Audiência pública põe em debate a comunicação na cidade do Recife

Investimento em comunicação popular e comunitária, foco em campanhas educativas, participação social nos equipamentos públicos de comunicação. Esses são alguns instrumentos possíveis das políticas de comunicação, que foram tema de uma audiência pública promovida na Câmara Municipal nesta terça-feira (21), por iniciativa do vereador Ivan Moraes (PSOL). O evento reuniu membros de coletivos de comunicação, ativistas e representantes da Prefeitura do Recife.

Ao dar início ao debate, Moraes apresentou uma cartilha sobre direito à comunicação e lembrou que o seu mandato realiza audiências públicas anuais para analisar os gastos do Poder Executivo com comunicação e fomentar a discussão sobre as políticas públicas na área. Todavia, tanto no Recife quanto em outros municípios do país, o direito à comunicação é frequentemente negligenciado.

“Não existe nenhuma Prefeitura que nós conheçamos que seja um grande exemplo de garantia do direito à comunicação”, disse. “A gente se acostumou a demandar políticas públicas que têm origem no Governo Federal e tem sido muito fácil para as gestões municipais, uma atrás da outra, dizerem que isso não é com elas”.

Para o vereador, mesmo a União tem falhado em construir a sua parte da política de comunicação, mas que a situação nos municípios é ainda mais grave. “A gente entende que a tarefa da Prefeitura é a formação de jovens comunicadores e comunicadoras, a criação de núcleos de comunicação nos territórios – inclusive o financiamento, que é dever do poder público, da mídia popular comunitária independente”.

No Recife, de acordo com o parlamentar, a Prefeitura ainda “engatinha” quando o assunto é direito à comunicação. “A gente tem dificuldade de ver a execução orçamentária da Rádio Frei Caneca, porque ela não tem uma dotação orçamentária própria. A gente não tem canais de televisão além da TV Conecta, mas a gente ainda tem dificuldade em entender onde a TV Conecta se localiza dentro de uma pretensa política pública de comunicação”.

No evento, o servidor João Pedro Simões detalhou um estudo produzido pelo mandato de Ivan Moraes sobre os gastos em comunicação da Prefeitura em 2023. No ano passado, o Executivo gastou R$ 71,9 milhões, um salto em relação a anos anteriores pesquisados – a pesquisa analisou os recursos utilizados desde 2019. Em 2022, por exemplo, os gastos foram de R$ 51,8 milhões, o maior da série histórica até então.

Segundo o estudo, a forma como o dinheiro foi utilizado reflete as críticas de Moraes ao fato de os recursos serem majoritariamente destinado a veículos tradicionais de mídia. Os gastos com publicidade institucional chegaram a 55% do total em 2023, enquanto as campanhas educativas ficaram em 45%. Dentre as subcontratadas, a TV Globo levou a maior fatia unitária dos gastos, com 14%. A Space Mídia, uma empresa que lida com espaços de anúncios no meio digital, ficou em segundo lugar, com 7% dos recursos.

Uma das participantes da mesa da audiência, a representante do Coletivo Intervozes, Nataly Queiroz, afirmou existirem duas razões pelas quais “cidades precisam de uma política de comunicação democrática, construída com participação ativa da sociedade civil”. “Primeiro: cidades que vivenciam processos de extrema de desigualdade social precisam de espaços de comunicação em que, realmente, a sociedade civil e a população possam garantir a visibilidade dos corpos, das pessoas, dos sujeitos e das suas pautas. Para garantir o acesso à informação, e uma informação que venha também direcionada aquilo que são os anseios e as necessidades da população. E para garantir a incidência política, a disputa de narrativas, a disputa por um projeto de sociedade que seja justo, que seja popular”.

O segundo motivo, que afeta em especial cidades como o Recife, é a questão climática. “A injustiça climática se vincula diretamente com o direito à comunicação. Uma comunicação adequada pode prevenir, pode educar, pode mobilizar. E, mais do que isso, pode enfrentar alguns discursos do capitalismo verde, que tem ocupado boa parte das páginas dos veículos de comunicação comerciais e que são pró grandes empreendimentos”.

