Frente Parlamentar debate o tema Habitação e Centro

Um paradoxo é constatado quando se discute a questão da moradia no centro do Recife: “É muita gente sem casa e muita casa sem gente”. Essa constatação, que remete não só à questão do déficit habitacional, como também à grande quantidade de imóveis sem ocupação na área central da cidade, foi tema de debate da reunião pública que a Frente Parlamentar pelo Centro do Recife promoveu nesta segunda-feira (27), a segunda desde que foi instalada, no dia 23 de agosto passado.

“O tema de hoje é ‘Habitação no Centro’ e ele nos coloca frente a essa reflexão de que a região apresenta uma realidade onde há muita gente sem casa, e muita casa sem gente. Pensar a problemática da questão da moradia, ou melhor, a falta dela para milhões de brasileiros, na perspectiva do centro da cidade, é um enorme desafio”, disse a vereadora Cida Pedrosa (PCdoB), presidente da Frente Parlamentar, na abertura da reunião. A Frente Parlamentar é formada por nove parlamentares de vários partidos e se propõe a formular, incentivar, acompanhar e fiscalizar políticas públicas voltadas para o território central da cidade.

Além da presidente, compõem a Frente Parlamentar os vereadores Marco Aurélio Filho (PRTB), vice-presidente; Zé Neto (PROS); Alcides Cardoso (DEM); Luiz Eustáquio (PSB); Rinaldo Júnior (PSB) e as vereadoras Michelle Collins (PP); Dani Portela (PSOL) e Liana Cirne (PT). “No Brasil, o déficit habitacional é quase equivalente ao número de imóveis ociosos. As regiões centrais das cidades, via de regra, com uma boa infraestrutura e com um grande estoque de áreas construídas subutilizadas ou ociosas, têm estado na pauta das políticas públicas de habitação e desenvolvimento urbano dessas regiões”, disse Cida Pedrosa.

Ela lembrou que o modelo adotado nos anos 1980, de muitos conjuntos habitacionais nas periferias das cidades com precárias condições de habitabilidade, já não se aplica mais à realidade. “As iniciativas testadas nos anos 1990, para implantar habitação de interesse social nos centros, como o caso do PAR-Reforma ou do Morar no Centro, foram tímidas, tanto para dar conta dessa demanda crescente da falta de moradias, quanto para contribuir para a preservação de imóveis em áreas históricas”, observou.

É preciso, segundo a vereadora Cida Pedrosa, pensar em como aproveitar os ativos estratégicos do centro para mudar essa realidade! Não é fácil, mas alguns atores têm tido um papel relevante nessa luta, como é o caso dos movimentos sociais.  “Os programas nacionais mais recentes, como é o caso do Minha Casa Minha Vida, não são modelados para o aproveitamento de imóveis existentes com vistas à implantação de habitações de interesse social. Por outro lado, a região central vem sendo o lugar de desejo de uma fatia da população mais abastada que quer estar mais perto do trabalho e usufruir de uma boa rede de serviços".

O vereador Marco Aurélio filho (PRTB) falou em seguida. Ele observou que todas às vezes que a Frente Parlamentar realiza uma reunião a participação popular tem superado as expectativas. “Isso mostra que a população tem interesse de se apropriar da cidade e de construir a cidade que quer viver”, afirmou. Ele disse que a Frente Parlamentar enfrenta o grande desafio de repensar o centro e a partir daí evoluir nas políticas públicas.

“Este tema da reunião é polêmico, pois cada um tem sua ideia. O que precisamos é discutir os modelos de habitação social e definir como ocupar esse centro”. Marco Aurélio Filho também apresentou um dado do Instituto Habitat Brasil que fez um levantamento sobre o bairro de São José: “Temos 112 edificações parcialmente abandonadas nesse bairro e a obrigação de repensar de que forma podemos incluir esses imóveis no programa de habitação para reduzir o déficit habitacional. Afinal, somente eles reúnem inadimplência de mais de 350 milhões no Recife”, disse.

