Câmara do Recife homenageia ex-presos políticos da ditadura militar de 1964

Ex-presos políticos da ditadura militar de 1964 foram homenageados em reunião solene realizada na tarde desta quarta-feira (3), na Câmara do Recife. O reconhecimento, de iniciativa da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB), tem como objetivo valorizar a resistência e a luta das pessoas que se opuseram ao regime militar de 1964, sofrendo prisões, torturas e diversas violações de direitos humanos em nome da liberdade, democracia e justiça social. "É momento de reflexão sobre a importância da preservação da memória histórica para assegurar que violações de direitos humanos não se repitam", disse. A solenidade foi presidida pelo vereador Eriberto Rafael (PSB).

Além dos vereadores, a mesa de honra da solenidade também foi composta pelo ex-vice-prefeito do Recife, ex-vereador e ex-preso político Luciano Siqueira; pelo reitor da Universidade Católica de Pernambuco, padre Pedro Rubens; pela secretária-executiva de Direitos Humanos do Recife, Elizabete Godinho; pela fundadora do Movimento Tortura Nunca Mais em Pernambuco, Amparo Araújo; pela professora da Universidade Federal de Pernambuco, Terezinha de Jesus Pereira da Silva, representando a família dos mortos e desaparecidos; e pelo teólogo e escritor monge Beneditino Marcelo Barros. 

Autora da solenidade, a vereadora Cida Pedrosa lembrou que no dia 31 de março completou-se 60 anos do golpe militar de 1964, período que "destruiu os sonhos de várias gerações, mas não foram só os sonhos que nos foram roubados". Ela afirmou que, além dos sonhos, a liberdade também foi tirada e o futuro da nação invisibilizado. "Assassinaram os nossos filhos, filhas, companheiros, pais, mães, filhos da pátria. Na década de 60 vivíamos um dos melhores momentos. Tínhamos uma singular oportunidade de construir uma nação forte. As condições estavam dadas. Nós tínhamos a possibilidade de construir um caminho próprio, de fazer a reforma agrária, a reforma urbana, de construir uma nação altaneira", pontuou. 

Segundo a parlamentar, "não foi um golpe militar, foi um golpe civil, militar e empresarial", e que foi bancado pela elite que, inclusive, instigou a classe média a defender uma revolução. "Que revolução? Fez o parte do povo acreditar nisso, e o nome disso é negar a história. É contar a história a partir da ótica daqueles que acham que venceram, mas não venceram", destacou. "Estamos num contexto de trevas. Parte do nosso povo resistiu, enfrentou, esperançou. Os movimentos se organizaram, mobilizando cada vez mais gente, conquistando corações na luta pela liberdade. Os estudantes foram ponta de lança, protagonistas, bateram de frente junto com artistas, trabalhadores, trabalhadoras, gente comum, e puxaram a greve geral, a passeata dos 100 mil. Mas a repressão escalou e quase todos os direitos civis foram cessados", lamentou.

Cida Pedrosa pontuou alguns fatos que aconteceram durante os 21 anos de ditadura militar e reforçou a importância de eles serem lembrados para que não se repitam. "Foram 21 anos de trevas, momento que não podemos deixar repetir, mas ainda lutamos por justiça e reparação”, destacou. Esta palavra não pode ser esquecida: reparação. Até hoje, a comissão de anistia não terminou o seu trabalho, não temos acesso aos arquivos da ditadura. Precisamos conhecer o nosso passado, reparar as perdas, punir os responsáveis. Precisamos de justiça. Para que outros 8 de janeiro de 2023 não aconteçam, precisamos passar a limpo o nosso passado distante e recente. No passado distante, a anistia cobriu torturadores e assassinos, e isso precisa ser revisto”, afirmou

“Assim, não podemos permitir anistia para os golpistas bolsonaristas que planejaram. Financiaram e executaram a intentona de 8 de janeiro, a união do nosso povo impediu mais um golpe de estado. Queremos cadeia para os golpistas. Precisamos fazer as pazes com a nossa história e contar para todos como ela, de fato, aconteceu. Memória e verdade são fundamentais para uma nação seguir os seus caminhos", disse. Cida Pedrosa finalizou o seu discurso recitando o epílogo do livro de poesia "Araras Vermelhas". Em seguida, a vereadora fez a entrega de um certificado de homenagem e de pequenos cactos aos homenageados que, segundo ela, representa "o renascimento da nossa coragem de lutar", e também foi exibido um vídeo sobre os 60 anos da ditadura militar de 1964.