A gerente orçamentária e financeira da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, Aline Oliveira, tratou dos avanços que têm sido produzidos na Rádio Frei Caneca. Ela disse que o município progrediu desde o lançamento do primeiro edital de ocupação do equipamento, que havia sido lançado em 2019, prevendo R$ 250 mil em recursos. “[Neste] sábado agora, nós lançamos mais um edital de ocupação, com um valor recorde, que foi de R$ 558 mil. Em quatro anos, mais que dobramos o valor do edital de ocupação da rádio. 

Ela também informou que a Fundação investiu na reforma da estrutura da rádio, com melhorias na sua acessibilidade, e anunciou a aquisição do transmissor da Frei Caneca. “Sabemos que ainda temos muito a conquistar. Sabemos que esses recursos ainda são insuficientes para a grande demanda que a gente tem, mas não podemos negar o avanço que tivemos nesses últimos quatro anos”.

O representante da chefia de Gabinete de Imprensa da Cidade do Recife, José Accioly, frisou que a TV Conecta é um equipamento focado na prestação de serviços, mas também com atuação nas áreas de cultura e lazer, como a transmissão da programação do Carnaval do Recife. “A TV Conecta nasceu no ano passado nesse anseio da gestão municipal empoderar e engajar a sociedade em torno de informações e pauta que têm relevância para a geração de serviços públicos. Ela faz parte de um processo de transformação digital da Prefeitura, que se alia à plataforma Conecta Recife, e oferece uma série de serviços, desde informar sobre saúde, educação, proteção no morro, empregabilidade, e divulgar ações que a Prefeitura venha oferecendo a cunho gratuito para a população”.

O gerente-geral de Projetos de Comunicação da Prefeitura, Rodrigo Pimenta, pontuou que há uma destaque da informação educativa nas ações de comunicação da Prefeitura. Pimenta fez uma análise, ainda, sobre a importância do debate com o Poder Legislativo e sobre as responsabilidades de cada ente federativo em relação à comunicação. 

“É com esse diálogo do Executivo com o Legislativo que a gente consegue, obviamente, ampliar esses espaços e refletir. Por exemplo, da reflexão que a gente teve aqui no ano passado, muitas coisas fizeram com que a gente dissesse que temos que repensar alguns elementos ou ressaltar alguns aspectos”, disse. “Existe comunicação comunitária dentro da Prefeitura, em termos. Mas ela tem que ser ampliada. A gente tem que discutir isso dentro de uma grande perspectiva federativa, porque a União reservou para si uma grande quantidade de poder de separação, concessão, entrega desses instrumentos que são os veículos de comunicação”.

Também participaram da mesa de debates o vereador Zé Neto (PSB); a deputada estadual Dani Portela (PSOL); a representante do Mapa da Mídia Independente, Martihene Oliveira; a representante da Énóis Laboratório do Jornalismo, Helena Dias; o representante do Canal Redes do Beberibe, Victor Moura; e a professora da Universidade Católica de Pernambuco, Andrea Trigueiro. Pessoas presentes no plenarinho também tiveram direito à fala durante a audiência.

Ao final do evento, o vereador Ivan Moraes frisou algumas de suas propostas elaboradas no contexto do estudo sobre os gastos da Prefeitura com comunicação. O parlamentar afirmou que irá apresentar requerimentos sobre os itens, sugerindo ao Poder Executivo fortalecer a rádio Frei Caneca, dar privilégio às campanhas educativas em relação à propaganda institucional, destinar recursos para veículos de comunicação populares e comunitários, elaborar um Plano Municipal de Direito à Comunicação, criar Núcleos Comunitários de Comunicação, e garantir maior participação social na TV Conecta Recife. Uma proposta feita em meio ao debate na audiência – indicar a promoção de concursos públicos para os quadros dos equipamentos públicos municipais de comunicação – também foi acatada como encaminhamento pelo parlamentar.

Clique aqui e assista a matéria do TV Câmara do Recife.

Em 21.05.2024