Audiência pública discute mortalidade materna no Recife

No Dia Nacional da Redução da Mortalidade Materna, celebrado nesta terça-feira (28), a Câmara do Recife promoveu uma audiência pública sobre o tema. O debate, que ocorreu no plenarinho da Casa por iniciativa do vereador Ivan Moraes (PSOL), tratou das taxas atuais da capital pernambucana e das demandas da sociedade por melhorias na saúde no período que envolve a gestação e o puerpério.

Ao dar início à audiência, Moraes explicou que a Razão de Morte Materna (RMM) no Recife possui níveis considerados altos, conforme o padrão estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O cálculo é definido pela proporção de nascidos vivos e mortes maternas no ciclo de tempo entre a gestação e um número de dias após o parto que pode variar entre 42 e cem dias. Os cálculos da Prefeitura do Recife levam em conta esse último valor.

“Pelo menos desde que eu me tornei vereador desta Casa, em 2017, os índices desse RMM estão bem acima do que preconiza como aceitável a Organização Mundial da Saúde. A gente chegou a pegar 90, 95, beirando os cem. Em 2020, chegamos a 148,5 por cem mil nascidos vivos”, disse o parlamentar. “Esse é um número limítrofe dentro do que a OMS já considera muito alto. Muito alto é até 150. A gente estava em 148,5 em 2020, durante a pandemia da covid-19. É importante dizer que o Brasil foi um grande destaque de morte materna durante a pandemia de covid”.

O Poder Executivo municipal foi representado na audiência por sua secretária-executiva de Atenção Básica, Juliana Martins. No evento, ela apresentou os dados que indicam os problemas enfrentados localmente e as ações que foram tomadas para reverter o quadro atual de mortalidade materna.

Segundo Martins, a RMM do Recife passou por variações desde o início de uma série histórica que se inicia em 2001, quando houve 39,8 mortes maternas por cem mil nascidos vivos. Houve períodos de baixa, como 2019 (52) e de forte alta, como 2020 (148,3). Em 2023, o número ficou em 136,3, ante o patamar de 57,8 registrado em 2022.

Para a secretária-executiva, um dos fatores que têm feito os números permanecerem altos é a diminuição da taxa de natalidade. “A gente sai de 2001, com cerca de 25 mil nascidos vivos/ano e, agora, em 2023, a gente está em torno de 16 mil. Do ponto de vista estatístico, isso acaba influenciando no cálculo da razão de mortalidade materna, porque cada óbito vai estar pesando mais ou menos”.

Ainda de acordo com os dados apresentados pela secretária, o aumento dos casos entre 2022 e 2023 foi maior nos distritos sanitários II e V. Nos dois anos, as principais vítimas são as mulheres pretas e pardas, que concentram cerca de 90% da mortalidade. Em 2023, os óbitos ocorreram predominantemente na faixa etária que compreende os 20 e os 29 anos.

No ano passado, a grande diferença foram os números de óbitos ocorridos durante a gestação, que ficaram na faixa de 14,3 – em 2022, o índice havia sido zero. A série histórica demonstra que a maior parte das causas dos óbitos foi classificada como evitável.

A respeito do que está sendo feito para diminuir o problema, Juliana Martins afirmou que há ações produzidas tanto na atenção básica quanto na média e alta complexidade. “Do ponto de vista da atenção básica, a gente está trabalhando em três eixos grandes: o primeiro, a ampliação do acesso; o segundo, a qualificação profissional; e o aumento da oferta de métodos contraceptivos seria o terceiro”.

Dentre as ações da atenção básica, estão os esforços para aumentar a cobertura da estratégia de saúde da família de 59,6% para 75,8%, a diminuição do número de pessoas atendidas por equipe para qualificar a atenção ofertada, o processo de implementação de horário estendido de atendimento. Também foram mencionadas iniciativas como o canal de teleconsulta Atende Gestante, a realização do Fórum Anual Perinatal, o treinamento das equipes e a ampliação dos espaços Mãe Coruja.

Já na atenção especializada, a Prefeitura afirma ter executado, no biênio 2023-2024, ações como a seleção de gestores para todas as unidades ambulatoriais e hospitalares da rede materno-infantil do município, melhorias nos protocolos de controle de infecção hospitalar, implementações de prontuário eletrônico e a requalificação de salas de apoio de trabalhadoras que amamentam.

A audiência contou com a participação de integrantes de diversos segmentos públicos e sociais. Compuseram a mesa de debates a representante do Comitê Municipal de Morte Materna, Paula Viana; representante do Comitê Estadual de Morte Materna, Sandra Valongueiro; a promotora do Ministério Público de Pernambuco, Helena Capela; a representante da Frente pela Legalização do Aborto, Talita Rodrigues; a representante da Rede Feminista de Ginecologistas, Leila Katz; e a deputada estadual Dani Portela (PSOL).

De acordo com Paula Viana, um dos grandes desafios da capital é a chamada morte materna obstétrica indireta – isto é, aquela que ocorre por causas que não estão diretamente ligadas à própria gestação, mas podem ter sido agravadas por ela. “É o que está pegando aqui no Recife. A gente mudou o padrão. A gente tinha muito mais mortes relacionadas à assistência diretamente, às questões diretamente envolvidas na gestação e no parto, para ter mortes que são resultados de doenças prévias, ou que se desenvolveram durante a gravidez, que foram agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez”.

A representante do Comitê Municipal frisou a relevância do debate sobre questões ligadas aos direitos humanos que envolvem a gestação, como o direito ao aborto e a proteção contra a violência obstétrica, e refletiu sobre os problemas sociais e de gestão pública relacionados à mortalidade materna. “A morte materna é um alerta quanto aos impactos da realidade socioeconômica na saúde e vida das mulheres e pessoas que podem gestar, e nos revela, também, a situação da qualidade da atenção integral à saúde da mulher. Ou seja, [se] uma mulher morre é porque toda a rede, todo o sistema está falho. Inclusive, porque saúde materna é uma área que recebe mais recursos proporcionalmente a outras áreas”.

Ao final do evento, o vereador Ivan Moraes compilou as demandas e problemas apresentados na audiência e que se relacionam com o tema da morte materna. Os encaminhamentos devem se tornar requerimentos a serem apreciados pelo plenário da Câmara do Recife e trazem pontos que vão desde solicitações materiais, como a instalação de elevador na Maternidade Barros Lima e a implementação de um serviço de ultrassonografia 24 horas no município, ao cumprimento ou alteração de protocolos que envolvem a questão da violência obstétrica e a conscientização sobre contraceptivos.

Para algumas das questões apresentadas, a secretária-executiva Juliana Martins adiantou o posicionamento do Poder Executivo. É o caso do pedido por testes rápidos de gravidez em todas as unidades (que se encontra em processo de compra e deve chegar ao público em cerca de seis meses) e a sugestão para a substituição da política de saúde materna pela política de saúde reprodutiva, assunto que deve ganhar um Grupo de Trabalho em breve. 

Clique aqui e assista a matéria do TV Câmara do Recife.

Em 28.05.2024