Comissão Especial discute medidas de auxílio para famílias do Edifício Holiday

A Comissão Especial Suprapartidária para Acompanhar a Situação das Famílias do Edifício Holiday da Câmara do Recife, presidida pelo vereador Osmar Ricardo (PT), se reuniu por videoconferência nesta quinta-feira (21), para tratar sobre a desocupação do edifício, ainda em 2019, e discutir as possíveis medidas que o Poder Público pode tomar para ajudar os antigos moradores. Além dos vereadores Paulo Muniz (SD), Zé Neto (PROS), Chico Kiko (PP) e Alcides Cardoso (DEM), também estiveram presentes representantes de conselhos ligados ao direito, arquitetura, urbanismo e engenharia.

Ao abrir a reunião, o vereador Osmar Ricardo ressaltou que o debate acerca do edifício Holiday está avançando na cidade e que o Poder Legislativo precisa tomar atitudes rápidas. “Junto com a experiência de todos que estão participando desta audiência. A gente sabe que a especulação imobiliária está de olho naquela área nobre de Boa Viagem e precisamos reagir a isso para cuidar das famílias e dos vizinhos do Holiday. Ele faz parte da história do Recife e de Pernambuco”, afirmou.

Vice-presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de Pernambuco (CREA-PE), Stênio Cuentro, contou que a área é de grande interesse da especulação imobiliária. “O terreno vale milhões de reais e o setor imobiliário está fazendo em Boa Viagem como está fazendo em algumas partes da cidade, demolindo prédios antigos, fazendo novos, vendendo e ganhando dinheiro. O nosso negócio é defender a sociedade, é diferente”.

Ele explicou que há viabilidade técnica para a recuperação da estrutura. “O que está se tratando aqui é uma expressão muito dura, que é a tentativa de ‘higienizar’ Boa Viagem e colocar o pobre nos morros, mas quando você faz um projeto de recuperação de estrutura, é porque ele tem viabilidade técnica de ser recuperado. Não estamos discutindo a desocupação por pedido da Prefeitura em março de 2019, que foi necessária. Havia risco, fiação exposta, mas não estrutural. O risco foi eliminado, retirou-se toda instalação elétrica, botijões de gás das cozinhas que ainda funcionavam e a Justiça determinou que a Prefeitura mantivesse a integridade do prédio”.

A advogada da Associação de Defesa dos Usuários de Seguros e Planos de Saúde (Aduseps), Monica Gusmão, defendeu a prevalência dos direitos humanos, conforme a Constituição Federal. “Quando falamos de direitos humanos, estamos falando de leis, direitos fundamentais, compromissos com a nossa Constituição. Do ponto de vista jurídico, pela parcialidade do juiz, não há como o judiciário de Pernambuco sanar as irregularidades e precisamos desta Casa como apoio para essa Constituição, nosso compromisso enquanto cidadãs e cidadãos para com os direitos humanos, sim”.

A advogada pediu, ainda, que a Casa de José Mariano faça o pedido das certidões dos proprietários dos apartamentos do Holiday. “E que elas sejam expedidas e deem acesso a isso. Baseada nestes documentos, podemos cobrar dos reais proprietários decisões e proposições, mas até hoje não conseguimos sequer essa questão da certidão dos proprietários”, lamentou.

O presidente do Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco (Senge-PE), Mozart Bandeira, destacou a importância da iniciativa da Comissão Especial na Câmara do Recife. “Acho que agora podemos ter uma solução negociada para o Holiday, a entrada da Câmara é fundamental para a solução. Tivemos, recentemente, uma visita do prefeito João Campos (PSB) ao Crea. Ele é engenheiro e fez questão de ir conversar conosco. O prefeito disse que um dos problemas era que ali era uma propriedade privada do Recife, que requer a atenção do Poder Público. Buscamos a negociação que seria uma ação movida pela Prefeitura, que passe a obrigar o fornecimento do cadastro dos reais proprietários e reais moradores do Holiday”, disse.

Assistência pública é lei - Professora da Universidade de Pernambuco (UPE), Rafaela Cavalcanti, destacou a lei federal de número 11.888 de 2008 que assegura às famílias de baixa renda, assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, e que orienta um projeto de extensão na universidade baseado na lei. “Quando a gente trata do Holiday, precisamos ter a noção de que estamos tratando do direito à habitação, que é um direito, não um favor do Poder Público”, ressaltou. “O problema do Holiday é internacional, porque a gente lida com um edifício que não é simplesmente uma casa, é extremamente complexo, um ícone da arquitetura moderna e foi construído nessa mudança de paradigma. Ele não está apenas na memória do cidadão recifense”.

