Direitos Humanos e Cidadania discute a covid-19 no transporte público

A possibilidade da covid-19 ser considerada uma doença ocupacional e a necessidade da imediata vacinação de todos os profissionais que trabalham no transporte público. Estes foram temas debatidos na reunião da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, da Câmara do Recife, presidida pela vereadora Michele Collins (PP), realizada de forma virtual nesta segunda-feira (7). O encontro contou com parlamentares, representantes de sindicatos, do Ministério Público, da secretaria de Saúde, da superintendência Regional do Trabalho, além de especialistas em saúde e segurança.

Michele Collins afirmou que, tendo em vista ser um dos locais que mais preocupa os trabalhadores com relação ao contágio da covid-19, o transporte público é um tema tratado com prioridade na Casa. "Essa preocupação reside na falta de condições de distanciamento entre os usuários nos metrôs, trens e ônibus da nossa cidade. Ações por parte do poder público vêm sendo adotadas, mas requerem uma atitude mais proativa. Sabemos que o Programa Nacional de Imunização já elenca essas categorias como grupo prioritário e desde o último dia 28 de maio a Prefeitura do Recife já começou a imunizar esses trabalhadores", pontuou.

O vereador e vice-presidente do colegiado, Ivan Moraes (PSOL) falou da importância do diálogo sobre a pertinência da vacinação e se os procedimentos necessários estão sendo cumpridos pelos terceirizados. "Somos muito intransigentes na posição desde o início da pandemia, o nosso mandato acredita que ninguém deveria estar exposto ao vírus, sair de casa sem que tivesse sido vacinado. Quem está na rua, especialmente em locais onde naturalmente há aglomeração, e metrô e ônibus são locais fechados, onde milhares de pessoas diariamente se aglomeram, eu não vejo motivo pelo qual a vacinação desse segmento não tenha sido prioritária, mas ainda bem que a gente conseguiu avançar".

Metroviário há 32 anos, o vereador Joselito Ferreira (PSB) ressaltou a necessidade da vacinação não só para os metroviários como também para os rodoviários. "Principalmente para aquelas pessoas que ainda não foram vacinadas, que são os terceirizados. É quem limpa o trem e o ônibus quando chegam na estação e terminal. O pessoal que varre, vigilante e terceirizados estão precisando de vacina. O transporte público é a parte que leva tudo: a pessoa ao trabalho, ao médico, para fazer feira, o filho à escola. É essencial vacinar essas categorias para tentar diminuir a quantidade de brasileiros que têm morrido com essa doença", disse.

Superlotação no transporte público - Adalberto Afonso, Presidente do Sindicato dos Metroviários de Pernambuco (Sindmetro-PE) falou que a superlotação do metrô é algo inegável. "Hoje, temos cerca de 300 mil pessoas por dia que circulamno metrô. Entre os funcionários o número de contaminação foi altíssimo. Temos 15 companheiros que perderam a vida e é uma coisa alarmante, muito acima da realidade apresentada em outras categorias. Os terceirizados fazem parte do dia a dia e estão na bilheteria, fazendo a higienização dos trens, no setor de manutenção, que é um dos setores que mais contaminam e tivemos óbitos”, revelou.

Para Josival Costa, secretário-geral do Sindicato dos Rodoviários do Recife e Região Metropolitana, a categoria é uma das que mais sofreu com a pandemia em diversos aspectos. "Iniciamos com o desemprego que foi muito forte e sofremos porque batemos praticamente o recorde, perdemos quase 50 companheiros no decorrer desse tempo. Para tentar evitar mais mortes, travamos diversas lutas, tentamos antecipar a vacinação da nossa categoria, fizemos alguns atos pacíficos na integração da Macaxeira, Barro e Joana Bezerra, mas não conseguimos êxito. Tentamos falar com o Município e o Estado para mostrar a necessidade que temos de ser vacinados, mas tivemos que parar o centro da cidade duas vezes e começamos a ser enxergados. Conseguimos antecipar a vacinação depois do apoio muito grande de órgãos, inclusive muitos vereadores".