Ao fazer as suas considerações, a fundadora do Movimento Tortura Nunca mais de Pernambuco, Amparo Araújo reforçou o direito que os familiares dos mortos e desaparecidos políticos têm de saber sobre os entes. "Somos como as avós da praça de maio, temos filhos, irmãos, pais e mães desaparecidos. Então, nós merecemos respeito. Merecemos ser recebidos pelo nosso presidente, que assumiu um compromisso de campanha de que assim que assumisse a presidência, iria reinstalar a comissão especial de mortos e desaparecidos. No entanto, um ano depois, ele pede que a gente esqueça, que a gente não se lembre mais desse passado tão doloroso, por conta do 8 de janeiro. Em janeiro eu tomei café da manhã e fui dar um cochilo. Quando acordei, estava acontecendo aquilo em Brasília. Por que acontece? Porque os militares nunca foram punidos. De uma forma ou de outra, desde a nossa independência, eles tramam golpes e mais golpes, sendo protagonistas ou estando por trás das articulações. Para que isso nunca mais aconteça, temos que exigir que seja reinstalada a comissão especial de mortos e desaparecidos". 

Por sua vez, representando a família dos mortos e desaparecidos, a professora aposentada Terezinha de Jesus Pereira falou da difícil missão em representar as famílias. "Cada um tem uma história mais doída do que a outra e, mesmo com esse lado trágico, é importante a gente ter essa comemoração para permanecer com essas informações para a juventude que está aqui, não vivenciou isso e nem imagina o que significa ter uma ditadura com esse tipo de poder de matar, de decidir. O problema não está somente aqui, a gente percebe que ele também está fora, em outros países que alimentam esse tipo de situação. Em nome da minha família e da família de todos os que estão aqui, eu agradeço que permaneçam com esse tipo de memória", disse. 

Emocionado, o ex-preso político e ex-vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira salientou que, para que possa ser dito 'Ditadura nunca mais', é preciso que as novas gerações saibam do que aconteceu verdadeiramente. "É preciso assegurar que nós estejamos cotidianamente na base da sociedade, ouvindo as pessoas, aprendendo com as novas gerações, discutindo a realidade de cada um e cada uma, para que possamos renovar a consciência política do nosso povo e formar uma força inabalável em defesa da democracia. Aqui, enquanto ouvia as falas, olhava os rostos de vocês e eu me emocionei muito. Cada um aqui tem uma história. Eu e muitos de vocês vivemos juntos essa história. As coisas vão acontecendo, nos emocionando, nos fazendo reviver situações do passado mas, sobretudo, nos animando, nos emocionando com a possibilidade de que as nossas bandeiras sejam erguidas pelas novas gerações. E que as novas gerações de lutadores e lutadoras do povo brasileiro possam, enfim, nos levar à emancipação dos trabalhadores". Após o discurso, o poeta e ex-preso político Chico Assis leu um texto de sua autoria sobre o golpe militar de 1964.

O monge Marcelo Barros também corroborou com a importância das novas gerações para que haja uma mudança política no Brasil. "A nossa tarefa aqui é de mudar, trabalhar esse epicentro do terremoto. A minha geração é uma geração de teólogos da libertação. Em 2014, houve um encontro internacional no Rio Grande do Sul, mas a média de idade era 65 anos e saímos de lá com a decisão de passar a bandeira para a geração jovem, e foi fundado o Movimento de Juventudes e Espiritualidades Libertadora (MEL), o que significa que a fé e a espiritualidade tem que ser revolucionária. E essa revolução é absoluta, radical. Não é meia revolução, ela é integral e acontece em todas as dimensões".

Em seguida, o poeta e ex-preso político Marcelo Mário Melo recitou uma poesia. Antes de finalizar a solenidade, o presidente Eriberto Rafael fez as suas considerações e convidou os presentes para, de pé, saudarem o hino do Recife. 

Homenageados e homenageadas: 

Alanir Cardoso

Alberto Vinicius

Anibal Valença

Chico de Assis

Edival Nunes Cajá

Fernando Coelho

Fred Morris

Jose Adeildo Ribeiro

Jose Arlindo

José Calistrato Cardoso

Jose Edimilson Ribeiro

José Nivaldo

Luci Siqueira

Luciano Siqueira

Luiz Anastácio Momesso

Marcelo Barros

Marcelo Mario Melo

Roberto França

Romildo  Maranhão do Valle

Socorro Abreu

Tadeu Lira

Homenageados e homenageadas representados:

Almir Custódio de Lima

Antônio Henrique Pereira da Silva Neto

Edgar de Aquino Duarte

Eduardo Collier Filho

Ezequias Bezerra da Rocha 

Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira

João Lucas Alves

Jonas José de Albuquerque Barros

José Bartolomeu Rodrigues de Souza

Lourdes Maria Wanderley Pontes 

Luiz José da Cunha

Manoel Lisboa de Moura

Odijas Carvalho de Souza

Ramires Maranhão do Valle

Clique aqui e confira a reunião solene na íntegra. 

Em 03.04.2024.