Audiência discute uso de recursos da Zona Azul em investimentos no Sistema Cicloviário
O vereador Luiz Eustáquio ressaltou que a proposta de sua autoria sugere o modelo adotado em Fortaleza, que é uma referência na priorização do uso de transportes não motorizados. "No Recife, em 2013, tínhamos 24 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas. Hoje, já temos 158 quilômetros, e a ideia do prefeito João Campos (PSB) é fazer mais 100 quilômetros nos próximos quatro anos. Esse projeto ajuda a gente a conseguir mais do que os 100 quilômetros. Se conseguirmos colocar o recurso de R$ 7 milhões anual da cidade, como aconteceu no último ano, vamos avançar mais. Temos uma ciclofaixa de lazer maravilhosa, a população do Recife cada dia que passa têm comprado uma bicicleta ou já tirou da garagem a que estava parada, cada vez mais as pessoas estão pedalando não só como modal de lazer, mas também como meio de transporte", disse o parlamentar ao reconhecer o aumento no uso do modal.
O diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Frederico Carneiro, pontuou que a luta pelos espaços públicos estão cada vez maiores e que a lei federal de número 12.587, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, prioriza os transportes não motorizados. "Essa concorrência pelo espaço público dos meios de transporte aflige muitas cidades brasileiras, e a importância da promoção de medidas para mitigar esses problemas, trazer mais conforto e qualidade de vida para o cidadão merece todo o nosso apoio e dedicação. Por trás desse projeto de lei [do vereador Luiz Eustáquio], temos uma medida que já foi instituída acertadamente para a cobrança do espaço público que está sendo utilizado pelo proprietário de um veículo automotor que ocupa um espaço que poderia estar sendo compartilhado com pedestres, ciclistas, e concorrendo com transporte coletivo", explicou.
Para o diretor, é importante que o gestor público ofereça espaço cicloviário adequado e segregado, procurando proporcionar segurança e conforto aos cidadãos. "É importante destacar que essa iniciativa traz recursos que devem ser destinados exclusivamente à aplicação na malha cicloviária, que traz benefícios à segurança do ciclista, pedestre e demais veículos automotores, e merece todo o apoio da Secretaria Nacional de Trânsito. Ela é um passo importante em relação a mobilidade urbana e segurança no trânsito. E que essas duas pautas sejam sempre cada vez mais trabalhadas em conjunto. A gente precisa despertar o planejamento da mobilidade urbana e segurança no trânsito caminhando de mãos dadas nos municípios brasileiros".
Representando a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) de Fortaleza, André Barcelos fez uma breve apresentação sobre a política de mobilidade urbana da cidade, que é referência nacional. "Fortaleza vem transformando a mobilidade urbana nos últimos anos sempre buscando as melhores práticas internacionais e adaptando ao contexto local". Ele explicou que a prioridade da pirâmide dos meios de transporte foi invertida na cidade, colocando o pedestre em primeiro lugar. "Depois, vêm os meios sustentáveis da política cicloviária que expandiu nos últimos anos, passando pela logística urbana e, por último, a questão do transporte motorizado individual. Estamos fazendo um resgate do espaço do pedestre e do ciclista. A cidade é feita para pessoas".
De acordo com André Barcelos, os principais resultados da mudança de paradigma que Fortaleza está passando é tornar a cidade multimodal. "Dessa forma, você pode fazer o primeiro deslocamento a pé, pode pegar a bicicleta compartilhada, depois pega um ônibus com a mesma tarifa e desce no destino, e consegue andar para chegar no local onde vai ter acesso ao serviço, trabalho e lazer. É esse o grande objetivo de ter uma cidade multimodal. O foco é o deslocamento dos pedestres, transportes coletivos e bicicletas. 32% dos deslocamentos feitos em Fortaleza são realizados a pé e estamos tentando ampliar; 65% são em meios de transporte sustentável. O uso da bicicleta aumentou de forma muito forte, tendo, hoje, uma infraestrutura cicloviária de 405 quilômetros. Ano passado tivemos 14 mortes de ciclistas, que ainda é muito sério. Não há mobilidade sustentável sem segurança, a nossa responsabilidade com os usuários de bicicleta é muito grande", salientou.
Por sua vez, a presidente da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) Recife, Taciana Ferreira, afirmou que sempre coloca Fortaleza como referência de mobilidade, na tentativa de implementar a revolução na inversão de prioridade modal. Em uma apresentação utilizando slides, ela destacou que todo recurso voltado para mobilidade urbana é bem-vindo. "Recife utiliza recursos oriundos de multas de trânsito para os investimentos em mobilidade ativa, por determinação baseada no Art. 320 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Em 2019, Recife teve a 4ª rede cicloviária mais acessível do Brasil, de acordo com o índice People Near Bike Lanes (PNB). Estamos fazendo um trabalho muito forte de forma continuada, que é a capacitação dos nossos agentes com boas práticas e fiscalização, baseada em evidências e comunicação assertiva com o cidadão, com o apoio da iniciativa Bloomberg. Isso tem trazido um resultado muito positivo pelo empenho do nosso efetivo".
