Audiência pública discute transtornos de aprendizagem

Dislexia, discalculia, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Esses são alguns dos chamados transtornos de aprendizagem, que foram o tema de uma audiência pública promovida pela Câmara do Recife nesta quarta-feira (8). O debate, realizado de forma virtual, foi uma iniciativa do mandato da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB). Ela é a autora do projeto de lei nº 199/2021, que visa a garantir às crianças com transtornos de aprendizagem o acesso à educação inclusiva nas escolas das redes pública e privada da capital.

“Todas e todos nós temos clareza da necessidade de incluir as pessoas dentro do sistema de educação. E, muitas vezes, essas pessoas não são incluídas porque sofrem de algum transtorno de aprendizagem que não é diagnosticado a tempo. Como não têm o atendimento necessário para aquele caso, não podem usufruir de todos os seus potenciais como pessoas”, explicou a parlamentar ao início da audiência.

Hoje advogada e poetisa, Pedrosa contou que a preocupação com o tema partiu de sua própria história de vida. “Sou uma pessoa disléxica e sofri muito na infância para me alfabetizar. Sou mãe de Francisco, um menino disléxico. Toda essa angústia vivida por meu filho e por mim nos fez tratar desse assunto”.

Fonoaudióloga clínica na área da linguagem, Camila Arruda foi uma das participantes da audiência. Ela deu informações sobre a dislexia e ressaltou a importância do uso de métodos específicos para a alfabetização de crianças disléxicas o mais cedo possível. Ela disse que, mesmo antes da idade adequada para fazer o diagnóstico desse transtorno, deve-se ficar atento a sinais como atrasos na linguagem, trocas de sons na fala e dificuldade persistente no reconhecimento de letras do alfabeto. “O diagnóstico já é consolidado e pode ser feito a partir dos oito anos de idade. Porém, já se sabe também que várias características podem aparecer de uma forma inicial até mesmo na educação infantil. Algumas escolas já têm uma metodologia de intervenção voltada para a consciência fonológica, o que facilita essa observação dessas dificuldades”.

A pesquisadora de ciências da linguagem Iana Carvalho abordou o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e suas três formas de manifestar-se: pela desatenção, pela hiperatividade ou pela impulsividade. “É um transtorno neurobiológico. O sujeito com TDAH não tem o ‘filtro’ que as demais pessoas têm e, por isso, está em constante ebulição. Não é um déficit cognitivo, mas um funcionamento cerebral diferente. São pessoas com um potencial criativo muito grande e, algumas vezes, a educação não privilegia isso por não conhecer”, disse. “De 5% a 25% da população tem TDAH. Ou seja, não existe nenhuma sala de aula hoje que não tenha um sujeito com TDAH. E em cerca de 80% dos casos, o transtorno é associado a outros transtornos, como a dislexia. Por isso, é muito relevante discutir que tipo de assistência pode ser pensado”.

Professora adjunta e coordenadora do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão da Universidade de Pernambuco (UPE), Mirtes Lira falou sobre os desafios do magistério no apoio a pessoas com dislexia do desenvolvimento. Ela defendeu a necessidade da formação continuada para professores e salientou que as estratégias de ensino voltadas para estudantes disléxicos podem beneficiar todos os alunos. “Nem toda criança com dificuldade de leitura e escrita é disléxica. Existe uma especificidade que precisa ser conhecida pelo professor. A dislexia do desenvolvimento envolve alterações sequenciais nas dimensões biológica, cognitiva e comportamental”.

Técnica pedagógica da Gerência de Educação Especial (GEE) da Secretaria de Educação do Recife, Valdenice Pereira representou a pasta da Prefeitura na audiência. Ela tratou das ações promovidas pelo Poder Executivo para a inclusão no ambiente escolar. Atualmente, a rede de ensino público do Recife tem mais de 200 salas de recursos multifuncionais para atender alunos com deficiência e conta com um corpo de Agentes de Apoio ao Desenvolvimento Escolar Especial (AADEE). A Prefeitura mantém, ainda, convênios com entidades especializadas na educação inclusiva e disponibiliza serviços como o transporte escolar inclusivo.

“A Secretaria tem ampliado a discussão sobre o desenho universal para a aprendizagem, que é propor atividades que atendam a todas as especificidades dos estudantes. Para o ensino híbrido, a GEE lançou a terceira versão do catálogo de games e sites assistivos. Todos os estudantes com deficiência da rede receberam tablets. As salas de recursos multifuncionais têm alto investimento em tecnologia assistiva”, mencionou Pereira.

As dificuldades nacionais em incluir alunos que não são pessoas com deficiência, mas que vivem com transtornos de aprendizagem, não deixaram de ser reconhecidas pela técnica pedagógica. “Essas crianças estavam incluídas no início. Por alguma razão, saíram quando foi editada a política. Mas a política de educação do Recife tem o entendimento de que todos devem ser incluídos. Acho pertinente que Cida Pedrosa envie um projeto de lei para incluir esses casos”.

Coordenadora da Política de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência da Secretária-Executiva de Atenção Básica, Eduarda Carvalho. Ela frisou que o órgão trabalha em diálogo com outros setores do Poder Executivo para garantir os direitos de pessoas com deficiência. “Na Secretaria de Saúde, temos essa atenção à saúde da pessoa com deficiência, mas também articulamos com outras áreas técnicas, como a Coordenação de Saúde Mental, a Coordenação de Saúde da Criança e o Programa Saúde na Escola. A noção de inclusão que preconizamos hoje é baseada na Lei Brasileira de Inclusão, em que a política de saúde da pessoa com deficiência parte de uma perspectiva biopsicossocial. Prezamos pela articulação com outras secretarias para que sejam desenvolvidas todas as potencialidades de cada indivíduo”.

Vencedor dos prêmios Pernambuco de Literatura e Cepe Nacional de Literatura Infantil, o poeta garanhuense Helder Herik deu um relato de sua experiência como pessoa disléxica. Mencionando artistas disléxicos, como diretor norte-americano Steven Spielberg, chamou a atenção para a facilidade dessas pessoas para trabalhar com imagens. “A jornada não é fácil. Os professores podem ser pessoas motivadoras, mas um professor despreparado pode castrar um possível artista, o que aconteceu comigo. Eu vim a aprender a ler com apenas 12 anos”, afirmou. “Até quando eu escrevo, busco criar imagens. Não procuro teorizar. E essas imagens acabam se transformando em poesia”.

Em um vídeo gravado para a audiência, a produtora cultural Bárbara Collier também prestou seu depoimento como pessoa com TDAH. Ela chamou a atenção para problemas conexos ao transtorno, como a depressão. “É preciso formar e informar. Não tem solução, mas tem zelo, cuidado e respeito. É preciso que as crianças sejam acompanhadas de perto. Ninguém precisa correr o risco de se tornar dependente de nada por falta de zelo, por se sentir burro e incompetente. Precisamos de natureza, meditação, acompanhamento médico e terapêutico, estabilidade emocional, paciência e uma escola acolhedora de todas as nossas dificuldades. E, principalmente, entender que TDAH vai muito além de ser distraído e trocar letras”.

Ao final da audiência, os participantes responderam a perguntas enviadas por pessoas que acompanharam o debate virtualmente.

Em 08.09.2021