Comissão de Educação debate gestão de equipamentos culturais em audiência
Ao dar início à audiência, Ana Lúcia contou que a ideia do evento surgiu após uma reunião com setores do meio cultural que defendem um novo modelo de administração para o Santa Isabel. “A Comissão está de portas abertas e as pessoas apresentam suas pautas e daí surgem os encaminhamentos. Esta audiência surgiu da demanda de um grupo que recebemos com o maestro Wendell Kettle, que sempre trouxe para nós debates importantes sobre a Orquestra Sinfônica do Recife. Nesta audiência, ampliamos a questão para tratar da gestão dos equipamentos culturais da nossa cidade”.
Vice-presidente do colegiado, a vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) frisou que a audiência pública é uma oportunidade para ouvir as vozes que fazem a cultura recifense. “A Comissão de Educação foi procurada por um grupo de fazedores de cultura que apresentaram um projeto de gestão do Teatro do Parque e da Orquestra Sinfônica do Recife. Decidimos que a melhor forma de discutir seria ampliar a questão para debater equipamentos públicos. Precisamos pensar de que forma esses equipamentos terão uma participação popular. Hoje, o Teatro do Parque tem uma comissão de acompanhamento em que participa a sociedade civil. E este é mais um momento de escuta”.
O maestro Wendell Kettle é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro da recém-criada Associação Pernambucana de Ópera, Dança Cênica e Música de Concerto, da Academia de Ópera e Repertório da UFPE e da Sinfonia da UFPE. Ele destacou o trabalho realizado por essas entidades e explicou como um novo modelo de gestão do Teatro de Santa Isabel pode fortalecer a música operística recifense.
“Nós lutamos pelo fortalecimento do nosso setor. E aí temos elementos importantes. Um deles é a profissionalização dos cantores líricos, dos profissionais da dança e dos músicos de orquestra, que há muito tempo não têm a oportunidade de um concurso ou qualquer outra opção para a profissionalização. Desse modo, o nosso projeto prevê um teatro nos moldes dos principais teatros do País, numa programação com orquestra, corpo de dança, incluindo grupos jovens e infantojuvenis”, disse. “Outro pontos são a inovação, que é o acoplamento de novas tecnologias, em simbiose com o Porto Digital, e a integração das linguagens, sem qualquer tipo de exclusão”.
Representando o Conselho do Porto Digital, Geber Ramalho contou que a aproximação da organização com o projeto ocorreu pela oportunidade de unir forças pela revitalização do centro da cidade e pela expertise que o Porto acumulou de evitar a ‘fuga’ de profissionais qualificados. “Nos deixou muito sensíveis ver que músicos e dançarinos passam por um processo pelo qual passamos 20 anos atrás: a gente formava as pessoas e elas iam embora do Recife. A gente investe na formação dos artistas, mas eles não têm onde trabalhar aqui. E hoje, com o Porto Digital, temos pessoas [do setor de tecnologia] voltando para a cidade”.
Ramalho defendeu a criação de uma Organização Social (OS) para a gestão do Teatro de Santa Isabel. “ Seria ótimo que houvesse um concurso público, mas sabemos que não é fácil do ponto de vista da sustentação. Por isso, pensamos em uma gestão no mesmo modo do Porto Digital. A partir de uma associação sem fins lucrativos, o Porto Digital é certificado pelo Governo e tem um contrato de gestão. O Governo escolhe contratar uma organização social por várias razões: pela flexibilidade de contratação, pela governança com transparência”.
Membro do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Recife e presidente da Associação de Realizadores de Teatro de Pernambuco, Feliciano Félix apresentou algumas da preocupação do setor cultural com a possível mudança. De acordo com ele, a proposta ainda não foi debatida adequadamente com o setor e pode dificultar o acesso de profissionais de fora do circuito da ópera ao Teatro de Santa Isabel.
“Tomamos conhecimento por meio de uma publicação de revista. Isso fez com que as pessoas ficassem inquietas. O Conselho Municipal de Política Cultural do Recife e o Conselho Estadual de Política Cultural do Estado não tomaram conhecimento. Seria muito importante e ainda está em tempo de convidar os conselhos para que eles possam se inteirar do projeto, saber como ele afeta outras linguagens”, relatou. “É um projeto de ópera com um corpo de baile e uma orquestra estáveis, que precisam de espaço para ensaio, preparação, montagem e preparação. Então, mesmo que se tenha dito que todas as linguagens trabalharão de forma integrada e harmoniosa, as pessoas ficam preocupadas, pensando que talvez as outras linguagens fiquem de fora”.