Ao confirmar que apenas motoristas e cobradores estão sendo vacinados, Josival Costa se somou a Adalberto Afonso e demais pessoas que antecederam a sua fala. "O sistema é composto por outros profissionais que estão tão expostos quanto a gente a esse vírus, principalmente as pessoas que hoje atuam nas integrações como organizadores de filas, que estão envolvidos com pessoas que possivelmente possam estar contaminadas e, além de contrair o vírus, podem levar para casa, contaminar a família e aumentar o número de contaminados na cidade", problematizou.

Aldo Lima, presidente do sindicato dos Rodoviários do Recife e Região Metropolitana lamentou a quantidade de perdas que a categoria já teve por conta da pandemia. "Há mais de uma semana que a categoria não tem notícia que um trabalhador não perdeu a vida para a covid-19, além dos inúmeros contágios que vêm ocorrendo com os trabalhadores. Semana passada foram três, na retrasada, foram quatro óbitos na categoria. Esse número hoje passa dos 50 óbitos. Vou fazer a solicitação de forma mais concreta para ter o número mais preciso".

Protocolo de saúde e segurança - Com destaque à norma do Ministério da Saúde com a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, a portaria 20/2020 que elabora os protocolos de saúde e segurança nos ambientes de trabalho com relação a covid-19, Carolina Luna, advogada trabalhista, técnica em segurança do trabalho e especialista de risco em saúde e segurança do trabalho disse que as empresas devem adotar os protocolos sanitários como medidas de prevenção.

 "A portaria também fala sobre o processo de sanitização de ambientes e precisamos destacar que estamos falando de ambientes de trabalho onde há circulação de milhares de pessoas diariamente, e muitas delas infectadas pela covid-19, o que nos leva a crer que as empresas de transporte coletivo precisam garantir o cumprimento integral desta portaria.Não  podemos relativizar quando se é impossível garantir a desinfecção do ambiente de forma adequada com uma frequência maior. A gente tem que lutar pela garantia de que os trabalhadores dessas categorias estejam protegidos de forma adequada", afirmou.

A especialista também sublinhou a obrigação das empresas no fornecimento das máscaras PFF2 (estudos feitos pelo Instituto de Física da USP comprovam sua eficácia de 98% de proteção contra a covid-19), a fiscalização sobre o uso, armazenamento, manutenção e descarte dos equipamentos de proteção individual (EPI 's). "Lembrando que sempre que as empresas não garantirem essas medidas, é possível e estão sujeitas ao processo fiscalizatório e também condenações, foi entendido por alguns tribunais regionais que a covid-19 é doença ocupacional. A efetividade do processo de vacinação só é possível se a gente conseguir envolver todos os profissionais da classe, a exemplo do que foi falado: não adianta imunizar o motorista, o cobrador, e não imunizar o terceirizado que vai receber o ônibus ou metrô e fazer a limpeza. É importante entender que as vacinas não garantem 100% de proteção sem todos vacinados", relembrou.

Thaíse Ferreira, gerente Regional de Administração e Finanças representou a superintendência da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU) e afirmou que  já "fez a tarefa de casa",  além de informar a distribuição da declaração para vacinação a um mil terceirizados e 71 menores aprendizes, a CBTU já fez a doação total de 91 mil máscaras desde 2020. "Adquirimos mais de 63 mil máscaras descartáveis e após a legislação orientar as máscaras de tecido, adquirimos mais de 28 mil".

No entanto, Thaíse  Ferreira disse que a CBTU não tem verba suficiente para fazer a compra das máscaras PFF2 para os funcionários. "Já começamos o estudo para a compra da PFF2 e gastaríamos em torno de R$ 700 mil para adquiri-las para os 1.680 empregados que temos. No momento, esse valor está um pouco inviável mas, enquanto isso, vamos distribuindo as máscaras descartáveis de tecido e álcool em gel e líquido. Sempre orientando os empregados a fazer a higienização das mãos e passar álcool nos utensílios compartilhados. A gente queria tranquilizar todos presentes na reunião e dizer que em breve todos os envolvidos no metrô estarão vacinados", prometeu.

