Audiência pública debate convocação de aprovados em concurso da Saúde

Em 2019, a Prefeitura do Recife realizou um concurso para 698 cargos da área da saúde nos níveis médio, técnico e superior. No entanto, com as limitações de gastos públicos advindas da lei complementar do Programa Federativo de Enfrentamento à covid-19, muitas dessas nomeações foram paralisadas. Para tratar do assunto, a Câmara do Recife promoveu uma audiência pública virtual com profissionais e membros do Poder Executivo municipal. O evento foi requerido pela vereadora Dani Portela (PSOL) e pelo vereador Ivan Moraes (PSOL).

A lei complementar 173/2020 vedou a nomeação de servidores efetivos até 31 de dezembro de 2021 – exceto em casos de vacância, ou seja, para o preenchimento de cargos que já eram ocupados por servidores que se aposentaram, faleceram ou foram exonerados. Durante a audiência, foi discutida a necessidade de provimentos em diversas áreas, mesmo antes da pandemia. Os participantes apontaram deficiências de gestão e cobraram informações sobre as situações de vacância em setores como enfermagem, terapia ocupacional, odontologia e, especialmente, no caso dos Agente de Saúde Ambiental e Controle de Endemias (Asaces).

Ao dar início à audiência, Ivan Moraes explicou seus objetivos. “Esta tem sido uma demanda de vários segmentos da saúde. E que tem, durante este momento de pandemia da covid-19, percebido a necessidade de a Prefeitura realizar as contratações das pessoas que já foram concursadas. Uma audiência pública não é uma conversa. É um momento oficial, em que o parlamento convoca a Prefeitura para, ouvindo a sociedade civil, conseguirmos encaminhamentos e compromissos”.

Dani Portela deu um contexto sobre a situação da gestão de saúde no Recife e no Brasil. A parlamentar teceu críticas contra os cortes de gastos promovidos pelo Governo Federal e lembrou a importância dos agentes de endemias na capital pernambucana, que enfrenta problemas com arboviroses como zika e chikungunya.

“Queremos saber quando serão apresentadas informações acerca da quantidade de cargos estipuladas pela Prefeitura do Recife, através da lei municipal 18.663/2019, para cada área de saúde prevista no edital. Esses cargos já deveriam estar sendo ocupados por médicos e médicas, assistentes sociais, técnicos de enfermagem, agentes de endemias, e demais profissões”, afirmou a parlamentar. “A consequência disso é o que a população tem sentido: uma atenção básica de saúde que tem sido deficitária. A população mais afetada tem classe, raça e gênero. É justamente a população periférica da nossa cidade que é a mais afetada com a ausência do estado”.

O vereador Tadeu Calheiros (Podemos) lembrou que os desafios da rede de saúde precedem a pandemia de covid-19 e acrescentou que ela vai precisar de reforço quando ela passar. “Como médico do SUS, posso dizer com propriedade que em todos os hospitais da Prefeitura paga-se empenho. Não é nem contrato temporário”, exemplificou. “E, em um momento em que precisamos ensinar a população a viver o novo normal, diminuímos os pontos itinerantes de enfrentamento à covid que tínhamos no ano passado. Os agentes de endemia são fundamentais e querem trabalhar. Temos requerimentos de muitos vereadores pela nomeação dos concursados. A demanda não vai diminuir. No pós-pandemia, vamos ter que trabalhar com sequelas, com reabilitação, e com educação continuada”.

A vereadora Liana Cirne (PT) disse esperar que a Prefeitura tome uma atitude após a audiência. “No contexto em que estamos vivendo, não deveria ser necessário que se tivesse que fazer uma audiência pública para requerer à Prefeitura a nomeação desses profissionais que já foram aprovados em concurso. Mas sou otimista e acredito que, com essa audiência e com todos os requerimentos que foram aprovados pela Câmara Municipal, a Prefeitura possa dar andamento às nomeações em prazo breve. Estamos falando de uma demanda coletiva do Recife e de profissionais cuja carência é notória”.

Como representante dos concursados e concursadas para o cargo de Agente de Saúde Ambiental e Combate às Endemias, Bruno Henrique Rodrigues fez questionamentos sobre a quantidade de cargos vagos no quadro efetivo da Prefeitura. “O agente, além de fazer o combate, é importante na educação. Uma população que tem educação, mesmo sem um saneamento básico adequado, sabe se prevenir e corrigir algumas coisas. O efetivo está sobrecarregado. Existem muitas áreas descobertas”.

O representante do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemia (SINDACS/PE), Graciliano Gama, disse que a categoria trabalha para dotar o município com recursos suficientes para a contratação. “O SINDACS já apresentou ofícios solicitando à Prefeitura respostas sobre a vacância. Estamos em Brasília fazendo a nossa parte, tentando fazer com que os recursos do nível nacional cheguem e a Prefeitura não tenha tantos impedimentos na parte financeira da nomeação. Temos um piso salarial que é custeado pelo Governo Federal. Diferente de qualquer outra categoria, a gente já consegue uma contrapartida”.