Taciana Ferreira comentou que há uma meta da Prefeitura em ampliar as áreas cicloviárias com velocidades reduzidas, para deixar os espaços mais seguros e compartilhados. "De 2015 a 2020 tivemos uma redução de mortes no trânsito de 65% na cidade. Ainda é um número alto e que precisa ter uma redução maior. Todo recurso voltado para esse objetivo é bem-vindo, desde as emendas parlamentares voltadas para que haja esse tipo de investimento (que já recebemos). As receitas de arrecadação da Zona Azul, hoje, são utilizadas para o custeio do órgão. Não podemos utilizar as fontes de multa para esses custeios. E que também essas orientações venham de verba federal, para os municípios investirem na mobilidade ativa de suas cidades", explicou.
O vereador Ivan Moraes comentou que é visível o avanço na quantidade de ciclovias e da malha cicloviária no Recife nos últimos anos, mas que há crítica em relação a implementação do Plano Diretor Cicloviário. "Ele precisa ser executado como foi planejado e, até por conta disso, é importante que apareçam os recursos. Um dos grandes nós para a ampliação e universalização do acesso à bicicleta por meios de transportes ativos no Recife, prescinde de recursos. Não há mais nenhuma desculpa para Recife não sair na frente nesse processo. Naturalmente as representações vão dizer que carro não é prioridade da gestão, mas prioridade na política pública se chama dinheiro, e enquanto não tiver dinheiro e o Plano Diretor cicloviário não tiver financiamento para ser executado na sua íntegra, nenhuma fala que diz que prioridade de transporte é bicicleta será ouvida da forma com que a Prefeitura gostaria que fosse".
Malha segregada - Ao exaltar que a proteção à vida está em primeiro lugar e que ações educativas são importantes, mas a estrutura segura e segregada do trânsito é o que salva vidas, a representante da Ameciclo, Gaia Lourenço, pontuou estudos feitos pelo coletivo. "A gente levantou que mais de 85% da população utiliza modos sustentáveis e, apesar disso, o investimento em vias para automóveis no Recife é cinco vezes maior que os demais modos de transporte. Pedestres, ciclistas e usuários do transporte público representam 85% do deslocamento, e é justo que a gente receba 85% dos investimentos. É uma conta direta e simples, qualquer coisa fora disso é, no mínimo, irracional".
Gaia Lourenço fez, ainda, observações sobre a mobilidade de Fortaleza. "Dá vontade de chorar assistindo essa apresentação de Fortaleza porque Recife tem isso também, é uma cidade do Nordeste e não é uma realidade distante. Está aqui do lado, a gente tem tudo pra fazer a mesma coisa, todo o potencial. Estamos em um momento chave que não é mais possível esperar pelas decisões individuais das pessoas escolherem outro modo de transporte para realizar o deslocamento diário, as cidades precisam assumir a sua parcela de responsabilidade diante da urgência que também temos do aquecimento global".
Já Marcos Sousa, do portal Mobilize Brasil, contou que a pandemia acalmou os ânimos no trânsito de São Paulo. "Era possível caminhar e pedalar com tranquilidade. Isso poderia ter sido um aprendizado para a cidade, mas nada aconteceu. O novo normal é um normal piorado. Os carros voltaram com toda a virulência e, apesar da grande reclamação que se tem do aumento do combustível e estacionamento na região central, as pessoas continuam utilizando automóvel e isso pode se dar pelas condições precárias de transporte. Se houvesse uma gradativa transição para os investimentos que são feitos para automóveis e começassem a ser feitos para móveis ativos, a cidade teria muito a ganhar com isso".
No que lhe concerne, representando a Bike Anjo, Ricardo Américo exaltou que o transporte motorizado foi prioridade no Recife durante anos, mas está mudando. "Temos 85% da população que realmente se desloca pelo transporte ativo ou público, porém, menos de 5% dos recursos são destinados a esse transporte. Anos de política de priorização do automóvel fez do Recife a capital com a pior mobilidade urbana em três anos consecutivos, e a 10ª pior no mundo, segundo o TomTom Traffic. Ainda tem o índice de sinistro, colisões e atropelamentos ocorridos aqui, e somos a capital que mais ocasiona esse tipo de situação entre motoristas, pedestres e ciclistas, segundo a própria DPVAT (Danos Pessoais por Veículos Automotores Terrestres). Esses fatores reforçam a ideia de que investir no transporte de carro é uma forma irracional que não mais se sustenta pelo tempo que a gente perde nos engarrafamentos e também como as vidas são perdidas durante esses incidentes que acontecem".
Em 22.10.2021