Câmara discute cotas raciais para concursos públicos
Dani Portela destacou a importância das cotas raciais. “É uma pauta histórica dos movimentos negros, pois representa uma das mais importantes políticas públicas de ações afirmativas que atuam no enfrentamento direto das desigualdades raciais”, afirmou. Ela também citou números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2018, que mostram que 64% da população recifense é composta por negros e pardos. “É justamente o povo que ocupa o trabalho informal e, muitas vezes, o desemprego. O município precisa se comprometer efetivamente com a redução das desigualdades raciais e sociais existentes”.
A parlamentar é autora do projeto de lei número 56/2021 que regulamenta o inciso 21, do artigo 63 da Lei Orgânica do Recife, para reservar à população da raça negra 20% das vagas oferecidas para provimento de cargos na estrutura da administração pública da cidade. A proposição está em tramitação nas Comissões da Câmara Municipal.
A vereadora afirmou que, com a aprovação do projeto na Casa e a sanção da proposição pelo prefeito do Recife, para que se torne lei, firmará um importante instrumento dentro do serviço público. Ela lembrou que ocorreu recentemente uma seleção simplificada na Secretaria de Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Juventude e Políticas de Drogas que não teve a política de cotas. “A seleção simplificada é de 19 de junho deste ano, para contratação temporária de profissionais, como psicólogos e assistentes sociais – onde, mais uma vez, não foi cumprida a política de cotas”.
A audiência pública contou com diversos integrantes de entidades que lutam pela igualdade racial e teceram comentários sobre o assunto. Representante da Articulação Negra de Pernambuco (Anepe), Aline Mendes, problematizou a não aplicabilidade das cotas raciais nos concursos e seleções públicas. "O argumento jurídico para se negar cotas é inconstitucional, apesar de usarem o argumento da ilegalidade, fere vários princípios e direitos fundamentais, tanto como administração pública como a própria constitucionalidade. A Prefeitura poderia seguir as cotas mínimas determinadas pela União, que nunca foi um direito dado, foi um direito conquistado através de muita luta do movimento negro", pontuou.
Citando fatos históricos da luta contra a escravidão negra o Brasil, Joaninha Dias, da Rede de Mulheres Negras, afirmou que "pessoas pretas ainda continuam no processo de busca pelo trabalho com dignidade". Ela criticou a não efetivação de cotas nos concursos públicos da cidade. ”Isso é somente a prova da organização e convivência com a estrutura racista que a gente vivencia hoje. Quero entender o que o Executivo fará em um curto espaço de tempo para compensar a dívida histórica", questionou.
Eficiência e pluralidade foram questões destacadas por Chiara Ramos, da Abayomi Juristas Negras, que enalteceu a força do trabalho da mulher nos mais variados espaços. “Mesmo diante de todas as adversidades as mulheres negras conseguem produzir substancialmente. É preciso que reconheçamos que existe uma potência transformadora que não pode ser ignorada. É fundamental que a administração pública entenda que a eficiência está na pluralidade".
Representando o Coletivo Quilombo Marielle Franco, José Victor, estudante do curso de direito da Unicap, iniciou a sua fala com questionamentos: “Que lugar vai ter para mim quando eu concluir a minha graduação? Que lugares já não são reservados para pessoas brancas quando elas concluem a universidade?”. Ele criticou também “as dificuldades pela ausência de políticas públicas e de permanência dentro da universidade”, o que mostra em sua visão que esses espaços não são pensados para essa juventude negra.
Por sua vez, a secretária-Executiva de Direitos Humanos, Elizabete Godinho, destacou a relevância do encontro e a pertinência do tema. Disse que, “pela primeira vez, consta no âmbito da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um conteúdo que se refere às prioridades e metas do Poder Legislativo e dentro dessas prioridades: legislar para promoção de políticas de ação afirmativa para a população negra nos concursos públicos e de seleção de trabalhadores no município; e promover a regulamentação do inciso 21 do artigo 63 da Lei Orgânica que estabelece a reserva de percentual nos concursos públicos”.
Ela considerou ser fundamental que a Lei Orgânica dê a condição prática para a efetividade de uma proposição como o projeto de lei da vereadora Dani Portela, “que vai assegurar uma tomada de cumprimento da normativa que se refere a uma necessidade”.
Sobre a recente seleção simplificada na Secretaria de Desenvolvimento Social, ela disse que “uma consulta foi encaminhada acerca da proposta para colocar no edital o percentual e não obtivemos um parecer favorável naquele momento. Sob pena de impugnação do edital, o pleito não foi contemplado”.
Também enalteceu os movimentos sociais como garantia da efetivação dos direitos. “Não existe Estado forte, sem uma sociedade civil fortalecida. Então, muito do que se espera do Estado está, realmente, no poder de pressão da sociedade. Por reconhecer essa força dos movimentos, entendemos que esse é o caminho que vai levar às quebras de barreiras, afirmar compromissos e favorecer diálogos”.
Encaminhamentos - Ao final da audiência, Dani Portela informou que o debate resultará em um documento para cobrar a sanção do prefeito do projeto de lei que regulamenta a reserva de vagas nas seleções simplificadas e nos concursos públicos no Recife.
Em 12.08.21