Reunião pública discute cyberbullying
Ao dar início à reunião, Ana Lúcia destacou que o bullying praticado no contexto virtual pode ser ainda mais perigoso que o bullying presencial. “Essa temática não é nova e traz consigo uma prática muito comum, o bullying. Como professora e gestora escolar, sei que o bullying faz vítimas da mesma forma. Mas com uma diferença: quando o bullying é praticado de forma presencial, você consegue fazer com que o indivíduo agredido demonstre uma reação. Há uma forma de intervir. Mas, no cyberbullying, as mensagens e ameaças acontecem nas plataformas e muitas vezes não se consegue identificar as pessoas de maneira direta”.
A vereadora salientou que, por meio do cyberbullying, as difamações se propagam de forma “praticamente instantânea”, e que “o efeito multiplicador do sofrimento das vítimas é imensurável”. Além disso, acrescentou Ana Lúcia, “os praticantes desse modo de perversidade também se valem do anonimato e, sem nenhum constrangimento, atingem a vítima da forma mais vil possível”.
O primeiro debatedor da reunião a se prenunciar foi o doutor em psicologia Sidclay Bezerra, especialista em bullying e cyberbullying e violência no contexto educativo, seja no ensino básico ou no ensino superior. Ele discutiu os limites do conceito e apresentou alguns resultados de suas pesquisas no tema.
“O bullying tem três características essenciais: a repetição, a intenção e o desequilíbrio de poder. Quando se trata do cyberbullying, esses três critérios se tornam mais complexos. O contexto virtual apresenta alguns desafios, como o anonimato e os perfis falsos”, disse. “Verificamos que os próprios adolescentes têm consciência do que é cyberbullying e de suas consciências. Pensando de forma preventiva, é importante que a gente aprenda a trabalhar as competências socioemocionais dos estudantes e com o que os professores podem fazer”.
O juiz Élio Braz Mendes, da 2ª Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), abordou as características jurídicas do crime que se comete com a prática do cyberbullying. Ele lembrou que essa situação é ainda mais danosa às crianças e adolescentes, cujo reconhecimento como sujeitos de direitos ainda é recente no País.
“É um nome novo a um crime que já existe: o crime de perseguição. O seu primeiro elemento é a repetição, a sistemática. Você também tem uma intenção, um objetivo que tem um viés de ordem ideológica, moral, sexual, racial – as causas são infinitas. A perseguição pode ser por qualquer meio, mas traz o elemento da ameaça à integridade física ou psicológica. E isso tem como consequência restringir a capacidade de locomoção, uma invasão à esfera da liberdade e à privacidade”.
O promotor da Educação e representante do Centro de Apoio Operacional à Atuação Criminal (Caop Criminal), do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Salomão Abdo Ismail Filho, disse que é preciso tratar o tema com cautela e de forma preventiva. O cyberbullying, segundo ele, tem ligação com o discurso de ódio e com as perseguições a determinados indivíduos. “Sabemos que o cyberbullying pode ser configurado crime. Mas, antes, é importante fazer o trabalho preventivo com os jovens. O papel da escola, nesse aspecto, é importante. Ela não pode se omitir, como já aconteceu muitas vezes nos casos de bullying, no passado”.
Salomão lembrou que os profissionais como psicólogos, psicopegadogos, professores, e até mesmo técnicos da área de tecnologia da informação, nas escolas, podem orientar os estudantes sobre o aspecto punitivo que advém com o cyberbullying. E também explicar a eles como se prevenir. “Acho que é preciso dizer aos estudantes que temos que ter cuidado com dados pessoais que divulgamos nas redes sociais e evitar o compartilhamento de nossas vidas em redes sociais. Não devemos, também, aceitar a amizade de qualquer pessoa nas redes, pois muitas vezes são perfis falsos. Os casos de assedio sexual, que são as consequência mais extremas, ocorrem pelos falsos perfis. Outra coisa que precisa ser ensinada é que é preciso respeitar a individualidade de cada indivíduo”, disse.
