Audiência pública discute futuro da rua Mamede Simões

Um polo cultural e gastronômico – mas, também, um endereço residencial. A rua Mamede Simões, localizada no bairro de Santo Amaro, é conhecida por aliar vocações distintas e que nem sempre convivem em harmonia. Durante uma audiência pública promovida por videoconferência pela Câmara do Recife nesta sexta-feira (1º), esses interesses foram colocados em debate junto à apresentação de um plano de requalificação da via, proposto pela Prefeitura. A discussão foi requerida pelos mandatos do vereador Ivan Moraes (PSOL) e das vereadoras Dani Portela (PSOL), Cida Pedrosa (PCdoB) e Liana Cirne (PT).

Presidente da audiência, Dani Portela frisou a necessidade de escutar as pessoas que vivem e trabalham na Mamede Simões, inclusive as pessoas em situação de rua e comerciantes de negócios que não integram o circuito gastronômico. “Uma obra que vai mudar completamente a vida das pessoas que trabalham e moram ali não deve acontecer sem que essas pessoas sejam consultadas e participem dos planos para suas residências e trabalhos. É um projeto que pretende mudar estrutural, social e economicamente uma rua, mas que não construiu de maneira coletiva com as pessoas. Isso gera inquietações, insegurança e o mede de que esse projeto resulte apenas em uma ‘maquiagem’ urbana”.

Ivan Moraes cobrou uma regulamentação do uso do espaço público de forma ordenada, sem prejudicar moradores do Edifício Alfa, situado no local, e a mobilidade dos frequentadores entre as mesas dos bares locais. “A ideia de pedestrianização da Mamede Simões a partir do seu polo gastronômico e cultural é um desejo de comerciantes e de frequentadores e frequentadoras. E, desde que a Mamede se tornou esse polo, a relação com o edifício Alfa é alvo de discussões”, afirmou. “O fechamento da rua é importante para o polo, mas é preciso determinar relações de convivência com as pessoas que habitam o edifício e que têm o direito de chegar em casa. É preciso saber qual o lugar do pedestre, qual o lugar em que a pessoa moradora vai chegar e sair, qual a hora de desligar o som”.

Cida Pedrosa refletiu sobre a atribuição espontânea do uso misto da Mamede Simões e pediu um ordenamento que respeite essa lógica. “O espaço público é um espaço cuja vocação é dada pelas pessoas. Os comerciantes e a cultura transformaram a Mamede em um lugar de encontro, como a rua Sete [de Setembro] foi nos anos 80. Implementar um projeto que olhe principalmente para o pedestre naquela rua é fundamental”, avaliou. “Claro que precisamos escutar os que moram, os que comerciam e os que frequentam. E esta é uma boa oportunidade. Não podemos encher a rua de mesas, ou não haverá onde passar o pedestre. Precisamos da medida certa para as mesas dos bares, o espaço para as pessoas andarem, para os caminhões de fornecimento e para os carros daqueles que residem ali”.

Liana Cirne foi outra parlamentar a salientar a necessidade de a Prefeitura promover o debate da questão com as partes envolvidas. “Nada em matéria ambiental e urbanística pode acontecer sem a observância ao princípio constitucional da participação popular. A sociedade tem o direito de participar ativamente dos usos que se quer dar à cidade e o poder público tem o dever de fazer uma escuta qualificada, com uma devolutiva adequada”, explicou. “A própria Mamede já definiu sua destinação. É uma rua muito rica do ponto de vista cultural, econômica e residencial. É preciso buscar o equilíbrio dos interesses, uma vez que a convivência nem sempre é harmoniosa, o que é natural em ambientes multivocacionais. Isso se faz ouvindo as partes e acreditando na capacidade que as pessoas têm de mediarem os seus conflitos”.

Mamede Simões requalificada – O conceito prévio da nova Mamede Simões foi apresentada na audiência pela gerente-geral de Projetos Urbanos da Autarquia de Urbanização do Recife (URB), Natália Tenório. Ela informou que o projeto está inserido no contexto de uma intervenção maior que visa a requalificar o cais da rua Aurora. “Esse projeto está em fase conceitual. Acreditamos que até dezembro devemos ter a empresa que vai fazer o projeto executivo – tanto das varandas da Aurora quanto da rua Mamede Simões”.

A ideia inicial da Prefeitura para a Mamede se divide a partir dos dois trechos da Mamede Simões – que é relativamente curta, com cerca de 150 metros. No primeiro, localizado entre as ruas da Saudade e da União e onde está localizado o edifício Alfa, a via seria compartilhada entre pedestres e veículos, sendo previstas três vagas de estacionamento para carga e descarga para os comerciantes e moradores. No segundo trecho, entre as ruas da União e da Aurora e margeado pelo Ginásio Pernambucano e pelo edifício histórico da Assembleia de Pernambuco, a via seria destinada apenas aos pedestres. Para ambos os trechos, a proposta sugere aumento da área verde, instalação de paraciclos e de espaços de convivência.