Faltam doses para imunização - Ana Catarina de Melo Araújo, gestora da Superintendência de Imunizações e das Doenças Imunopreveníveis (SIDI), representante  da Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde, disse que está seguindo o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid-19 (PNO) e também corroborou com a continuidade do uso de máscaras e álcool em gel, mesmo para os já vacinados. "Na última reunião   foi compactuado aqui no Estado que a gente ia autorizar o início dessa vacinação, lembrando que ainda não recebemos a totalidade das doses pelo Ministério da Saúde, principalmente para esse grupo específico, as doses não chegaram. O que pactuamos foi  a campanha para as comorbidades", explicou.

Por sua vez, Débora Amaral, gerente Geral de Ações integradas no Território, representando a secretária de Saúde do Recife,  lembrou que no Plano Nacional de Imunização está descrito que são apenas motorista e cobradores. "Para a questão dos metroviários, os terceirizados estão dentro dos funcionários. No entanto, aqui no Recife a gente adotou as declarações e para metroviários, ficou pactuado que a CBTU ia fornecer a declaração independente da função e vínculo. Não é o mais rápido, mas é o processo que existe. Até o dia 5 tínhamos vacinado 571 metroviários e rodoviários, e o processo iniciou no dia 28 de maio. A velocidade que a gente vai concluir o processo de vacinação depende da quantidade de doses que vai chegar para o município", elucidou. 

Visando reduzir o contágio, Edson Cantarelli, representante do Tribunal Regional do Trabalho e Emprego comentou que metroviários e rodoviários são objetos do trabalho de fiscalização desde o início da pandemia com um projeto específico. "O setor foi orientado sobre como deveria agir durante a pandemia. Instituímos fiscalizações para verificar o cumprimento dessas medidas, mas não conseguimos alcançar todos os lugares e estamos acompanhando as medidas dentro das nossas possibilidades".

 Segundo ele, há "uma preocupação muito grande com a distribuição dos EPI's, mas às vezes se esquecem de medidas administrativas anteriores as distribuições dos EPI's. Me surpreende a gente está há quase um ano e meio de pandemia e não haver uma preocupação com as medidas que podem aliviar essa contaminação. Por exemplo, poderia estar prevenindo os motoristas com medidas administrativas seja pela redução de pessoas circulando, com barreiras fiscais”.  

O procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho em Pernambuco, Leonardo Mendonça,  observou que há uma grande dificuldade da Prefeitura e de  outros órgãos em relação a definição das categorias de vacinação. "O escalonamento é definido por um plano nacional feito pelo Governo Federal. O Ministério do Trabalho está preocupado, participa de todas as discussões do plano nacional, sempre defendendo a importância de vacinar esses trabalhadores como prioridade. Temos várias demandas e uma que tem surgido fala sobre a importância das empresas incluírem a possibilidade do risco da covid-19 ser doença ocupacional. A pessoa pode ter a covid por outras formas, mas é evidente que quem está sujeito à condições de trabalho com grande circulação de pessoas é muito provável que a doença seja ocasionada por sua atividade".

 Mendonça ressaltou a notoriedade de um trabalho em conjunto para que seja definida o tipo de máscara adequada a ser utilizada na empresa. "É importante que o setor de engenharia, medicina e segurança do trabalho analisem as máscaras que devem ser usadas pelos trabalhadores. Se a máscara for a mais cara, paciência, tem que comprar independente do preço", finalizou.

Encaminhamentos - Ao final da reunião, a presidente da Comissão de Direitos Humanos, Michele Collins,  deu alguns encaminhamentos a serem feitos: solicitação para as empresas que operam no sistema da portaria conjunta 20/2020 que estabeleçam medidas de prevenção, controle e mitigação dos riscos da covid-19; reforço para iniciativas de diminuição do risco de contágio às pessoas que atuam nos terminais e estações de metrô; apelo para que as empresas da área reconheçam a covid-19 como doença ocupacional; realização de convênio com profissionais da medicina, engenharia e segurança do trabalho para realização de estudo técnico da máscara para ser disponibilizada aos profissionais;  previsão de quando a CBTU vai adquirir as máscaras PFF2 e inclusão dos organizadores de filas e fiscais de ônibus na vacinação.

 

Em 07.06.21