Audiência pública debate políticas para pessoas em vulnerabilidade social e em situação de rua

A pandemia de covid-19 aprofundou as mazelas socioeconômicas do Brasil e afetou, principalmente, pessoas em vulnerabilidade social e em situação de rua. Para discutir esse tema, a Câmara do Recife promoveu uma audiência pública nesta quarta-feira (28), de forma virtual. A iniciativa do debate partiu do vereador Marco Aurélio Filho (PRTB).

“É motivo de muita alegria reunir pessoas que entendem dessa pauta, que é essencial para o Recife. A nossa intenção é fazer uma audiência propositiva, com quem vivencia isso. A participação da Câmara tem sido fundamental neste momento. Procuramos fazer a interlocução entre quem sente na pele o problema e o Executivo, levando alternativas”, afirmou o vereador ao dar início à audiência. Ele falou sobre a importância de aplicar a Política Nacional para a População em Situação de Rua – o que, segundo ele, tem sido uma preocupação do Executivo municipal.  “A Prefeitura vem se esforçando para cumprir o decreto nº 7.053/2009, que é um marco para o nosso país. O debate sempre acontece, mas o que buscamos saber é o encaminhamento, o que vamos fazer”.

Diversos parlamentares participaram da discussão. Dentre eles, estava a vereadora Michele Collins (PP), que enfatizou a necessidade de fornecer abrigamento e tratar com dignidade pessoas em situação de rua. “Estamos aqui para somar, para fortalecer esse cuidado com essas pessoas. E dar voz e vez a elas, que muitas vezes são invisibilizadas. Elas vivem na rua tentando sobreviver, e muitas vezes esquecem até de sua cidadania. A nossa ajuda é no sentido de dizer que elas têm o mesmo direito que eu tenho a saúde, educação”.

O vereador Alcides Cardoso (DEM) também frisou a importância do abrigamento e disse que é preciso ofertar, ainda, serviços de capacitação. “Temos a Arena Pernambuco, temos o Geraldão, o Centro de Convenções. E podemos fazer não só abrigos, mas oficinas e treinamentos para as pessoas se capacitarem, sair de lá preparados para sair de lá fazendo alguma coisa”.

Paulo Muniz (SD) direcionou perguntas aos representantes do Executivo presentes na audiência. “A Prefeitura tem um censo? Ela tem essa noção de quantas pessoas estão na rua para a gente ter uim diagnóstico e tomar medidas concretas? A desordem urbana está tomando conta do Recife. Barracas estão sendo montadas em calçadas. É uma questão de saúde pública. O que está sendo feito no curto prazo?”

O vereador Felipe Alecrim (PSC) disse que é preciso tornar mais eficientes as políticas voltadas para a população em situação de rua. Ele repercutiu um requerimento de sua autoria, de nº 2452/2021, que pede que a Prefeitura instale espaços de higienização pessoal para essas pessoas nas ruas da cidade. “Sabemos que os Centros POP não dispõem de infraestrutura adequada para atender a uma quantidade razoável dessas pessoas diariamente. Apesar dos esforços, as dificuldades enfrentadas são muitas e elas estão aumentando. Precisamos cobrar políticas públicas mais efetivas para minimizar os problemas vividos por essas pessoas”.

Por sua vez, o vereador Zé Neto (PROS) enalteceu os esforços do Executivo municipal na área. “É uma situação que enseja o trabalho de todos nós. A Prefeitura do Recife vem fazendo um trabalho efetivo e quero ressaltá-lo. Ao assumir o meu mandato, tive uma reunião com a secretária [de Desenvolvimento Social] Ana Rita Suassuna, que demonstrou a vontade do prefeito de construir mais um abrigo, que seria em Boa Viagem. Isso está em fase de estudos, mas acredito que teremos grandes novidades.

Ex-morador de rua e presidente do Conselho Municipal de Álcool e outras Drogas do Recife, José Nilton Monteiro listou uma série de demandas formuladas por movimentos sociais ligados aos direitos das pessoas em situação de rua. Dentre os pedidos, estão a vacinação prioritária de pessoas idosas em situação de rua, ampliação dos beneficiários do aluguel social, criação de pontos de higienização e lavagem de roupas, além de um programa habitacional e novas unidades de acolhimento, em especial para mulheres vítimas de violência.