Do Sindicato Profissional dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem de Pernambuco (Satenpe), Benedito Gomes Filho disse que a falta de servidores efetivos faz as condições de trabalho e atendimento da rede de saúde piorarem. “Temos a intenção de continuar negociando com a gestão da Prefeitura para desprecarizar os vínculos. Existe um número de plantonistas que precisam ser renovados. Os plantões extras têm prejudicado a assistência na área de enfermagem. Temos poucos trabalhadores e a gestão tem dito o tempo todo que não se pode contratar por causa da lei complementar 173. Mas precisamos encontrar uma solução viável para que os auxiliares técnicos tenham um vínculo melhor”.

Membro do Conselho Municipal de Saúde do Recife, Fábia Andrade disse que, no caso dos agentes de endemias, há um número considerável de cargos vacantes que aguardam preenchimento. “Hoje, se a gente chamar 300 agentes de combate às endemias para atuar em campo ainda vão ter áreas descobertas. Além da pandemia, tem que estar todo mundo em casa. E aí tem a questão da Compesa, que não coloca água, e as pessoas têm que armazena. Com isso, vêm as arboviroses. Os agentes de combate às endemias têm que estar na linha de frente, fazendo as visitas domiciliares para estar vigilantes quanto a isso”.

Coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça em Defesa da Saúde (Caop) do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), o promotor de justiça Édipo Soares falou sobre a importância dos servidores efetivos para a solidez do Sistema Único de Saúde. “Da minha parte, que é a defesa da saúde, reforço o fortalecimento das carreiras do Sistema da Saúde, que é fundamental para termos um SUS de qualidade. Reforço a necessidade desses profissionais não só para a covid, mas para qualquer outro agravo de saúde. Reforço o trabalho que precisa ser desenvolvido”.

Procuradora de justiça do MPPE, Lucila Varejão explicou as restrições impostas pela lei complementar 173/2020 e fez um alerta a respeito da validade do concurso promovido pela Prefeitura em 2019. “Um ponto que é extremamente importante é a suspensão do prazo de validade do concurso atual. Essa suspensão também está prevista na legislação complementar 173. Ela visa fazer com que aqueles que fizeram o concurso e foram aprovados não percam o seu direito. Mas essa situação deve ser regulamentada por cada ente púnlico. O município precisa se pronunciar acerca da suspensão para que essa garantia ocorra”.

De acordo com o gerente geral de política de pessoal da Secretaria de Planejamento Gestão e Transformação Digital do Recife, Bruno Carneiro, a suspensão do prazo já foi feita pela Prefeitura. Ele salientou, também, que até 31 de dezembro a Prefeitura só pode fazer o provimento efetivo em cargos vacantes que já eram ocupados por servidores que deixaram o quadro do município. “Sabemos que existem cargos que foram criados por lei. Existem cargos vagos, mas eles nunca foram ocupados e, por isso, não podemos repor. É um impedimento legal, não é uma vontade da Prefeitura”.

Na audiência, a secretária-executiva de Saúde do Recife, Andreza Barkokebas, informou que a Prefeitura autorizou a contratação, por tempo determinado, de 1300 trabalhadores por tempo determinado, por conta das restrições da lei complementar 173/2020. “Os contratos por tempo determinado não vão prejudicar os profissionais concursados. Esses contratos, inclusive, estão utilizando os profissionais do concurso, pela ordem de classificação”.

De acordo com ela, a gestão municipal deseja a contratação dos candidatos aprovados em concurso. “Temos uma rede complexa e densa, que vem se qualificando esse fortalecendo cada vez mais. Tanto a gestão quanto os profissionais de saúde estão do mesmo lado. A Prefeitura tem total interesse em que esses profissionais se tornem efetivos, porque a nossa rede precisa. Por isso que foi feito o concurso público. Nós queremos a parceria”.

Quanto aos agentes de endemia, Barkokebas afirmou que, para o provimento dos 201 cargos vacantes na área, é preciso que os candidatos aprovados passem por um curso de formação que faz parte do processo seletivo. O curso, que estava previsto para acontecer no ano passado, deve acontecer neste ano de forma virtual, com 150 participantes. “A gente está trabalhando na perspectiva de retomar o curso introdutório para que haja a homologação do concurso dos Agente de Saúde Ambiental e Controle de Endemias. Esse curso não foi viabilizado no ano passado devido à pandemia. Vamos retomá-lo para que ele componha a nota e finalmente homologar esse concurso para substituir esses profissionais até 31 de dezembro”.

Além dos componentes da mesa virtual da audiência, o evento contou com a contribuição de membros da sociedade e de espectadores que enviaram perguntas remotamente. Ao fim dos debates, foram firmados encaminhamentos que envolveram tanto soluções a casos específicos do público, como de questões apresentadas pela mesa.

Os compromissos acordados envolvem respostas a pedidos de informação sobre o número de cargos com vacância, um cronograma de nomeações de servidores, a avaliação da necessidade de contratações temporárias, e um prazo para a realização do curso dos agentes de endemias, que deve ocorrer ainda no primeiro semestre deste ano.

Em 15.04.2021, às 14h31