Frente pela Renda Básica dialoga com movimentos sociais

Sem a participação deles, não se pode falar em implementação de políticas públicas que garantam o exercício dos direitos individuais, coletivos e sociais. Os movimentos sociais, indispensáveis para o exercício da democracia, foram ouvidos, através de alguns representantes, pela Frente Parlamentar pela Renda Básica da Câmara Municipal do Recife, em reunião virtual realizada na manhã desta quinta-feira (10), dentro da programação do “Mês Pela Renda Básica”. O objetivo deste e de outros encontros é dialogar e ouvir especialistas no tema, de diversos segmentos da sociedade, como universidades, sindicatos, associações, dentre outras entidades, para se elaborar uma proposta a ser apresentada aos poderes constituídos do município do Recife.

Esta foi a primeira reunião da Frente Parlamentar pela Renda Básica com representantes de movimentos sociais, mas foi anunciado que haverá uma segunda ainda este mês. O lema da reunião, presidida pela vereadora Dani Portela (PSol), foi “vacina no braço e comida no prato”, que é o mesmo que tem ecoado nos protestos de rua que pedem a adoção de uma renda básica para as populações vulneráveis. Lideranças e representantes de movimentos sociais pernambucano participaram dos debates. Entre eles, o representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Rud Rafael;  do Movimento Unificado dos Sem Teto (MUST), Severino Nascimento  (conhecido como Faustão);  do Movimento Negro Unificado (MNU), Ieda Leal e Arnaldo Vicente da Silva Filho; do  Movimento dos Trabalhadores Sem terra (MST), Paulo Mansan, do Armazém do Campo;  Frente Brasil Popular, Gleisa Campignotto; Consulta Popular / MTD, José Santos;  União Nacional dos Estudantes (UNE), João Victor; e União da Juventude Socialista (UJS), Laleska.

Na saudação aos participantes, a vereadora Dani Portela disse que “não se pode pensar em renda básica, nesta cidade, sem antes promovermos um amplo diálogo com vocês”, afirmou.  Segundo ela, tudo o que foi debatido será considerado e sistematizado, visando a construção de um projeto de lei com políticas públicas com foco na renda básica. “Como diz o presidente desta Frente, vereador Rinaldo Junior (PSB), que não pode participar desta reunião, o projeto que for elaborado no final das escutas, terá o DNA de cada pessoa que veio aqui para dar sua contribuição. Não será um projeto de lei dos vereadores do Recife, mas do conjunto da sociedade”. A vereadora ressaltou que o projeto de lei deverá ser “coletivo e exequível dentro do orçamento municipal”.

Ela lembrou que o debate sobre a renda básica não é novo, mas que a pandemia aprofundou ainda mais as desigualdades sociais. “Vivemos não somente uma crise sanitária, econômica e social, mas também humanitária. E é preciso vontade política para sairmos dela”. Dani Portela considerou que a crise tem atingido as pessoas de forma desigual e que os mais atingidos pelo desemprego e pela fome são os pobres da periferia, sobretudo as mulheres negras. “Para superarmos este momento tem sido importante o papel dos movimentos sociais, como o MST, que muitas vezes tem feito o papel do Estado, para aliviar a insegurança alimentar da população. Mas, as frentes e os movimentos têm que se organizar na cobrança de mais alimento e renda básica. Queremos mais comida no prato e vacina no braço”.

Além de Dani Portela, participaram da reunião os vereadores Ivan Moraes (PSol), Cida Pedrosa (PCdoB), Hélio Guabiraba (PSB) e Liana Cirne (PT). “Na última terça-feira, aprovamos o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), em reunião Ordinária. E a lei incluiu uma emenda que prevê a destinação orçamentária para programas de renda básica no próximo ano. Foi um ganho importante dos vereadores que compõem esta Frente. Enquanto isso, prosseguimos com as reuniões, realizando as escutas para elaborarmos um amplo projeto de lei da renda  básica”, anunciou Liana Cirne.

O vereador Hélio Guabiraba (PSB) agradeceu pela participação das lideranças e representantes dos movimentos populares na reunião. “Vocês vivem o dia a dia das pessoas e estão trabalhando junto aos mais necessitados, dando contribuições para diminuir os problemas sociais. As propostas de vocês serão as nossas, também”. Já o vereador Ivan Moraes (PSol) preferiu falar no final da reunião e comentou a explanação de cada um dos participantes. No final, citou uma teoria do livro que está lendo, "Utopia para realistas", de economista holandês Rutger Bregman: “O holandês mostra que, para mudarmos o atual cenário econômico do mundo e reduzir a pobreza, precisaremos de renda básica universal, redução de carga horária de trabalho e fim de fronteiras. Parece ousado, mas é sua teoria econômica”. Ivan Moraes lembrou observou que, com base nas propostas dos representantes dos movimentos sociais, será elaborado “um projeto de lei possível, dentro do orçamento municipal, mas para aprovarmos, precisaremos de mobilização social”.

A renda básica discutida pela Frente Parlamentar pela Renda Básica da Câmara Municipal do Recife tem ampla repercussão nos movimentos populares de todo o País. Quem disse isso foi a representantes do Movimento Negro Unificado (MNU), Ieda Leal. “O entendimento desta Frente interessa a todos porque discutir a renda básica representa discutir garantia de vida para a população. Neste momento sanitário e político tão difícil, ter um olhar de renda básica é garantir vida, garantir comida no prato. E também vacina no braço”. Ieda Leal entende que as políticas de renda básica, com transferências do poder público, dependerão de “muita luta nas ruas” e que é preciso lutar não somente por renda emergencial, mas também uma renda permanente. Outro representantes do MNU, Arnaldo Vicente da Silva Filho, fez considerações sobre a questão alimentar e a educação e disse que muitas crianças pobres da periferia do Recife iam para as escolas para receber a merenda escolar. Com as aulas virtuais, ele teme que essas crianças estejam totalmente desamparadas.

