Câmara do Recife debate perda gestacional, neonatal e infantil

"A Conscientização e Sensibilização, sobre a Perda Gestacional, Neonatal e Infantil” foi o tema da audiência pública na Câmara do Recife, promovida pelos vereadores Cida Pedrosa (PCdoB) e Samuel Salazar (MDB). O evento, ocorrido na manhã desta quarta-feira (13) e transmitido via internet, contou com a presença de profissionais das áreas pedagógica e de saúde e teve como objetivo discutir a importância do acolhimento a famílias em luto perinatal e gestacional, bem como pensar propostas de atuação do poder público.

Cida Pedrosa destacou a “Cartilha de Orientação ao Luto Parental”,  uma obra produzida durante a sua gestão a frente da Secretaria da Mulher do Recife,  mas que não pôde ser mais divulgada por conta da pandemia. “A publicação conta com o apoio da Secretaria da Mulher. A pandemia começou, e o trabalho que pensávamos em fazer com visitas à maternidades, parteiras e profissionais de saúde, não foi possível executar.

O vereador Samuel Salazar  é autor de duas leis municipais sobre o tema: a de número 18.758/2020  que institui, no calendário oficial de eventos do Recife, a “Semana Municipal de Sensibilização à Perda Gestacional, Neonatal  e Infantil” e a lei municipal número 18.844/2021,  que dispõe sobre os procedimentos relacionados à humanização do luto materno e parental nas instituições de saúde do município.

A psicóloga e fundadora do Instituto Transforma a Dor, Cristiane Leite, contou que após passar por uma perda gestacional, reuniu forças para abordar a importância de falar sobre o luto. “Nos anos de 2014 e 2015, 400 mil mulheres sofreram perda gestacional no Brasil. Perdi meu filho com 38 semanas de gestação em 2012 e, a partir dessa história, comecei a estudar mais sobre o tema. Conheci um coletivo no Rio de Janeiro, Do Luto À Luta, e o Recife não tinha um grupo de apoio. A ideia inicial do Instituto Transforma a Dor era acolher as famílias que passaram pela perda. Um dos objetivos é o de assegurar uma vida saudável e promover bem estar para todos e todas. Nossos filhos nunca serão esquecidos”

Cristiane Leite exibiu, por meio de slides, relatos de famílias que tiveram apoio, e outras que não tiveram, no momento do óbito gestacional. “Diante dessas situações, concluímos com um trecho do livro ‘Como Lidar com o Luto Perinatal’, que fala sobre a importância de ter protocolos de atendimento específico para a perda gestacional, treinamento e atualização dos recursos humanos da saúde para que a fragilidade do momento da perda, a valorização da vida que segue e a cidadania sejam respeitadas”.

A psicóloga também citou leis a exemplo das de autoria do vereador Samuel Salazar, que  defendem o tema. “Em Pernambuco, existe o Provimento 12/2014 que faculta aos pais a identificação do filho natimorto, bem como que os cartórios orientem os pais nesse tipo de situação. Já Lei Estadual 16.499/2018 inclui a violência obstétrica para mães que passaram por abortamento espontâneo ou perda gestacional”.    

A psicóloga e doula coordenadora do Instituto Transforma a Dor, em Garanhuns (PE), Juliana Coelho, explanou a importância do profissional falar sobre as suas experiências, que impactam positivamente na vida de quem procura ajuda. "Algo muito curioso que a gente descobriu foi a necessidade desses profissionais falarem as suas dores que também foram silenciadas e são silenciadas no serviço, porque a formação diz que a gente se blinde. Falta apoio psicológico institucionalizado, porque se temos uma instituição que apoia essa mulher, ela sai mais empoderada e aponta a instituição como referência, mas sabemos que os serviços são enxutos, e o que a gente faz enquanto sociedade para cuidar dessas pessoas? Meu sonho é que da mesma forma que a gente tem um espaço tão bom para que as instituições religiosas entrem, que tenhamos também para profissionais do cuidado de saúde, educação, do Poder Público, de direito, possam se ocupar também desta temática, porque ela perpassa por todas essas áreas. Enquanto institutos somos transformadores, sim", afirmou.