“Quero falar que a gente precisa de apoio. Não só esse advindo desta pandemia, porque sofremos de outra pandemia: a pandemia do apartamento social, da discriminação, da homofobia, do estigma da periculosidade, de não ter a prioridade no diálogo”, afirmou Monteiro. “Estamos abertos para darmos as mãos, mas em uma linha equânime para que a população de rua possa ter a sua autonomia enquanto sujeito de direito. Algumas instituições ainda não estão preparadas para ver essa população empoderada”.

Promotora de Justiça e coordenadora do CAOP Cidadania, Dalva Cabral disse que o Ministério Público apoia a causa da vacinação prioritária contra a covid-19 para pessoas em situação de rua. “A vacinação prioritária é o grande eco dos promotores do Brasil e Pernambuco não destoa”.

Ela tratou, ainda, sobre a importância do tratamento digno a essa população e da busca de soluções para aqueles que querem sair da rua. “José Nilton já me disse que existe uma preocupação em evacuar a rua. A pessoa precisa dizer se quer sair. Eu aprendi que, às vezes, a pessoa quer permanecer na rua e não nos compete avaliar as razões. A gente não consegue fechar essa equação sem muita mediação. Mas para onde levar quem não quer mais está na rua? Precisamos encontrar uma saída emergencial”.

Cofundador do Coletivo Unificados Pela Pop Rua defendeu que sociedade civil, iniciativa privada e governo precisam atuar juntos para promover melhorias. Ele pediu, também, mais atenção às necessidades da população em situação de rua por parte de todas as Secretarias da Prefeitura, não só a Assistência Social. “Precisamos atuar em rede, com o primeiro, segundo e terceiro setores. A fome não espera. A gente já sabe o esforço da Assistência, mas vemos um vácuo em outras pastas. Não vemos educação, não tem política educacional para a população de rua no Recife. Não vemos a Habitação. A Saúde deveria estar aqui. Se chamarmos essas pastas para uma conversa, elas não vão ter o que mostrar”.

Representando a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o diretor de Assistência Estudantil da instituição, Jônatas Félix, falou sobre o crescimento de alunos em situação vulnerável durante a pandemia de covid-19. “Não podemos mais fugir desse tema. Estamos vivendo uma situação que foi descortinada pela pandemia. A vulnerabilidade social é um tema que precisa de urgência. Infelizmente, não temos condição de atender a todos os estudantes com bolsas, por questões orçamentárias, mas o público que atendemos é muito vulnerável. Estamos falando de estudantes com renda zero, que não têm moradia digna e sem condições de assistir às aulas remotas por falta de equipamentos. Tivemos que fazer várias ações nesse sentido”.

Pesquisadora do Grupo de Estudos Interdisciplinar Pobreza, Trabalho e Lutas Sociais (Populus), também da UFPE, Patrícia Félix, deu informações sobre seus estudos da população em situação de rua. Ela apontou que uma pesquisa do IPEA estima que há cerca de 220 mil pessoas em situação de rua no Brasil, mas que os números estariam desatualizados. “A partir de estudos realizados em diversas cidades, investigamos que as pessoas estão nas ruas principalmente pela pobreza extrema, por mais que existam outros fatores associados, como conflitos familiares e o uso de álcool e outras drogas”, explicou. “Mas é interessante salientar que muitas das pessoas em situação de rua fazem uso de drogas quando entram nessa situação, ou seja, não é o uso que as leva para as ruas, mas para lidar com esse contexto”. Outro ponto destacado pela pesquisadora foi que, em geral, essas pessoas já possuem uma ocupação no setor de trabalho informal, ao contrário da percepção comum de que elas não trabalham.

Representante do Movimento Nacional da População em Situção de Rua, Jailson Santos também apresentou propostas para melhorar o atendimento a pessoas em situação de rua no Recife. Emergencialmente, segundo ele, seria preciso ofertar mais três equipes do projeto Consultório na Rua, mais dois Centros POP e descentralizara oferta de alimentação. Em médio prazo, ele sugeriu retomar as atividades do restaurante popular Naíde Teodósio, implementar um centro POPinho para crianças e adolescentes e implementar políticas de drogas para este grupo das pessoas em situação de rua.

O ativista também fez uma defesa por políticas de habitação. “Sem moradia, a dignidade é violada. Sem moradia, não é possível ter saúde, uma educação de qualidade. Sem moradia, os vínculos sociais e a estrutura da família não são possíveis. Sem moradia, a pessoa não tem como fazer um cadastro no serviço de saúde, um cadastro para conseguir um emprego. Quem não tem onde morar quase não tem oportunidade e é vítima da discriminação social”.