O representante do Movimento dos Trabalhadores Sem terra (MST), Paulo Mansan, que faz parte do Armazém do Campo, falou da importância de se discutir a renda básica. “Essa é uma luta histórica dos movimentos sociais e é também uma semente para ajudar a diminuir as desigualdades sociais”, porém, ele acha que ainda há muito a ser feito. Desde março, o MST, com o apoio da Fiocruz e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) vem desenvolvendo a campanha "Mãos Solidárias da Periferia Viva" em 45 comunidades do Recife. “E assim, estamos vendo de perto o crescimento da fome no Recife e na Região Metropolitana”. Através da Cozinha Solidária do MST já foram distribuídas cerca de 600 mil marmitas para a população de rua. “Há uma população fixa e rotativa. A fome aumenta em larga escala: no ultimo mês, 16 pessoas que receberam marmitas nas ruas do Recife eram de Lagoa de Taenga e outras cinco de Arapiraca, Alagoas. Acolhemos a todos”, disse. Outro sintoma de que a fome está aumentando, disse ele, é o surgimento de novas palafitas na bacia do Pina.

Componente da Frente Brasil Popular, Gleisa Campignotto, disse que , junto com a Frente do Povo sem Medo, lançaram, em março a campanha popular pela renda básica e que conta com mais de 60 organizações populares do Recife. “Entendemos a importância de termos essa campanha, mas também sabemos que é importante ampliarmos a participação em outras frentes, como esta da Câmara. Quando andamos de mãos dadas com os poderes públicos, podemos construir políticas que atendem a população”.  Já o representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Rud Rafael, que também está incorporado à frente popular, disse que é importante inverter a lógica dos investimentos públicos, de forma que os orçamentos sirvam à população. “Não podemos ser conivente com a atual lógica, com esse projeto genocida. Nós não vamos entrar para a história como aqueles que foram coniventes.  Uma renda básica permanente é o ponto de partida para enfrentarmos essa situação”.

O representante do Movimento Unificado dos Sem Teto (MUST), Severino Nascimento, que é conhecido como Faustão, observou que, nesta pandemia, tem visto “dentro do movimento a situação de muitos companheiros e companheiras que têm vivenciado a situação da crise de forma muito dura”. Há pessoas, segundo ele, que não conseguem apoio ou mesmo serem atendidos em postos de saúde, porque não têm comprovante de residência. “A sociedade vive um processo de ódio contra os pobres. É algo inimaginável. Ao mesmo tempo, estamos num processo de  empobrecimento da população e as políticas são de exclusão”. Segundo ele, há cerca de 100 mil recifenses sem casa. “As principais vítimas de todo essa crise são as pessoas negras e da periferia. Aliás, negros e pobres da periferia são tratados como animais porque reivindicamos vacina e comida. Haja vista a última manifestação de rua do Recife que pediam exatamente isso”.

Componente  do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos (MTD) e da Consulta Popular, José Santos, afirmou que estamos vivendo “uma desigualdade social gritante”. Ele assegurou que Pernambuco é um dos Estados que tem o mais alto grau de concentração de renda e que o Recife se destaca nas estatísticas, “pois numa população de 1,5 milhão de moradores, 350 mil pessoas vivem abaixo da linha de pobreza. Mais 200 mil vivem com menos de 300 reais de acordo com dados do Ministério da Cidadania”. No ano passado, 800 mil recifenses, disse ele, não receberam auxílio emergencial. “Essas pessoas deixaram de receber o auxilio e as mais atingidas são as mulheres, negras”.

O estudante João Victor, que é uma das lideranças da União Nacional dos Estudantes em Pernambuco (UNE/ UPE), acrescentou que os jovens estudantes também são vítimas preferenciais desta crise. “O jovem brasileiro está mais triste e mais pobre. A juventude que está entrando no mercado de emprego agora, já vê a renda esfacelada. Muitos jovens  trabalhavam para manter faculdades e tiveram que largar os estudos”, afirmou. Segundo ele, cerca de 600 mil estudantes de escolas superiores da rede privada, em todo o Brasil, deixaram os estudos desde o ano passado porque não podem pagar as mensalidades. “Os jovens têm que ajudar a  família neste momento de crise”. A também estudante Laleska, da União da Juventude Socialista (UJS), lamentou que muitas pessoas ainda tenham o discursos de que “renda mínima faz com que as pessoas fiquem preguiçosas e que o Estado pode quebrar com essas despesas”. Para ela, muitas pessoas estão em situação de miséria e precisam de uma renda para comprar alimentos e reiniciar o planejamento de suas vidas.

A Frente Parlamentar pela Renda Básica foi instalada na Câmara Municipal do Recife no dia 15 de março de 2021, através de projeto de resolução de autoria do vereador Rinaldo Junior (PSB), que é presidente do colegiado.  As suas reuniões são públicas, abertas à participação da sociedade civil, e são realizadas periodicamente. A Frente tem diversos objetivos, entre eles propor, discutir, incentivar, implementar, acompanhar e fiscalizar políticas públicas relacionadas às desigualdade sociais e a renda básica no município do Recife, abrangendo aspectos culturais, sociais e educacionais, além de colaborar com entidades representativas para o encaminhamento de propostas, estudos, relatórios e demais documentos pertinentes à renda básica e aos órgãos competentes.


Em 10.06.2021.