A vereadora Liana Cirne também se pronunciou. Ela disse que é um desafio gigantesco pensar a requalificação do centro do Recife. “Como vamos requalificar o nosso centro amado sem promover uma higienização? Como promover a moradia e a habitação, com todos os desafios que o tema nos traz?”, questionou-se.  O Recife, disse a parlamentar, tem R$ 346 milhões dívida de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), com imóveis desocupados.”Esta é uma cidade que tem um déficit habitacional grande e não pode ficar com imóveis sem função social. Eu trabalho num prédio que é cercado por outros, no centro, que estão sem uso. Quando venho aqui, lembro da missão que assumi”, disse.

Enquanto houver famílias morando debaixo de marquises, crianças que estão sem escolas porque não têm endereço para apresentar, e prédios sem uso, ao mesmo tempo em que há um enorme crédito de IPTU, a vereadora entende que a missão parlamentar não foi concluída. “Para mim o grande desafio da nossa legislatura, assim como de todo poder público do Recife, é o tema de hoje desta reunião: a questão da habitação do centro”.

O vereador Luiz Eustáquio disse que há muitos imóveis históricos que estão abandonados no centro do Recife e ele entende que é preciso se definir uma política de uso social dos imóveis e se sintonizar com as tendências mundiais. Além disso, o vereador entende que a Frente Parlamentar encabeça um movimento importante de trabalhar pelo centro.“É importante termos vereadores e vereadoras comprometidos com a problemática do centro. Muitos de nós temos atuação na periferia, mas temos o centro de uma cidade que precisa ser cuidado”.

 Ele informou que recentemente fez uma caminhada por várias ruas do centro e que observou muita gente morando na rua, “mas também muitos prédios desocupados. É uma cidade bonita, mas observei que o comércio  também migrou para a periferia e para os shoppings centers. Temos um centro cada vez mais desabitado”. Ele citou um levantamento que assegura que 41% dos imóveis do local estão desocupados e precisando de uma solução.

A vereadora Dani Portela (PT) também falou. ela disse que a temática abordada pela reunião era prioritária, pois “trata-se de uma questão que diz respeito a todos os moradores da cidade”. O déficit habitacional, lembrou a parlamentar, é uma questão histórica e “precisa ser olhado e enfrentado”.

Segundo Dani Portela, existe um “racismo ambiental” no caso do centro do Recife. “É um racismo que segrega as pessoas mais pobres e negras para as áreas mais periféricas. E esse racismo é observado desde o aumento gradativo dos aluguéis, como também nas ações de despejo”. Dani Portela também questionou qual “o tipo de ocupação que queremos para o centro, pois temos que pensar no centro estendido e não de maneira higienista, de reforma das fachadas”. Ela acrescentou que o ideal é “termos uma cidade inclusiva, com moradias populares, para formar uma cidade plural, participativa, que seja ocupada dia e noite”. Outros vereadores participantes da Frente Parlamentar como Alcides Cardoso, Zé Neto e Michele Collins acompanharam a reunião.

Como ocorreu na reunião anterior, que debateu sobre patrimônio e cultura, especialistas em habitação ou ativista da questão da habitação falaram na reunião pública. Os convidados foram a professora do curso de arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Iana Ludermir, que discutiu a possibilidade de coexistência entre inovação imobiliária e patrimônio histórico. O componente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Rud Rafael, questionou de quem são os corpos excluídos da lógica da cidade.

O evento contou, ainda, com a participação da professora do Departamento de História da UFPE, Mariana Zerbone, que falou sobre o tema: “Moradia na área central do Recife, para quem?”; o arquiteto e urbanismo da B’Ferraz Arquitetura, Bruno Ferraz, discorreu sobre “Projeto Moinho Recife: Renovação Urbana e complexo Multiuso”; e encerrou com a palestra da secretária-executiva de Habitação do Recife, Norah Neves, que abordou: “Transformar, habitar e preservar”. 


Em 27.09.2021.