Câmara promove audiência pública sobre preservação dos nomes de ruas

A Câmara do Recife realizou nesta quinta-feira (10) uma audiência pública para tratar da denominação de logradouros públicos, com foco na identidade histórica e cultural do Recife. O debate, cuja iniciativa partiu do vereador Tadeu Calheiros (Podemos), reuniu integrantes do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), da academia e da imprensa. Dentre os principais temas abordados, as tentativas de mudança de ruas com nomes tradicionais.

Ao início da audiência, Calheiros explicou que, em princípio, tinha uma posição contrária a esse tipo de modificação. “O meu posicionamento quanto à manutenção dos nomes das ruas tradicionais é conservador. Elas trazem consigo uma grande história. Tem toda uma parte cultural nos nomes das nossas ruas. Depois de ter levantado esse tema e conseguir me aprofundar sobre outras histórias que nem conhecia, fiquei mais encantado ainda”.

Presidente da comissão de história do IAHGO, Carlos Bezerra informou que, desde 1951, os nomes de ruas recifenses consagrados pelo uso popular não podem ser mudados. “As ruas, em princípio, não teriam seus nomes modificados se eles já estivessem sedimentados na consciência popular. Para isso, é preciso um parecer do Instituto Arqueológico. E, se possível, que se restaure o nome antigo”.

Segundo o historiador, algumas denominações fazem parte do panorama cívico e cultural do Recife. “As ruas tinham um nome pitoresco: rua da Alegria, rua da União. Começaram a mudar os nomes de rua, mas a tendência é conservar. Tudo tem um sentido e quebrar isso é quebrar o elo historiográfico, a tradição”.

O professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), George Cabral, representou com Carlos Bezerra a presidente do IAHGP, Margarida Cantarelli. Ele ressaltou a necessidade de preservar a identidade cultural que pode ser extraída dos nomes das ruas do Recife.

“É muito importante que a gente tenha atenção ao fato de que a identidade de uma cidade passa por esses marcos memoriais. Passa por essa relação que a população tem com as suas ruas. Quem vive ou transita pelo Recife sempre tem uma história de uma rua para contar. Esse grande conjunto de memória coletiva é o que faz de uma denominação algo tradicional”, afirmou. “Nesse sentido, o Instituto Arqueológico tem tido o cuidado de identificar essas ruas, algumas delas com mais de dois séculos de denominação e um apego popular muito intenso. Isso é muito importante em uma cidade como o Recife, que destruiu grandes parcelas de sua história ao longo do século XX. Compete à nossa geração cuidar daquilo que ficou", disse George Cabral.

Em nome da Secretaria de Cultura do Recife, o historiador Dirceu Marroquim fez questão de dizer que a pasta está à disposição para contribuir com encaminhamentos que preservem a cultura da cidade. “A Secretaria de Cultura não tem prerrogativas sobre o patrimônio cultural da cidade do Recife. Isso está a cargo de outra secretaria, mas estamos atentos a todos os debates que são realizados em torno da história e da memória. O debate sobre as ruas do Recife congrega, em nomes, grande parte dos ícones que representam o passado e a cultura da nossa cidade”.

Professor universitário e ex-vereador do Recife por dois mandatos (2012-2016 e 2017-2020), André Régis relembrou algumas das discussões que travou na Câmara do Recife a respeito do tema. “Ao longo de oito anos, em algumas oportunidades tive a condição de evitar que nomes de rua tradicionais fossem alterados. Quando o Instituto e qualquer outro grupo de pressão vai à Câmara e se associa aos vereadores, isso dá uma força enorme para impedir que as coisas mudem de forma desfavorável. Se não há uma ação política, a gente termina permitindo que princípios sejam flexibilizados. E daí não há volta”, explicou.

De acordo com Régis, a tendência de propor o acréscimo de nomes a denominações tradicionais já existentes também descaracterizam o patrimônio cultural. “Alertei, em debates com os colegas, que acrescer é modificar. Quando alguém casa e acrescenta o nome do marido, tem que modificar toda a sua documentação. E, quando alguém pergunta se mudou, diz que mudou. Esse argumento utilizado por vários vereadores é incorreto e precisa ser combatido”.

Sócio do Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Goiana, Giogio Paulo Pereira também se posicionou a favor da manutenção de nomes de ruas tradicionais. “Precisamos ter cuidado para não perdermos nossas raízes, nossas histórias. Rua Nova, rua do Sol, rua da Aurora, rua das Ninfas – são ruas que têm uma tradição ligada à história de Pernambuco. E pessoas viveram e deram suas vidas por essa história”, considerou.

Ele também se manifestou contra o acréscimo de nomes às denominações existentes. “Quem acrescenta, muda, sim, alguma coisa. E que custos a cidade vai ter com essa mudança de endereçamento postal, por exemplo? E com a perda da identidade? O novo precisa estar presente, mas não podemos perder essa identidade. Se a homenagem precisa ser feita, que seja feita com coisas novas”.

Para a arquiteta e urbanista Priscila Neri, novas homenagens devem ser concedidas em logradouros ainda não denominados. Como os participantes anteriores, ela apontou que, no Recife, existem uma grande quantidade de ruas sem nome. E citou, ainda, uma lei aprovada em São Paulo que obriga que 75% dos moradores de uma rua concordem para que o nome dela seja alterado.

“Fico preocupada com o futuro de uma sociedade que não respeita a tradição, a história e a identidade. Mudar um nome de um lugar tem tanto para dar certo quanto mudar o nome de uma pessoa que se chamava João e agora se chama Paulo. Ninguém adere, só serve para embaralhar e causar encargos para a sociedade, tudo por conveniência política, pela perpetuação de uma classe política ou família”, exemplificou. “E não vejo como homenagem fazer acréscimos a nomes de ruas que são consagradas. O Recife tem mais de mil vias sem denominações”.

Representante da Folha de Pernambuco, o jornalista Fábio Guibu defendeu critérios para a denominação de uma rua. “Como cidadão, acredito que além do aspecto histórico, a preservação desses nomes é necessária porque eles criam vínculos afetivos com os moradores. É justo que se procure fazer homenagens, mas elas têm que ter critérios muito bem definidos e a concordância dos principais envolvidos, que são os cidadãos. Os homenageados de hoje serão os nomes da história da cidade amanhã. Isso não é justificativa para destruir o que já é história”.

Encaminhamentos – Durante a audiência, o vereador Tadeu Calheiros colheu algumas das sugestões dos participantes. Dentre elas, estão os avisos ao IAHGP para que ele se pronuncie, por ofício, sempre que um projeto de lei sobre mudança de nome de logradouros públicos entrar em tramitação na Câmara do Recife.

Calheiros adiantou, ainda, que trabalha em uma minuta de projeto de lei que visa proteger os nomes de ruas tradicionais. O documento, que já foi enviado para a análise do IAHGP, sugere, por exemplo, que denominações com mais de 50 anos não possam ser modificadas.

Em 10.06.2021