Audiência discute instalação polêmica de shopping na praça de Casa Forte

A instalação de um shopping na praça de Casa Forte preocupa moradores da região, que dizem não ter sido consultados sobre a obra e apontam irregularidades em seu licenciamento. Por esse motivo, a Câmara do Recife promoveu uma audiência pública nesta terça-feira (17) para discutir o tema por meio de videoconferência. A iniciativa do debate partiu do vereador Ivan Moraes (PSOL), por solicitação do coletivo social Amo Poço-Forte.

O empreendimento impacta duas áreas de interesse urbanístico: a Praça de Casa Forte, primeiro projeto de jardim público do paisagista Burle Marx, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); e o sítio histórico Poço da Panela, considerado Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural (ZEPH).

“Esta é uma audiência pública demandada pela sociedade civil para conversar sobre uma obra que já foi licenciada pela Prefeitura, mas que tem causado uma polêmica entre os moradores dos bairros de Poço da Panela, Casa Forte e adjacências. É o projeto Burle Marx Open Mall, que reformará a área do Hospital Gomes Maranhão, no Poço da Panela, dando lugar a um conjunto de lojas, salas comerciais, escritórios, centro gastronômico e minimercado”, disse Ivan Moraes ao dar início à audiência.

O parlamentar frisou que os problemas encontrados na aprovação da obra vão da falta de consulta pública e transparência a possíveis violações a regulamentos urbanísticos. “Foi aprovado pela Prefeitura, mas denúncias de moradores e moradoras demonstram que a proposta, que não foi discutida com a comunidade, vai causar impacto ambiental e de mobilidade no Poço da Panela e em bairros circunvizinhos. Também há denúncia de irregularidades no projeto. Apesar de ser considerado uma reforma, é um novo empreendimento que quase dobra a área já existente”.

Participação e legislação - Morador do Poço da Panela e integrante do Amo Poço-Forte, Gabriel Furtado apresentou um vídeo indicando os problemas do novo shopping, que contrastaria com a área de preservação histórica próxima ao local. Segundo o material, a reforma vai possibilitar a construção de um imóvel de até 15 metros, quando 8,5 metros é o limite de altura da área, conforme o tombamento da praça. A taxa de solo natural de 60% exigida pela lei dos 12 bairros, que rege o local, também não teria sido respeitada pelo projeto, que prevê uma taxa cerca de 40%.

Para Furtado, um dos principais problemas encontrados é que, além de não ter havido participação pública na discussão do projeto, ele traz mais impactos que uma simples reforma do local. “Como é um empreendimento de impacto, a lei direciona que especialmente a população da vizinhança deverá ser informada sobre ele. Isso não aconteceu, tampouco uma escuta. Não pudemos fazer nenhuma consideração”, afirmou. “Diante desse fato, procuramos profissionais da área. No nosso entender, esse não é um projeto de reforma. Acreditamos que um empreendimento desse porte vai gerar um grande impacto na cultura histórica do bairro e na mobilidade do entorno. Não somos contra o desenvolvimento. somos até interessados. O que não pode acontecer é um desenvolvimento que não respeite as normas que harmonizam interesses”.

O Instituto dos Arquitetos e Arquitetas do Brasil (IAB) foi representado na audiência por Vitor Araripe. Ele indicou que orientações elaboradas pelo poder público para o empreendimento não foram consideradas e que a obra teria sido apresentada como “reforma com acréscimo de área” erroneamente para que não fossem observados os limites legais da lei dos 12 bairros e do tombamento da praça de Casa Forte. “É muito difícil sustentar o enquadramento do empreendimento como uma reforma. Ele quase dobra a área construída da edificação e ainda demanda a demolição de grande parte dela. É para flexibilizar os parâmetros, para que o empreendimento não precise seguir os parâmetros urbanísticos definidos na lei. O próprio estudo feito pelo empreendedor fala claramente que o imóvel será substituído, ou seja, demolido”.

História, paisagem e o legado de Burle Marx - Representando o Laboratório de Urbanismo e Patrimônio da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a pesquisadora Natália Vieira expôs uma apresentação digital com considerações sobre o enquadramento do Burle Marx Open Mall como “reforma” e a relação do shopping com o entorno, uma vez que sua porta de entrada deverá ser voltada para a ZEPH Poço da Panela. De acordo com ela, por substituir a antiga construção por uma nova que tem um formato de único bloco, o imóvel estaria em desacordo com a área circundante.

A professora da UFPE também afirmou que, atualmente, a Prefeitura trabalha com um procedimento de aceitar, sem análise, a declaração de empreendedores quanto à qualificação do projeto como reforma ou construção de novo imóvel. “As imagens são muito claras. É um projeto absolutamente novo. Isso fica mais evidente quando se trata de um projeto em uma área ambientalmente tão sensível”. Outro ponto levantado por ela foi a falta de consulta ao Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC), que propõe estender a Zona de Preservação até o local do terreno. “Se a Prefeitura realiza uma orientação prévia que diz que é preciso levar em conta os conceitos em desenvolvimento da revisão do Plano Diretor, por que os técnicos da DPPC não foram consultados?”

A pesquisadora Lúcia Veras trouxe à audiência as contribuições do Laboratório da Paisagem, também da UFPE. Ela falou sobre um parecer da entidade feito em maio deste ano a respeito das características da praça de Casa Forte enquanto um monumento urbano. “Em 2015, o Iphan reconheceu a praça como um patrimônio brasileiro. E, em 2016, ela foi reconhecida como jardim histórico”, relembrou.

