Audiência discute criação de centro ambulatorial para servidores públicos

A saúde mental dos profissionais da saúde, sobretudo os que estão na linha de frente no enfrentamento à covid-19 e o recebimento de férias dos profissionais que estão a cerca de 15 meses sem descanso foram os principais pontos discutidos em audiência pública virtual da Câmara do Recife. O evento, de iniciativa do vereador Tadeu Calheiros (Podemos), contou com a presença de vários especialiastas e autoridades na área.

Participaram do encontro, Eliade Avelino, representante do Sindicato dos Técnicos de Enfermagem; Andressa Barkokebas, representante da Secretaria de Saúde do Recife; Ana Carolina Tabosa, do Sindicato dos Médicos de Pernambuco; Ludmila Outtes, presidente do Sindicato dos Enfermeiros de Pernambuco; Éllcio Ricardo, Conselheiro do Conselho Nacional de Psicologia - 2ª Região; Amaury Cantilino, presidente da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria; Édipo Soares, promotor e coordenador do Centro Operacional das Promotorias de Justiça em Defesa da Saúde do MPPE e Airles Ribeiro, Coordenador do programa Acolhe Profissional.Também estiveram presentes, os vereadores Eduardo Marques (PSB) e Eriberto Rafael (PP).

Ao abrir a audiência, o vereador Tadeu Calheiros (Podemos) comentou que uma das motivações da realização da audiência são números alarmantes de adoecimento de profissionais da área de saúde, principalmente adoecimento mental. "Temos dados de estudos feitos até fora do Brasil, ainda não temos de Recife, mas deve seguir esse padrão aqui e em vários municípios. O nível de [da síndrome de] Burnout, de esgotamento profissional da área de saúde atinge 70% dos profissionais, número significativo e preocupante. Uma das formas de apresentação como a ansiedade e depressão pode ser a manifestação do estresse agudo, que atinge preocupantes índices de 25 e 20% respectivamente, de ansiedade e depressão dos profissionais de saúde". 

O parlamentar pontuou a observância local em relação ao aumento da taxa de depressão nos profissionais  e comentou a necessidade do programa da Prefeitura do Recife para acolher psicologicamente os profissionais de saúde, o Acolhe Profissional. "Encontramos uma grande dificuldade, principalmente nos profissionais que dependem da saúde pública e não conseguem recorrer a plano de saúde ou saúde privada. Sabemos que apesar dos esforços constantes da Prefeitura do Recife em ampliar a rede e oferecer para toda a população não é tão fácil, há uma longa fila para que se tenha acesso a psiquiatria e psicologia. O Acolhe Profissional teve um esforço para fazer esse acolhimento dos profissionais, mas acredito que precisamos avançar mais nisso, até para um legado posterior ao pico da pandemia. Sabemos que os efeitos na saúde mental nas pessoas vai durar mais de uma década", afirmou. 

Andressa Barkokebas explicou que a Prefeitura do Recife está ampliando cada vez mais a rede de atenção básica. "Recife é um grande exemplo de desospitalização, foi aqui que hospitais psiquiátricos foram fechados e feitas grandes transições para residências terapêuticas e o fortalecimento da rede psicossocial, que hoje é um dos grandes focos e prioridades da gestão. Temos cerca de 11.500 servidores na Secretaria de Saúde e a nossa rede composta pela atenção básica de média e alta complexidade se dá de forma integrada e é o grande mote da gestão. O programa Acolhe Profissional nasceu no ano passado e é um avanço. Com a chegada do Atende em Casa, houve uma migração do Acolhe Profissional para o Atende em Casa e profissionais de diversas categorias nesse atendimento podem fazer o suporte desses profissionais", afirmou. Ela contou que o Atende em Casa já fez cerca de 4.780 atendimentos desde quando foi implantado. 

Esgotamento pode causar risco a pacientes - Por sua vez, Ana Carolina Tabosa,  do Sindicato dos Médicos de Pernambuco,  chamou atenção para a evolução do adoecimento psicológico dos profissionais da saúde com a síndrome de Burnout e pontuou a preocupação com o acesso e conhecimentos que os profissionais tem a medicamentos. "Que impacta na diminuição da produtividade e da eficiência desses profissionais no atendimento. Além disso, o esgotamento físico vem trazendo falhas de julgamento e pode incidir em erro, em negligência e repercute na segurança do paciente que está sendo atendido. É de extrema importância que os gestores tenham um olhar para esse profissional para que cuidem de maneira proativa. A gente já tem uma preocupação com colegas, além do sentimento de desesperança e esgotamento físico há um esgotamento maior e a categoria vem adoecendo". 

 No entanto, a presidente do Sindicato dos Enfermeiros de Pernambuco, Ludmila Outtes,  fez colocações pertinentes sobre a importância do tratamento preventivo e não apenas remediar,  abordou também a necessidade dos profissionais de tirar férias. "Não adianta só fazer a busca ativa dos profissionais que estão nesse sofrimento psíquico ou oferecer serviços que ajudem a amenizar ou diminuir o sofrimento. Precisamos investir em políticas de prevenção desse tipo de agravo, e passa por algumas questões que estão sob o domínio da gestão. Obviamente existe uma série de fatores que contribuem para o indivíduo apresentar sintomas de depressão ou desenvolver um quadro depressivo, mas fatores relacionados ao trabalho a gente consegue identificar e ter uma relação preventiva nesse sentido, como melhores condições de trabalho. Temos profissionais que não têm um repouso digno durante um plantão, principalmente quem está à frente dos setores de urgência e emergência, e agora que a gente tem um aumento de casos o horário que o profissional tem para repor as energias não é oferecido um ambiente seguro e adequado". 