Integrante do Movimento Atos 4:20, Kleyvson Ferreira lembrou que não existe uma única resposta às demandas da população em situação de rua. “É impossível unificar a solução. Essas são pessoas diferentes e têm razões diferentes. Para cada uma delas, vai ter uma solução diferente. É preciso ouvir cada uma. A maior carência é de um ombro amigo. Temos que ir ao começo do problema”.

Já a presidente da Federação Pernambucana de Comunidades Terapêuticas, Rawilsean Calado, incentivou a mobilização, pelo poder público, desse tipo de instituição para atender pessoas em vulnerabilidade. “É hora de direcionar os espaços que temos hoje que podem ter esse acolhimento. As comunidades terapêuticas estão disponíveis como membro da rede complementar. É importante esse reconhecimento”.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de Pernambuco, Eduardo Cavalcanti, disse que o setor chegou a dialogar com Governo e Prefeitura no ano passado para que a rede hoteleira fosse utilizada em ações relacionadas à pandemia, mas a proposta não foi implementada. “Poderia ter um incentivo maior para que a iniciativa privada colaborar. Temos que tomar iniciativas para que as pessoas tenham vida dignas. Se chegar perto de vários setores da inciativa privada, consegue parcerias para minimizar essa situação. Mas tem que haver uma ação estruturada sob a tutela do município”.

Diante de questionamentos sobre o aumento da população de rua em Boa Viagem, a secretária-executiva de Políticas sobre Drogas da capital, Ana Karla de Andrade explicou que neste mês a pasta direcionou esforços para o bairro. “A Secretaria de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas (SECOD) tem uma ação que é feita pela unidade móvel do Programa Acolhe Vida. Neste mês, estamos na RPA-6, em Boa Viagem. Recebemos muitas comunicações sobre o aumento do número de pessoas em situação de rua e usuários de drogas. Nossa ação é a oferta do banho, a lavagem de mão, a máscara, o kit lanche e o kit higiene. Fazemos, também, uma triagem para o encaminhamento de acolhimentos”. De acordo com ela, a próxima região a ser atendida é a RPA-1, no centro da cidade.

 A interação entre o setor de ordenamento urbano e a população em situação de rua foi o tema da intervenção da gerente geral de Política Urbana do Recife, Cândida Bonfim. “Não temos competência para retirar pessoas, mas podemos retirar algo que está obstruindo uma calçada, um logradouro como uma praça. E não é fácil dizer para alguém que não tem um lar que ele não pode ficar ali. Temos que ir com muito tato”, contou. “Temos que unificar um instrumento para que essas pessoas possam ficar ali, mas de forma ordenada. O que temos visto é um desordenamento muito grande. Precisamos de um instrumento jurídico”.

Por fim, a secretária-executiva de Assistência Social do Recife, Geruza Felizardo, procurou dar respostas a pontos levantados pelos participantes ao longo de toda a audiência. De acordo com ela, o último levantamento feito pelo município, em 2019, identificou 1600 pessoas vivendo em situação de rua na capital – mas, diante do crescimento da população, um novo estudo está em preparação.

A secretária-executiva esclareceu que a vacinação da população idosa em situação de rua já foi iniciada. A imunização, que já foi concluída nas casas de acolhida, pode ser feita nos dois Centros POP e no abrigo noturno Irmã Dulce.

A Prefeitura, segundo Felizardo, planeja construir em breve mais dois Centros POP, um deles na RPA-6, além de um Centro Popinho para crianças e adolescentes, e ampliar a rede de acolhimento.

“Temos vários desafios, mas estamos nesse processo de construção. O prefeito tem uma preocupação muito grande com a população em situação de rua. Estamos discutindo várias ações internamente, como a questão do trabalho, da moradia, que é uma questão bem complexa”, informou.

Geruza Felizardo não deixou de posicionar o problema do atendimento à população de rua no atual contexto econômico e político. “A questão da pop de rua não é um fenômeno só do Brasil. É uma questão mundial e consequência de um sistema econômico que contribui para a sua existência e o seu aumento. E a gente vive com um Governo Federal que é responsável pelo desmonte das principais políticas de assistência social, de saúde e habitação, deixando ao município o ônus de assumir sozinho essa conta. Hoje, quase todo o financiamento da política assistencial é dotado pelo Recife”.

Em 28.04.2021