A comissária do Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente, Carolina Garcia, informou que o DPCA já vem realizando um trabalho para tentar conter o cyberbullying. “Nós temos o Programa Prevenção Legal, e através dele realizamos palestras em escolas ppúblicas, numa parceria com as prefeituras do Recife, de Olinda e de Jaboatão dos Guararapes”. Ela definiu o cyberbullying como “uma forma de violência que não acaba dentro da escola, mas que continua perseguindo os alunos, mesmo quando eles voltam para suas casas”.
As palestras que o DPCA realiza, de acordo com Carolina Garcia, abordam sobretudo o ato infracional que o cyberbullying representa. “Nesse enfoque, nós explicamos que o cyberbullying normalmente envolve três personagens. Uma é a vítima; a segunda é a agressora direta; a terceira, é a plateia. Nós chamamos de plateia aquela pessoa que curte ou que compartilha, Cada vez que damos likes, estamos incentivando o agressor a continuar”, disse. Ela também ressaltou que, nos casos de violência, sempre é levada em consideração a vítima, mas que os agressores também precisam de atenção. “Em geral, o jovem adolescente apenas repassa as violências que já sofreu. Precisamos pensar o que levou aquela pessoa a cometer essas agressões”.
Outro aspecto abordado nas palestras da DPCA, disse Carolina Garcia, são as questões legais em consequência do cyberbullying. “Os adolescentes sabem o que é cyberbullying. Eles têm conhecimento do funcionamento da tecnologia. Fizemos uma recente palestra pelo Google Meet, por causa da pandemia. E a grande parte das perguntas dos estudantes era se os policiais podiam identificar os agressores e se tinham meios de localizá-los, mesmo que as mensagens sejam apagadas. Ou seja, a preocupação deles não era com a infração, mas com a possibilidade de a polícia achá-los, e se podem ser presos. Eles também queriam saber se poderiam ser incriminados na justiça por cometerem cyberbullying. O que as escolas precisam é orientá-los a usar a tecnologia, e as redes sociais”.
O especialista em Direito Digital e Compliance, Leonardo Barreto, afirmou que vem realizando um trabalho educativo voluntário desde 2014, com palestras em escolas públicas e privadas. “Não sou um educador, mas um entusiasta da educação, acredito no poder transformador da educação. Por isso, realizo essas palestras”. Ele vem confirmando o mesmo que a comissária Carolina Garcia já constatou. Afirmou que as consequências legais são uma parte importante de suas palestras. “Os adolescentes têm o conhecimento do que vem a ser bullying e cyberbullying. Todavia, eles não sabem das consequências legais. E ficam preocupados em saber se podem ser descobertos e em responder na Justiça. Então, eu explico a atuação de um promotor, de um juiz, as medidas socioeducativas, e eles passam a entender o universo jurídico. Muitos pensam que são intocáveis e que somente depois dos 18 anos podem pagar”.
Leonardo Barreto entende que as palestras educativas não podem ficar restritas aos esudantes, mas devem alcançar pais de alunos e educadores. “Insisto nesse ponto porque o poder da orientação, o trabalho da prevenção, é a melhor coisa a se fazer. Precisamos insistir no uso consciente das redes sociais e que isso pode minimizar os efeitos do cyberbullying”. Ele também acha necessário se trabalhar o conceito da empatia no momento presente, com o respeito pelo outro.
No final da reunião pública, os convidados puderam sugerir alternativas para conter o cyberbullying. Foi sugerido que, para multiplicar o debate, um resumo das palestras será encaminhado às escolas do Recife, como alerta para os gestores, coordenadores e professores trabalharem o comportamento de jovens nas escolas. Também foi sugerida a elaboração de cartilhas e materiais explicativos para os pais, que muitas vezes não têm o domínio tecnológico. Outra proposta foi a formação de um Grupo de Trabalho, formado por representantes de diversos órgãos públicos, inclusive os que estavam presentes na reunião pública, para debater o cyberbullying.
Em 17.09.2021