Necessidade de assistência a quem tem doença celíaca no Recife foi tema de audiência pública

Muitas pessoas desconhecem que têm a doença celíaca. Por isso, é importante a disseminação e o compartilhamento de informações sobre a alergia ao glúten, os sintomas, tratamento adequado e o benefício da terapêutica para combater o problema. Foi esse o teor da audiência pública virtual realizada nesta sexta-feira (18), na Câmara do Recife, por iniciativa da vereadora Ana Lúcia (Republicanos). Ela debateu o tema "A necessidade de assistência aos portadores de doença celíaca no município do Recife", que contou com a presença da vereadora e presidente da Comissão de Saúde, Natália de Menudo (PSB); vereador Tadeu Calheiros (Podemos) e representantes da área de saúde.

Ana Lúcia considerou que pretende fazer um projeto de lei para definição de políticas públicas que possam “empoderar a população de informações e que permitam buscar diagnóstico para a doença na rede de saúde pública”. Ela também disse entender que o poder público pode adotar, no cardápio escolar, uma merenda diferenciada nas escolas de forma a proteger os alunos, pois muitas vezes a doença se manifesta na infância.

Sendo uma doença crônica, a doença celíaca acaba por não ter tratamento específico e é caracterizada pela intolerância ao glúten presente nos alimentos. Ela acontece porque o corpo não produz ou produz pouca enzima capaz de degradá-lo, provocando lesões no intestino. A doença pode ser manifestada nos bebês a partir dos seis meses de idade, ou até mesmo durante a vida adulta. 

Diagnóstico - A audiência pública começou com o depoimento da presidente da Aliança de Mães e Famílias Raras (AMAR), Adriana Costa. Ela falou de suas dificuldades como mãe para descobrir o diagnóstico da doença celíaca da filha. Foram 10 anos de ansiedade, angústia e medo. “Minha filha hoje tem 17 anos e só descobrimos a doença dela aos 10. até então, foram muitas idas e vindas ao hospital. Eu não sabia nem o que era glúten". De acordo com a Adriana, a filha sentia muitas dores, mas também havia um efeito dominó. Ela tinha crises de asmas, fazia nebulizações, desenvolveu alergia no olho. "Além disso, vivia constipada ou tinha diarréias constantes. Gastei muito com especialistas", explicou. 

Costa afirmou que houve um pediatra que chegou a cogitar que o problema era psiquiátrico. "O que eu mais lamento é que os médicos não me davam ouvidos. Numa das vezes que minha filha comeu aveia e teve dores, eu disse ao médico que poderia ter sido a aveia. Ele não levou em conta". Numa crise forte, a garota tomou até morfina e terminou sendo medicada pela pediatra Maria Betânia de Queiroz. "Foi o meu anjo. Ela que descobriu que poderia ser a doença celíaca. Mandou suspender toda a alimentação à base de leite, mas também que tivesse trigo, cevada, aveia e glúten". A filha, hoje com 17 anos, nunca mais teve crises.

O especialista em gastroenterologia, Dr. Carlos Gantois disse que a doença celíaca é antiga, mas que vem sendo estudada há pouco tempo, motivo pelo qual ainda é pouco conhecida por grande parte dos médicos brasileiros. Segundo ele, a doença tem um componente genético que a faz ser autoimune. "A infecção ocorre porque o glúten é identificado pelo organismo como inimigo. Ele ataca a mucosa do intestino, que são as áreas responsáveis para absorver vitaminas". Conforme o médico, estima-se que 1% da população tem a doença, que é de difícil diagnóstico, pois nem sempre tem manifestação clara. Há sintomas clássicos (com diarreia) e nem sempre os médicos pensam no diagnóstico da doença celíaca. "Os médicos investigam diversas situações até chegar ao final".

Gantois observou que o diagnóstico da doença é sempre feito por médicos, e que é preciso fazer alguns testes. "Há mecanismos como marcadores sorológicos para identificar a alteração de mucosa", disse. Ele acrescentou que o diagnóstico também é feito a partir de biópsia de tecido do duodeno. "Em geral, o tratamento eficaz é feito com a dieta de glúten ao longo da vida inteira, pois é uma doença crônica", explicou.

Glúten - A nutricionista Renata Puppin, professora do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília (UnB) também debateu o tema. Ela disse que as pessoas alérgicas (a trigo, aveia, cevada e centeio) possivelmente terão o problema durante a vida inteira e que ela não pode se dar ao prazer “de experimentar de vez em quando” comidas com glúten. Outra coisa que ela ressaltou é que a forma de preparo dos alimentos pode contaminá-los com glúten, assim como o local de preparação. “Às vezes a comida não contém glúten, como o feijão ou a carne, mas o molho tem. É o que chamamos de alimentação cruzada ou com inclusão de farinha de trigo”. Muitas vezes, segundo ela, o local onde se prepara a alimentação pode não ser seguro para o celíaco.

Em termos de políticas públicas para o atendimento às pessoas com alergia ao glúten, a nutricionista disse que o Brasil é “bem classificável”, mas que não há um atendimento satisfatório e igual em todos os estados. Uma das grandes dificuldades para quem tem alergia, segundo ela, é que os alimentos que não contém glúten são muito caros.

O vereador Tadeu Calheiros (Podemos), que também é médico, participou da audiência pública e falou da importância da realização dos exames  para detectar a doença. “Há pacientes que só têm o diagnóstico depois de vários exames. Muitas vezes os sintomas são confundidos com parasitoses, causas gástricas e intestinais”. Ele defendeu que é importante a adoção de políticas públicas visando disponibilizar informações sobre a doença celíaca, na rede pública de saúde. “Só conseguimos ter diagnóstico quando se tem conhecimento”. O vereador argumentou, ainda, que o poder público pode ajudar no combate à doença através de projetos de lei que disponham sobre a necessidade de se fazer cardápio diferenciado para a merenda escolar e dietas diferenciadas nas escolas.

A vereadora Natália de Menudo contou que, enquanto presidente da Comissão de Saúde, se sente na responsabilidade de entrar na discussão de políticas públicas que favoreçam pessoas celíacas. "Essa problemática envolve muitas questões que partem do acesso à informação, ao tratamento com medicamentos, reeducação alimentar, outras formas de nutrição e o condicionamento da indústria alimentar para trazer as informações claras nos rótulos dos produtos". A parlamentar citou a Lei federal nº 10.643 de 16 de maio de 2003 que obriga que os fabricantes informem nos rótulos das comidas a presença ou não do glúten, "para resguardar o direito à saúde dos portadores de doença celíaca". "Contudo, ainda flagramos produtos que não atendem as informações trazidas no bojo da lei", lamentou.   

A representante da Gerência de Políticas Transversais da Secretaria de Saúde do município, Renata Morais, ressaltou a importância do diagnóstico prévio da doença celíaca. Ela disse ter levantado dados com os pares em relação a assistência dada pela rede publica de saúde. "A gente tem disponível o serviço gastropediatra no Hospital Maria Lucinda, que absorve essa demanda infantil, e o serviço de nutrição, distribuindo em dois territórios nossos".

Renata explicou que os servidos oferecidos para a doença são necessários na maioria dos casos. "Ele dá conta dessas necessidades, mas quando a gente joga luz para uma situação que tem alguma coisa debaixo do tapete que e a gente não energa, hoje a gente tem essa audiência para discutir o diagnóstico precoce. Vindo da atenção básica, a gente não pode deixar de destacar a importância de trazer relevância ao tema da atenção básica com tantas atividades e ações educativas que temos e podem incorporar nessa relevância", informou. 

Em 18.06.21