Moradores e comerciantes – Representante dos residentes e comerciantes do edifício Alfa, Tancredo Ferraz registrou que o respeito às horas de descanso é uma das demandas principais dos moradores. “Na maior parte dos 54 anos de existência do edifício, sempre tivemos uma convivência muito boa com os bares e restaurantes. De uns anos para cá, têm acontecido fatos que incomodam os moradores no momento mais sagrado que existe, o repouso. Muitos moradores adoram e frequentam a área gastronômica que existe embaixo, mas todos os seres humanos precisam dormir para voltar às suas atividades no outro dia. A nossa preocupação principal é com relação aos sons extravagantes e que não permitem que a gente consiga dormir”.

Outra solicitação indicada por Ferraz foi a reserva de um espaço para embarque e desembarque de veículos para quem mora e trabalha no edifício. “Recentemente, faleceu um morador. Ele foi atendido por uma ambulância que precisou parar no meio da rua, porque não havia vaga para estacionar. Precisamos de uma vaga exclusiva para o edifício. Eu proponho que a segunda vaga seja para o comércio do edifício e a última, para o outro lado da rua”.

Os comerciantes da Mamede Simões foram representados na audiência por André Rosemberg, sócio de um dos principais estabelecimentos do local. Ele cobrou melhorias estruturais e uma atenção contínua do poder público para a via. “Acho que a questão principal, além de um projeto bonito e bem executado, é que ele comece com ligações de esgoto e saneamento adequadas. Há questões estruturais a ser feitas antes de fazer a calçada”, pontuou. “Mas a questão principal é a gestão do local. Vamos pactuar o uso do espaço público – mas, sem a gestão da Prefeitura, o que impera é a desordem, depois a decadência e o fim. A Prefeitura não pode chegar apenas autuando e proibindo, tem que chegar de forma mais proativa, buscando soluções e conciliações. Ter um local de uso misto não é impossível e acontece em todo lugar do mundo”.

Considerações do poder público – O representante da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Rômulo Farias, frisou que o projeto da Mamede Simões deve ajudar a conter a poluição sonora e promover a arborização do local. “A poluição sonora precisa ser equacionada. Temos várias experiências de que ouvir música e conversar podem acontecer em harmonia com quem tem o direito inegável de descansar e fazer suas atividades como bem entende”, indicou. “Também é muito importante a ideia da arborização e a Mamede está aquém do que deveria ser. O projeto tem isso e, se assim não fosse, a Secretaria de Meio Ambiente entraria em contato para que fosse previso. Vamos cuidar para que a arborização seja correta, com impactos positivos imediatos e prevenindo problemas no futuro.”

A Autarquia de Trânsito e Transporte (CTTU) foi representada na audiência pelo gerente de projeto cicloviário do órgão, Antonio Henrique Cavalcanti. Ele garantiu que a mobilidade dos automóveis não será prejudicada pelas mudanças, mas apontou que a exclusividade de vaga de estacionamento público a moradores do Edifício Alfa seria ilegal. “As vagas de serviço têm que ser coletivas. Não tem legislação que deixe que uma das vagas seja para os moradores. O que pregamos é a segurança viária com um projeto de urbanismo tático. Buscamos trazer segurança para que não haja conflitos. Estamos abertos a soluções e aguardamos esse projeto para que essa rua seja pedestrianizada e arborizada, trazendo lazer e desenvolvimentos social e econômico”.

Representante da Secretaria-Executiva de Controle Urbano, a chefe de fiscalização regional Danielle Campos assegurou que a disponibilização de espaço para mesas e cadeiras será feita de forma ordenada. “Iremos fazer o regramento das mesas e cadeiras que serão utilizadas pelos comerciantes do local. Dessa forma, cada um terá uma capacidade que depende da fachada do imóvel. Com isso, contribuímos também para a mobilidade”.

Promotor de justiça de Defesa da Cidadania, Rinaldo Jorge da Silva apontou que a audiência promovida pela Câmara toca em um ponto que é alvo antigo de queixas levadas ao Ministério Público. De acordo com ele, há procedimentos sobre a questão que tramitam no órgão pelo menos desde 2009. “Esta audiência é muito bem-vinda, porque essa é uma questão debatida há muito tempo. A observação que eu faço é que a revitalização não inclua apenas a parte física, mas também a regularização de funcionamento do comércio. Tem que haver um equilíbrio”.

Também participou da audiência pública o secretário-executivo de licenciamento em áreas verdes, Marcos Leão.

Ao final do debate, algumas demandas da sociedade foram registradas. Dentre elas, estavam a manutenção do fluxo de veículos na via em horário comercial e o posicionamento de ao menos uma vaga de estacionamento em frente ao edifício Alfa. Uma reunião com representantes de moradores e comerciantes deve ser realizada em dezembro deste ano com a empresa a ser contratada pela Prefeitura para realizar o projeto executivo da requalificação.

01.10.2021