas “Remoendo” e “Poema das Bandeiras” recitados pelo ex-preso político Marcelo Mário Melo. Ele lembrou de diversos momentos, como a primeira greve de fome dos presos políticos do Brasil, que começou em um presídio de Itamaracá, no início dos anos 1970, bem como a força do movimento feminino pela anistia. O jornalista e poeta ingressou no PCB em 1961, aos 17 anos, quando começou a participar do movimento estudantil. Foi preso em 1971 e só posto em liberdade em 1979.
Ao finalizar a reunião solene, o vereador Eriberto Rafael, que presidiu o evento, recitou versos de Américo Machado, que sugerem que se escreva um texto com cada história ali contada e dê a ele o nome “Carta à Juventude, em defesa da democracia plena”.
Mortos e desaparecidos políticos homenageados na reunião solene:
Almir Custódio de Lima
Antônio Henrique Pereira da Silva Neto
Edgar de Aquino Duarte
Eduardo Collier Filho
Ezequias Bezerra da Rocha
Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira
João Lucas Alves
Jonas José de Albuquerque Barros
José Bartolomeu Rodrigues de Souza
Lourdes Maria Wanderley Pontes
Luiz José da Cunha
Manoel Lisboa de Moura
Odijas Carvalho de Souza
Ramires Maranhão do Valle
Ex-presos políticos homenageados na reunião solene:
Alanir Cardoso
Alberto Vinicius
Anibal Valença
Chico de Assis
Edival Nunes Cajá
Fernando Coelho
Fred Morris
Jose Adeildo Ribeiro
Jose Arlindo
Jose Calistrato Cardoso
Jose Edimilson Ribeiro
Jose Nivaldo
Luci Siqueira
Luciano Siqueira
Luiz Anastácio Momesso
Marcelo Barros
Marcelo Mario Melo
Roberto França
Romildo Maranhão do Valle
Socorro Abreu
Tadeu Lira
Clique aqui e assista a matéria do TV Câmara do Recife.
Em 03.04.2024