Juliana Coelho disse que o Instituto Transforma a Dor começou em 2018, com Cristiane Leite, e chegou em Garanhuns em 2019. "Expandimos para cá e a gente percebe que a importância do não julgamento é um espaço emocionalmente seguro, porque essas mulheres e famílias vêm falar da saudade, dor, revolta, raiva, de todos os sentimentos que podem emergir. Eles serão todos acolhidos e a gente percebe que o grupo dá muita força, o que não é novidade. Enquanto humanos, temos necessidade de pertencer e se faz importantes esses espaços políticos, porque o cuidado também é macro. Trazer essas pautas para a política é cuidar das pessoas, e o Brasil é historicamente violento com as mulheres. Nos grupos terapêuticos a gente faz de seis a oito encontros, no máximo, e ele não substitui os outros cuidados que deve se ter com as pessoas; propomos atividades com começo, meio e fim para que elas encontrem caminhos".

A bibliotecária Sandryne Barreto expôs suas experiências enquanto mãe de três crianças que estão no céu. Ela disse que deu tudo certo na quarta tentativa de ter um bebê e contou como foi passar por tudo antes de conhecer o Instituto. "Assim como Cris, também conheci grupos de apoio através Do Luto à Luta, do Rio de Janeiro, e fui muito acolhida lá, mas precisava e sentia uma necessidade do físico, as reuniões online para mim não eram suficientes”. Ela conta que mesmo com a sua filha Tainá no  colo, ainda sentia um vazio e uma necessidade  de ser acolhida.  “Quando conheci o Instituto e fui numa roda de partilha. Senti a necessidade de permanecer e continuar indo para as rodas e foi comum ouvir em vários momentos 'tua filha já está aí, para quê ficar relembrando essas dores?', mas eu posso ter mais 10 filhos que venham para o meu colo e nunca nenhum vai substituir Cauê e nem Lara, nem o pontinho de luz".

Sandryne Barreto falou como foi emocionante a experiência do plantio das árvores no Parque da Macaxeira, promovido pelo Instituto para confortar as mães em luto. "A gente recebeu um documento com o nome da árvore com o nome do nosso filho. Esse momento foi muito especial porque eu pude guardar aquele documento de uma árvore, uma vida, junto à certidão de óbito do meu filho. Meu pai sempre me disse que o amor sempre vence. Agora, com a certidão de nascimento de Cauê e a certidão de óbito, de fato, o amor sempre vence. Ele faria sete anos em novembro e ainda é algo que eu preciso cuidar, falar,  por mais que tenha ressignificado o luto, a dor existe e permanece. Perder um filho é uma dor que a gente só suporta, acho que é difícil superar, mas o suporte vem do acolhimento, da família, de grupos de apoios, de políticas públicas. Quando tive que fazer a curetagem de Lara, a primeira coisa que o maqueiro fez quando me viu saindo da sala de cirurgia foi dar parabéns, mas ele não sabia que eu tinha acabado de tirar minha filha aos pedaços. Mas se aqui em Pernambuco tivesse uma pulseira de identificação de uma cor diferente de quando uma mãe está passando por este processo, o maqueiro teria como me acolher de uma maneira diferente e saberia que não era nascimento", sugeriu.

Professor da rede pública estadual, Paulo Bruno compartilhou a experiência de ser pai de uma criança que está no céu, Melinda. "Ela foi planejada, querida e amada durante toda a gestação. Eu enxergava o nascimento de uma criança como algo que já era feito para dar certo. Ao nascer, foi identificado na minha filha uma hipertensão pulmonar, e ela não resistiu no terceiro dia de vida. Nesta noite, quem deu a notícia foi uma médica substituta que, ao fazermos a assepsia para entrar na UTI neonatal, disse que não precisamos mais fazer 'porque a sua filha não resistiu'. Você fica sem ação, a minha esposa se desesperou.A pior notícia que você pode ouvir na vida,  tem um jeito de dizer e ela não teve. Quando a minha esposa estava no chão, a médica ainda disse 'não precisa disso', e foi para o repouso. Tinha uma técnica de enfermagem que nos ajudou e ainda perguntou se eu não queria colocar uma roupinha nela, e eu disse que sim".