A representante do Sindicato dos Técnicos de Enfermagem, Eliade Avelino,  corroborou com a colocação das más condições de trabalho e ausência de férias que acabam potencializando os problemas de esgotamento mental, emocional e físico. "Cuidar do cuidador é de extrema importância. Como a gente vai prestar uma boa assistência? Essa iniciativa é boa e sabemos o quanto profissional de saúde está sendo acometido. Sabemos que existem portas de entrada em relação ao atendimento ao profissional de saúde, mas ainda tem que melhorar bastante. Seria interessante que tivéssemos algo voltado especificamente para este profissional, mediante a situação que estamos vivenciando", sugeriu. 

No que lhe toca, o integrante do Conselho Nacional de Psicologia Éllcio Ricardo, comentou a atuação do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), que visa a promoção da saúde e redução de morbimortalidade da população trabalhadora por meio de integração de ações que intervenham nos agravos. "Com esse objetivo e intervenções voltadas para minimizar agravos e pensar o desenvolvimento de processos produtivos dentro da saúde, nos ajuda a compreender ou problematizar como a Secretaria de Saúde do Recife vem construindo um modelo de atenção. É necessário ser revisto para a gente poder ver outras formas de fazer saúde. Minha fala vai no sentido de pensar nas ações preventivas no processo de trabalho que, muitas vezes, devido às dificuldades de implementação de um processo mais adequado nesse momento de pandemia. Os profissionais não estão tendo férias garantidas, suprimentos de insumos para execução do trabalho de uma maneira mais segura".

Maior busca por atendimento psicológico - Já o presidente da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria, Amaury Cantilino, chamou a  atenção para a iniciativa proposta pelo vereador e comentou uma experiência que aconteceu no Hospital das Clínicas que foi percebido o aumento na procura de psicólogos e psiquiatras. "O Nutes (Núcleo de Telessaúde da UFPE) abriu para várias especialidades médicas para que as pessoas pudessem fazer as consultas por teleatendimento durante a pandemia. Foi surpreendente para as pessoas do Nutes perceber que a busca de profissionais de psiquiatria e psicologia foi três vezes maior que a busca de profissionais da infectologia. Se esperava que durante a pandemia a procura fosse maior para infectologia. Temos que ver que casos diferentes exigem níveis de complexidades diferentes. Considero importante a ideia do vereador de pensar em oferecermos mais serviços ambulatorial, psicológico e psiquiátrico para dar conta dessa demanda de pessoas que estão com transtorno de ansiedade. Muitas vezes, as pessoas pensam que transtorno de ansiedade é coisa boba, mas muitos são incapacitantes", pontuou.

promotor e coordenador do Centro Operacional das Promotorias de Justiça em Defesa da Saúde do MPPE, Édipo Soares, afirmou ter percebido um adoecimento coletivo não só dos profissionais de saúde, mas que não dá para comparar a dimensão dos problemas com "qualquer um de nós que estamos em casa trabalhando". "Sem dúvida alguma, os profissionais estão no seu limite e não termos a consciência de que essas precisam ser olhadas na saúde mental. A complexidade do tema é no sentido de qual seria o melhor modelo. Acho que ele deveria existir, pois precisamos preservar essa força de trabalho não só apenas  com a vacina". 

O Coordenador do programa Acolhe Profissional, Airles Ribeiro, contou sobre a criação do programa e mencionou dados com relação aos atendimentos feitos de maio a dezembro de 2020. "Atendemos 186 profissionais de saúde, 55% relataram problemas de ansiedade, 18% com sintomas de angústia, que é um desdobramento da ansiedade, 14% medo, 7% luto como principal motivo dessa desorganização, 6% dos problemas desencadeados por esse processo são familiares. 31% das pessoas que ligaram eram agentes comunitários de saúde, 21% profissionais da enfermagem, sendo técnico ou superior, 15% multiprofissionais, 10% saúde bucal, 10% da medicina e 12% trabalhadores de saúde". 

O vereador Eduardo Marques (PSB) parabenizou Tadeu Calheiros pela iniciativa. "Essa proposição muito engrandece o debate na Câmara do Recife. Acredito que esse assunto não se encerra aqui e tenho certeza que será alvo de muitas outras audiências e propostas". 

Ao responder os questionamentos dos representantes, Andressa Barkokebas, representando da Secretaria de Saúde do Recife,  defendeu que, inicialmente, a proposta  de um centro específico de saúde não é possível ser implementada. "A gente defende o SUS enquanto política de estado e entendemos que ele é universal, não seria para categorias de grupos específicos. Quando a gente segrega, não está indo em consonância com a política que o SUS preconiza. A questão das férias, estamos nos piores momentos da pandemia, com um cenário posto de grandes dificuldades com quase todos os leitos do Estado ocupados. Precisamos dos profissionais de saúde, que eles contribuam cada vez mais para que essas escalas de plantão não fiquem desfalcadas. Essa medida da Secretaria Estadual de Saúde e Municipal do Recife em relação às férias é temporária, ninguém quer que o profissional fique sem férias. A gente vem preconizar que nesse momento de pior cenário epidemiológico, para que a gente possa fazer com que as escalas não fiquem desfalcadas. Quando esse cenário epidemiológico melhorar, a gente vai revisitar a normativa (plano de cargos e carreiras) para que, paulatinamente, a gente consiga liberar essas férias", afirmou. 

 Em 31.05.21