As classificações sedimentaram a necessidade de adequação do entorno da praça, incluindo o terreno do antigo Hospital Gomes Maranhão. “A localização do shopping é no Setor 1 da poligonal de tombamento, que tem o critério mais rigoroso. Isso implica em vários requisitos para qualquer projeto de reforma ou novos projetos, entre eles os 60% de área verde e os 8,5 m de altura”, confirmou a professora. “O empreendimento pode, ainda, gerar conflitos com o instrumento da Prefeitura que declara a praça como Jardim Histórico: poluição sonora, poluição atmosférica, aumento na intensidade do trânsito. Em relação ao projeto paisagístico, o projeto não faz relação nenhuma com a praça. Burle Marx projetava de forma harmônica com o lugar, um conceito que não encontramos no Burle Marx Open Mall”.

Antonio Campos, diretor-presidente da Fundação Joaquim Nabuco, disse que a Fundaj tem se posicionado em relação ao empreendimento. “A Fundação reconhece que tem um papel em defesa do patrimônio histórico. E a forma como se apresenta o projeto atual interfere no paisagismo. O projeto trará prejuízo, sim, aos moradores e pedimos que seja revisto. Interfere na mobilidade e praça de Casa Forte. Estamos procurando a família de Burle Marx porque o projeto é a antítese de sua obra. E não se trata de uma reforma. É uma obra que agride”.

Marcelo Albuquerque, representante do IPHAN ressaltou que duas questões precisam ser observadas. “A primeira se refere à questão da revisão do projeto em função das mudanças que houve em relação à fachada. A segunda em relação ao enquadramento do empreendimento como reforma. Na época do imóvel do hospital não tinha área de solo natural. E a proposta é para aumentar essa área. O Iphan aprovou um projeto de reforma e tem autonomia de fazer a sua interpretação e respeita os encaminhamentos feitos pela Prefeitura.  A ideia da preexistência foi levada em consideração. Mais de 30 palmeiras serão colocadas e nós não fazemos aprovação de projetos no quesito de qualidade ou ausência de estética”.  

Taciana Sotto-Mayor, representando a Secretaria de Controle Urbano, disse que o projeto foi acatado em relação à proposta de enquadramento como reforma em todas as instâncias de análise. “A reforma, por definição, é o nome que se dá a uma mudança de forma, na natureza ou no tamanho de algo afim de aprimorar. Também consta na Lei Municipal o critério de reforma observamos é algo muito genérico. Temos que fazer uma análise da situação caso a caso. Como existe uma edificação no local, comprometendo a paisagem com sua volumetria e impermeabilização do solo. A edificação que surgirá lá traz melhorias para o lugar e se aproxima de uma nova normatização. Com relação ao solo natural, foi apresentado 45% com mais 15% de plantação de árvores, somando mais de 60% de vegetação”.    

A deputada Carol Vergulino, do Juntas Codeputadas, questionou se os moradores do Poço da Panela necessitavam de um shopping no local. “A um quilômetro desse ponto que está sendo programado esse shopping já tem um centro de compras. O Poço da Panela precisa é de creche. Se tivessem procurado a comunidade, saberiam que ela precisa de um espaço para que artistas da comunidade exponham suas obras. Ou um espaço cultural para o Boi Marinho, de Helder Vasconcelos. Precisamos nos perguntar o modelo de cidade que estamos construindo”.         

Acompanhando a audiência, o deputado estadual João Paulo disse que era importante o diálogo pela gestão. “Parabenizo toda a comunidade e acho importante que o poder público esteja sempre aberto para conciliar os interesses de desenvolvimento econômico, da geração de emprego e renda, mas, acima de tudo, os interesses pela preservação e da comunidade. Quando não se tem esses cuidados, o projeto pode se inviabilizar ou inviabilizar a vida de muitas pessoas. Casa Forte é um bairro extremamente adensado com problemas de trânsito gravíssimos. Para sair ou entrar no local nos horários de pico é terrível e acho que a reflexão com o empreendimento é muito valorosa”.         

Após os debates dos integrantes da mesa, vários moradores expuseram suas opiniões.  Como encaminhamentos foram sugeridos alguns pontos, dentre eles: a necessidade em investir na revisão do quesito de reforma nos imóveis do Recife; comprometimento da Prefeitura em cumprir a orientação prévia em relação ao estudo de impacto de vizinhança nos moldes do Plano Diretor. Além disso, levar em consideração os estudos da fachada ativa, impermeabilidade do terreno e a revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo.

Em resposta aos encaminhamentos, Taciana Sotto-Mayor enalteceu que o projeto cumpriu todas as regras de licenciamento. O estudo de impacto da vizinhança foi realizado e anexado ao processo. “Com relação à fachada ativa, de fato esse item não foi atendido, mas foi colocado no parecer urbanístico submetido ao Conselho de Desenvolvimento Urbano-CDU. Foi esclarecido que se fossem abertas todas as portas das lojas, transformando em fachada ativa, prejudicaria o solo natural. E foi entendido que a proposta cumpria o seu papel. A fachada é toda aberta com interação visual. Por fim, não sendo reforma esse empreendimento, se o tratássemos como inicial, teríamos de diferente o gabarito. Um projeto paisagístico também está no processo com equipes de arquitetos e paisagistas envolvidos”.          

Em 17.08.21