Para Paulo Bruno,  a sensibilidade nestes momentos de dor é muito importante. "Você vai aprendendo a ser pai sem uma filha nos braços e isso não é simples, eu nem sei se aprendi ainda. Juntando outros momentos na construção da memória da minha filha, como o plantio de uma árvore, é uma coisa que faz a diferença na nossa vida e a gente vai na árvore visitar, regar, ficar perto”. Ele também falou sobre o nascimento de seu segundo filho, Otto. “Meu filho nasceu há um mês e 11 dias, traz uma alegria ter um filho nos braços. Melinda continua nas nossas lembranças e nos nossos corações, e que seja assim para o resto da vida, ela existe para a gente".

A coordenadora de Política de Saúde da Mulher do Recife, Mariana Seabra, falou da excelência da reflexão numa Casa Legislativa, já que a pauta acaba não tendo tanta visibilidade no cotidiano. "Cabe a nós, enquanto Secretaria de Saúde, ouvir, acolher e ter empatia para incorporar essas demandas e pedidos. Queria conhecer a cartilha, achei fundamental a gente ter isso na maternidade da nossa rede de saúde. Se já tem impresso, vamos fazer uma força-tarefa para divulgar. Também confirmei com a coordenadora das maternidades a possibilidade de fazer uma capacitação específica sobre a perda gestacional e neonatal nas nossas quatro maternidades do Recife, a Barros Lima, Arnaldo Marques, Bandeira Filho e Hospital da Mulher, e de pronto ela disse que temos como fazer. Claro que é só um pedaço da rede, mas já dá uma boa guinada na pauta".

Mariana Seabra disse que o atual momento de investimento da Secretaria é na humanização do parto e também do aborto, das perdas. "A gente está nessa pauta constante. Estamos para inaugurar mais dois centros de parto normal, fazendo com que a rede tenha quatro. Sabemos da importância do acolhimento, da privacidade. Sabemos como é difícil que  algumas mulheres entendam que a cesárea não é a melhor opção. Eu nunca tinha me dado conta de que o caso da pulseira poderia ser uma possibilidade, até porque a gente coloca mulheres que tiveram perdas em outra ala, mas o circular na maternidade é isso. O pessoal passa e faz comentários, talvez esse símbolo possa trazer mais empatia nesse momento por parte das pessoas que estão lá, a gente ainda tem muito o que avançar neste sentido. Também é importante fazer denúncias na Ouvidoria,  para saber o que se pode fazer no nível macro e também atuar no micro. Quando aquele profissional não agiu eticamente, de forma humanizada, a gente precisa saber quem foi  o profissional que fez  essa violência".

Ana Magalhães, da Gerência Geral de Promoção da Cidadania e Direitos da Mulher da Secretaria da Mulher do Recife, disse da importância das participantes terem se transformado em ativistas da causa. “A Secretaria traz toda a solidariedade e coloca-se à disposição para apoiar ações no fortalecimento dessa rede. Esse luto e essa perda, para a mulher, são muito grandes. É fundamental essa ação da Câmara Municipal do Recife como porta-voz de cidadãs trazendo luz a essas perdas e lutos que ainda são invisíveis à sociedade como um todo”.

Encaminhamentos da audiência pública - Como encaminhamentos, a vereadora Cida Pedrosa citou quatro propostas: entrega de relatório sobre a audiência pública à Secretaria da Mulher e à Secretaria de Saúde; sugestão ao Instituto Transforma a Dor para participar da Conferência da Mulher; elaboração de requerimentos coletivos, por Cida Pedrosa e Samuel Salazar, com objetivo de ajudar a questão e encaminhá-los à Secretaria de Saúde e a possibilidade de elaborar uma cartilha menor com mensagens rápidas e direcionadas sobre a perda gestacional.

 

 Em 13.10.2021