Gestor do Sítio da Trindade, Nélio Fonseca expôs a sua experiência no parque que administra. Ele disse que lá vem sendo executada uma gestão tripartite, que envolve a educação tecnológica, incentivo à cultura e sustentabilidade. “A partir dessa gestão, mantemos conversas com diversos segmentos e universidades que permitem uma atuação ampla que vai das pesquisas de campo, abertura para apresentações culturais como teatro e dança, ocupação da concha acústica e garantia de espaço para a cultura popular. Na verdade, é uma abertura para o diálogo com a sociedade, para o fomento da cultura e das iniciativas ambientais. Neste momento da audiência, por exemplo, há oito estudantes fazendo pesquisas ambientais do âmbito do Sítio da Trindade”.
Diretora da Vlaanderen Produçōes Culturais, e diretora-executiva do Festival Amazonas de Ópera, Flávia Furtado se deteve sobre a sua experiência como gestora do festival amazonense há 18 anos. De acordo com ela, antes de o Teatro Amazonas ter se especializado em apresentações de óperas, era “apenas um teatro-museu fechado”. Com a mudança, o equipamento, localizado em Manaus, recebeu contribuições do Leste Europeu, que permitiram criar os corpos artísticos. “O que hoje presencio neste teatro é que, com a mudança, o entorno dele foi revitalizado. Foram inaugurados dez cafés e restaurantes, vários hotéis cinco estrelas, seis lojas de instrumentos musicais, lojas de tecidos, ferragem e tinta. Houve um impacto econômico imenso”.
Além desses impactos, a mudança para teatro de ópera, segundo Flávia Furtado, permitiu também um impulso junto ao turismo. “Manaus, hoje, faz parte de rotas de cruzeiros internacionais, sobretudo por causa da abertura dos hotéis. É certo que ninguém vem a Manaus para ver ópera, mas há uma cadeia de turismo, cultura e de artesanato que foi estimulada. São quatro meses de duração do festival de óperas e em todo o resto do ano tem apresentações da orquestra sinfônica, da jazz band, e dois grupos folclóricos. O Festival de Parintins também foi impulsionado pelo festival de óperas. Ou seja, o festival de óperas abriu espaços para todas as manifestações artísticas, o que garantiu abertura de novos negócios e de novos empregos”.
Em seguida, falou Diomar Silveira, diretor-presidente do Instituto Cultural Filarmônica – Organização Social, que é gestora da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Ele deu um depoimento reforçando o projeto de teatro de ópera proposto para o Santa Isabel pelo maestro Wendell Kettle. Diomar Silveira contribuiu dizendo que “o modelo de Organização Social (OS) na gestão da coisa pública está sendo uma experiência muito boa para a Filarmônica de Minas Gerais. Essa forma de gestão da orquestra aumentou a sua capacidade de realização da capacidade artística. Nós nos inspiramos no modelo da OSESP (de São Paulo), que é um modelo virtuoso em busca da qualidade do serviço cultural a se entregar à população”. Ele fez um breve histórico da mudança pela qual a orquestra de Minas Gerais passou e disse que o novo modelo de gestão da filarmônica vem dando certo há 13 anos.
“O terceiro setor tem sido um excelente parceiro da coisa pública e não pode ser confundido com privatização. Para que a orquestra contasse com a parceria, foi criada uma lei estadual de OS e de Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), que permite que as organizações da sociedade civil possam se qualificar”, disse.
Silveira observou que a transformação da orquestra partiu de uma decisão de política pública. “Na verdade, foi criada uma nova orquestra, gerida de maneira diferente da tradicional. Hoje, a orquestra é gerida por entidade da sociedade civil e por isso, pode-se escolher os melhores profissionais da música não só de Minas, como de todo o Brasil, contratando pela CLT”, afirmou.
