Audiência Pública debate violência patrimonial contra mulheres

Uma pesquisa que liga moradia à violência patrimonial contra mulheres foi objeto de debate durante a audiência pública, sobre "Moradia e Violência contra a Mulher", realizada pela vereadora Cida Pedrosa (PCdoB), na tarde desta quarta-feira (28), na Câmara do Recife, por videoconferência. Ela disse que fez o encontro reunindo especialistas no assunto porque é preciso entender o ciclo vicioso da violência praticada contra mulheres e que não é apenas física, mas inclui a questão da violência patrimonial, quando mulheres perdem o direito à moradia. Participaram Raquel Ludermir, autora da pesquisa, Maria Eduarda, secretária de Habitação do Recife, Glauce Medeiros, secretária da Mulher do Recife, e Fabiana Leite Domingues, presidenta da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PE.

Raquel Ludermir, doutora e mestra em Desenvolvimento Urbano da UFPE, autora da pesquisa sobre moradia, patrimônio e violência contra a mulher, discorreu a respeito da questão da moradia e da violência enquanto dois conjuntos importantes sobre violência doméstica. Ela trouxe como resultado o reflexo da violência na  falta de moradia, pois uma em cada três mulheres vivencia, ou vivenciou ou vai vivenciar a violência, apenas cerca de 20% das que vivem a violência conseguem entender que estão passando e acessam serviços institucionalizados. “Por outro lado temos o déficit habitacional de mais de seis milhões de moradias, sem incluir a população de rua. Na verdade inclui só aquelas que moram de favor com outros, fazendo a coabitação involuntária”. Das entrevistadas, ela percebeu que quando se casam ou têm união estável, 77% saem de casa e vão morar com o parceiro ou sogros e quando se separam são elas que saem da casa, acentuando a desvantagem em relação à moradia. “Quase sempre a casa está no nome do homem mesmo que ela tenha ajudado a comprar  e na hora da separação é ela quem sai”.

Raquel Ludermir disse que há um despejo cíclico, resultado direto da violência doméstica, e que piora quando ela tenta ficar com a casa. É nesse momento, segundo ela, que ocorre o risco iminente de morte nas disputas pela propriedade e muitas acabam saindo. Há casos de outras que não saem de casa e acabam sofrendo mais violência. 

Para a pesquisadora as políticas públicas ofertam abrigamento para mulheres com risco de morte iminente, além da medida protetiva, que afasta o agressor, mas ele sabe onde ela mora. “A moradia não é vista como prevenção, antes que o risco de morte se instale e, por isso, é preciso pensar estratégias de moradia que antecipe esse risco de morte nas políticas públicas, quebrando o ciclo vicioso”.

A secretária de Habitação do Recife, Maria Eduarda,  unir creches com habitação social é uma saída que deve ser vislumbrada. O Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), faz esse recorte e por isso as ações precisam ser muito discutidas. Ela disse que o Plano mostrou que há um déficit habitacional visível, formado por domicílios precários, a cohabitacãp involuntária e o elevado custo de aluguel que compromete mais de 30% da renda. Isso inviabiliza a moradia por parte da mulher, causando o ônus excessivo. “As mulheres acabam sendo mais prejudicadas e elas vão pagar o aluguel mais pesado quando são sozinhas”.

Maria Eduarda lembrou ainda que tem a questão do chefe da família, que é quase sempre o homem. Por isso a pergunta nos domicílios é "quem é a pessoa de referência da casa", e isso  corrige um pouco a distribuição dos números. “Mesmo que ela perca a casa, pode voltar ao programa e pleitear de novo. Dessa forma vamos fazer uma politica mais efetiva de moradia. O  PLHIS pode traçar novas diretrizes e já foi incluído no Plano Diretor da Cidade. O título de posse hoje já sai no nome da mulher, mesmo que ela diga que não quer  e só poderá ser assim”.

A secretária disse que tem uma parceria com a Emprel para elaboração de dados georreferenciados, com recorte de estudo de habitação e novos financiamentos, incluindo recorte por gênero ,e que vai ser  concluído em fevereiro do ano que vem. “Vai ser possível saber onde estão as mulheres negras, as  que ganham menos de um salário mínimo e com filhos. Vai ser possível saber onde elas estão e planejar construções naqueles locais, bem como creches para as mulheres poderem trabalhar”.  

A secretária da Mulher do Recife, Glauce Medeiros, disse que é preciso olhar para essa situação a partir de uma visão geral de nossa conjuntura,  lembrando o corte do Governo Federal de R$ 1,5 bilhão para habitação popular, dificultando o trabalho dos municípios e suas diretrizes, bem os cortes ao programa de atenção às mulheres em situação de violência. E isso é muito significativo neste governo.

Ela disse que está em contato com todas as secretarias trocando informações sobre políticas a serem realizadas. "Mas os cortes do Governo Federal vão impactar porque foram cortados em 98% as verbas para pesquisas e não teremos Censo este ano. “Isso é crime porque não saberemos como formular políticas públicas pela falta de indicadores seguros. E isso acentua a desigualdade de gênero”.  Segundo ela, a trajetória de moradia das mulheres demonstra que antes da violência acontecer, vem a questão patrimonial que  está  caracterizada na Lei Maria da Penha. “A  lei do feminicídio reforçou a  Maria da Penha, ajudando no enfrentamento e prevenção  contra a  violência. Pensamos na realização de cursos nos habitacionais, e a incorporação das mulheres na elaboração de politicas habitacionais. Precisamos amentar a prevenção e divulgar mais ainda as leis existentes”.

A presidenta da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PE, Fabiana Leite Domingues disse que a violência contra mulheres aumentou mais de 40% em virtude da pandemia e o isolamento social e, por isso,  é preciso trabalhar esse tema. “Temos déficit habitacional grande no país, e estamos no quinto lugar em assassinatos no mundo de mulheres, mas no entanto temos a melhor lei, a Maria da Penha, que  por si só não resolve todos os nossos problemas".

Ela disse que  está sendo construída uma pauta na OAB para as  mulheres incluindo a violência contra elas. As trajetórias sobre a moradia de mulheres antes, durante, e depois da violência revela que as desigualdades materiais são construídas e nos leva à necessidade de discutir, pois expõe o dilema que elas vivem:  ficar em casa porque não têm para onde ir. “As leis são um marco mas precisamos de diretrizes que as tornem mais efetivas para fortalecer as políticas públicas.

Fabiana Leite disse que é preciso cobrar eficiência dos organismos para políticas  para mulheres, e que em nível estadual há apenas 11 delegacias especializadas no universo de 184 municípios. “É preciso ampliar e fortalecer os equipamentos, criar comissões para acompanhar as  verbas para essas políticas e o mais importante é aumentar o acesso às ações afirmativas para todas as mulheres negras, trans, idosas, lésbicas, quilombolas,  assegurando o protagonismo delas em todas estas frentes”.

 

Em 28.04.2021