Alimentos gravídicos são debatidos em audiência pública

Os alimentos gravídicos disciplinados na lei nº 11.804/08 foram debatidos em audiência pública na Câmara Municipal do Recife, numa iniciativa da vereadora Liana Cirne (PT), na manhã desta quinta-feira (9). Os alimentos gravídicos são prestações necessárias para as despesas decorrentes do período da gravidez, compreendendo os valores desde a concepção ao parto. Sociedade civil, Ministério Público e entidades representativas estiveram presentes no evento.

Segundo Liana Cirne, é por meio da ação de alimentos gravídicos que a mulher gestante pode requerer a fixação mensal dos alimentos que a auxilie a cobrir despesas adicionais do período de gravidez, tais como, alimentação, assistência médica e psicológica, exames, internações, medicamentos e parto.

“O problema de se falar em mãe solo é que as pessoas, às vezes, glamourizam e acham que é uma coisa da moda, que é uma escolha da mulher quando essa não representa a realidade da maioria dos lares das famílias monoparentais chefiadas por mulheres. Há, ainda, o abandono, inclusive afetivo. Então, tem que ter sempre esse cuidado de não glamourizar uma expressão como se fosse o resultado de uma escolha. Quando, na verdade, quase sempre é o resultado de uma imposição em relação à qual a mulher não teve participação”.

Marli Márcia da Silva, presidenta da Associação de Mães Solteiras de Pernambuco (APEMAS), disse que são 33 anos de luta, a idade do filho, citou ações da Associação e sugeriu um debate com o prefeito João Campos. “Iniciei o trabalho no bairro de Torrões, ouvindo as mulheres. O DNA gratuito, que existe até hoje, é fruto de nossa luta. Idealizamos a primeira campanha de paternidade em Pernambuco (Paternidade Voluntário). Foram 1700 pais em uma semana em Recife, Jaboatão e Olinda. Seria muito falar com o prefeito para ver a possibilidade de existir algum setor dentro da Prefeitura voltado para a paternidade porque é uma violência o que nós passamos. Uma vida inteira sofrendo para criar um filho”.

Catarina Oliveira, ex-vice presidenta do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), explicou que poderia haver uma responsabilização não pecuniária. “Quem consegue pagar sua reponsabilidade no Brasil pobre? Então, eu refleti sobre uma possibilidade de responsabilizar sem dinheiro. Uma indenização não pecuniária. Pode-se criar um mecanismo de responsabilização não pecuniária. No Direito Penal não tem as penas alternativas? Então, vamos criar mecanismos não pecuniários de responsabilização. Não estou falando em pena, mas em castigo civil, nesse sentido mais amplo de responsabilizar, e criar uma cultura. Ao mesmo tempo sair da bolha e ir para a vida real.  A gente precisa ir aonde tem vida de verdade, nas necessidades reais para entender além do que está nos livros”.

Fabrício Lima, Defensor Público de Pernambuco, ressaltou as ações desenvolvidas pelo órgão e afirmou que é preciso um mecanismo mais célere em relação aos processos de alimentos gravídicos. “Hoje, nós temos aqui um ambiente que recebe, que acolhe com dignidade os agendamentos. Inclusive, podem ser feitos de forma virtual e a Defensoria tem tido condições, ao longo dos anos, de melhorar e aprimorar a nossa estrutura para que tudo isso possa ocorrer da melhor forma possível. Hoje, o exame de DNA naqueles casos em que o pai suscita a dúvida e quer realmente proceder com a realização do exame, é gratuito. Gratuito com apoio não só da Defensoria Pública, mas também do poder legislativo estadual, por meio de emendas parlamentares, tem dado toda a condição para que esse exame possa ocorrer. Sobre processos de alimentos gravídicos, o que chama atenção, enquanto Defensoria Pública, é justamente a demora para que essa demanda possa ser apreciada. Não temos luz que atine para aquele processo ser prioritário. Precisamos chamar o Poder Judiciário para que esses direitos dos alimentos gravídicos recebam um mecanismo mais efetivo. A partir do dia 1º de julho, as demandas de alimentos gravídicos, no âmbito da Defensoria Pública da capital, irão ser atendidas no mesmo dia com a celeridade que a lei exige”.

Luciana Alburquerque, Promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Apoio à Mulher (NAM) do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), disse que era importante pensar em mecanismos sobre quando a mãe tiver dúvidas sobre de quem é pai. Ela também citou projetos futuros envolvendo a parentalidade. “Seria interessante já entrar indicando os nomes dos dois pais dividindo já os alimentos. Temos que pensar não no prejuízo que um deles vai ter, mas no prejuízo daquele nascituro que não recebeu os alimentos. Isso é o princípio do melhor interesse da criança. É um princípio constitucional. Nós trabalhamos no Núcleo de Apoio à Mulher (NAM) com grupos reflexivos masculinos e nos próximos dois projetos serão o grupo de masculinidade tóxica nas escolas e um grupo de parentalidade”.

 A juíza Luciana Marinho, que integra a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), ressaltou que existe, ainda, uma sociedade de base legisladora muito machista e confessou estar emocionada por participar da audiência pública. “A audiência pública dá uma emoção imensa porque como é que a gente podia imaginar, junto com Marli 20 anos atrás, que conseguiríamos mobilizar tantas pessoas importantes, cheias de ideias e de entusiasmo para trabalhar nessa luta tão solitária? Era muito preconceito. Sobre as propostas legislativas que poderiam ajudar, elas são importante, mas vão sofrer muitos obstáculos porque nós temos um legislador muito machista. A mulher tem apenas um período fértil, o homem é fértil o tempo inteiro, e continuam querendo esterilizar a mulher dando a responsabilidade pela maternidade. Há um grande atraso no desenvolvimento do anticoncepcional masculino”.

Kaline Monte, professora de Direito Civil da Universo, considerou o momento valoroso de discussão e pontuou ser essencial um maior esclarecimento sobre os alimentos gravídicos. “Essa audiência pública não é meramente palavras que a gente está falando, do que a gente pensa, do que a gente acha. Ela já está pontuando no papel o que vai ser feito, então isso é maravilhoso. É algo que a gente vê que temos, realmente, representantes da sociedade fazendo o seu papel. Na faculdade, nós temos um núcleo de prática jurídica que atende pessoas carentes e já tivemos ideia de fazer um convênio ou parceria com a Defensoria pública para auxiliar nesse primeiro atendimento. Há a desinformação porque a sociedade não conhece os alimentos gravídicos. Tem pessoas que não sabem nem que existem, nem que têm esse direito. Sabemos dessa morosidade do processo judicial e a questão do estigma social porque uma mãe solo que teve esses relacionamentos casuais, com idas e vindas, quando vai em busca desse direito atrás desse pai. As pessoas já falam que está querendo alguma vantagem”

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Em 09.05.2024