Na sua participação, na audiência pública, o diretor do Teatro de Santa Isabel, Romildo Moreira, deteve-se na questão do projeto do teatro de óperas, proposto pelo maestro Wendell Kettle para o Santa Isabel. “Se esse projeto foi gestado na Universidade Federal de Pernambuco eu me questiono por que ele não foi acoplado à história da própria UFPE? Aquela universidade tem um centro de convenções e um teatro maravilhosos. Esse projeto poderia usar o teatro da UFPE, que não dá acesso à produção cultural local. Seria uma boa aposta se o projeto acontecesse naquele campus”, propôs.
Moreira rebateu outro ponto do projeto que prevê a revitalização de espaços no entorno do teatro. “Não temos como revitalizar o entorno do Santa Isabel porque não podemos mexer nos monumentos tombados pelo Patrimônio Histórico”, disse. De acordo com ele, o Santa Isabel está “firme” e mais de 70% da sua pauta é voltada para a produção teatral pernambucana, sobretudo de grupos da Região Metropolitana.
O diretor do Santa Isabel enumerou, ainda, a programação anual fixa do equipamento, em que constam cinco concertos de música clássica do Conservatório Pernambucano por ano. Também há, segundo ele, diversas apresentações da Orquestra Sinfônica, sempre às quartas-feiras. “Dificilmente o Teatro de Santa Isabel deixa de receber produção local ou de aceitar a pauta. Além disso, temos um projeto que é o Teatro Santa Isabel em Cena, que recebe 250 estudantes de seis a vinte anos de escolas, por semana, para conhecer o teatro e receber informações de sua história”.
Romildo Moreira disse que, no último encontro dos teatros monumentos do Brasil, realizado em Fortaleza, o Iphan considerou que o de Santa Isabel é o melhor equipado em condições de patrimônio do Brasil, além de ser o mais bem conservados, entre os 14 do Brasil. A Associação dos Teatros Monumentos do Brasil, ainda segundo Romildo Moreira, considerou que o diferencial do Teatro Ssanta Isabel se deve justamente ao fato de ele ser mantido pela administração direta.
O gerente de Equipamentos Culturais do Recife, Diego Santos, informou que a da Fundação de Cultura Cidade do Recife foi informado do projeto do teatro de óperas, pois “desde o início da gestão, estamos realizando o Chama Cultura, que tem como finalidade ouvir os movimentos culturais e dar abertura para que novas ideias sejam apresentadas”. Ele também lembrou que, nessa área dos equipamentos, a gestão vem “movimentando o setor com a adoção de projetos de apoio” como o Ame Carnaval, Ame São João e o Move, que é Movimento de Valorização de Equipamentos Culturais. Através do Move, disse Diego Santos, está sendo reaberta a Casa do Carnaval (inauguração dia 18, puxando a retomada dos equipamentos no Pátio de São Pedro) e a Escola de Frevo. Diego Santos acrescentou ainda que a Fundação de Cultura está executando o programa de gestão colaborativa, para potencializar o uso dos equipamentos públicos. “Quero informar que em breve lançaremos editais de ocupação dos equipamentos. Para estimular a retomada das produções artísticas e culturais de Pernambuco, deverá ser liberado o pagamento de pauta de teatros. “Também teremos o passaporte da vacina, que dará desconto de 20% os ingressos”, disse.
A audiência pública contou com a presença de diversos representantes de espaços e coletivos culturais. As vereadoras Ana Lúcia e Cida Pedrosa deixaram claro que não está tramitando na Câmara Municipal do Recife nenhum projeto de lei ou qualquer outra proposta de transformação do Teatro Santa Isabel em teatro de ópera. “O único projeto que tramitou, e já foi sancionado, é o que propõe a Orquestra Sinfônica como Patrimônio Cultural e Imaterial do Recife”, disse Ana Lúcia. Ela também afirmou que é defensora da realização de abertura de concurso público para ocupação de vagas de músicos na Orquestra Sinfônica.
A vereadora Cida Pedrosa, por sua vez, também informou que não há intenção de compartilhar a gestão do Teatro Santa Isabel através de uma OS. “Não vejo nenhum problema de o teatro ser gerido por uma OS, pois não sou contra o terceiro setor. Mas não há projeto de lei neste sentido”. Ela também defendeu que a Orquestra Sinfônica precisa de um concurso público para “dar estabilidade aos músicos”. Um relatório com os resultados da audiência pública será encaminhado ao prefeito João Campos e aos órgãos municipais.
Em 05.08.2021