Rafaela Cavalcanti também sugeriu a viabilização de possíveis financiamentos para patrimônios modernistas. “E que, se possível, haja envolvimento do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] para ver a situação atual do Holiday e como vai haver a intervenção de uma maneira que não deteriore as características do movimento modernista internacional. É preciso que se entregue o Holiday aos verdadeiros proprietários e que se investigue e vá atrás, porque esse sucateamento de uma área ocupada por pessoas de baixa renda que em tese não combinam com área de especulação imobiliária não é atual e nem exclusivo do Recife”. 

Por sua vez, o engenheiro do Crea-PE, Ermes Costa, contou que uma das funções da instituição é a busca do interesse social e humano para a proteção da sociedade. “Quando a gente fala que a Prefeitura tem o papel obrigatório de estar nessa discussão e discutir e apoiar os moradores, é porque existe uma obrigatoriedade legal, uma lei federal (a 11.888 de 2008) que obriga o município a atuar nessas comissões e o Crea tem que cobrar que a Prefeitura tenha o seu papel de discutir e apoiar os moradores dentro do que a legislação diz estar garantido. Assistências que são serviços de arquitetura, urbanismo, engenharia, direito, serviço social; tudo o que esteja relacionado para a garantia do direito à moradia digna”.

A arquiteta da Aduseps, Alice Lancellotti, corroborou com as falas anteriores e acrescentou um pedido de tombamento do Holiday feito na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). "Foi protocolado um pedido de tombamento junto à Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco) pelas Juntas deputadas, que foi indeferido. Inicialmente, a razão seria uma falha na estrutura do pedido de tombamento. Essa questão ainda pode ser abordada e tem como ser efetivada, mas a gente precisa da construção de um corpo técnico mais robusto, composto por arquitetos, professores das universidades que, infelizmente, até o momento, a gente não viu atuando muito nessa questão. Conseguindo formar esse corpo técnico maior, a gente consegue ter mais frutos no reconhecimento do valor patrimonial do Holiday".

Falta de manutenção - Por sua vez, o vereador Paulo Muniz afirmou que os moradores do Holiday não conseguem manter a manutenção do prédio privado. "Não fizeram (a manutenção), deram prioridade a outras coisas. E vamos deixar as coisas claras e tentar despolarizar. Essa tentativa de demonizar a iniciativa privada está errada, só vejo o pessoal trabalhando em demolir o Holiday. Eu, particularmente, não defendo isso, o Holiday não é uma coisa única e isolada, e essa demonização da iniciativa privada é um erro constante em vários debates da sociedade. Defendo que a Prefeitura desaproprie o imóvel, pague a quem for o dono e leiloe para a iniciativa privada, mantendo o Holiday como prédio histórico, mas dando, de fato, uma ocupação", disse.

Já o vereador Chico Kiko lembrou que, em março de 2019, quando o Edifício foi desapropriado, alguns vereadores da Câmara do Recife acompanharam o processo pessoalmente, inclusive ele. "Algumas pessoas falaram que o Poder Público não deu atenção, mas eu sou a prova de que trabalhamos, sim,  e gostaria de falar da atuação e boa vontade da gestão anterior do prefeito Geraldo Julio (PSB) que deu apoio, como tenho certeza que o prefeito João Campos (PSB) está dando. A gente não pode dizer que não houve atuação. O prefeito não tem poder para atuar em área privada e isso tem que ser pontuado. Também devemos tentar marcar uma reunião para discutir se existe alguma maneira de tentar ajudar essas famílias e esse patrimônio”, pontuou.

No que lhe diz respeito, o vereador Zé Neto disse discordar de algumas falas. "Algumas deram a impressão que a Casa de José Mariano nunca esteve nesse debate, mas ela esteve presente desde sempre, como também está agora com esta Comissão para debater o tema que é do Recife e não se restringe ao bairro de Boa Viagem. Sabemos que o imóvel é privado e existem limitações do Poder Público para atuar. Não tenho dúvidas que essa Comissão fará um trabalho brilhante. Essa regularização é de extrema importância para ser debatida e o prefeito João Campos tem sensibilidade e, apesar de novo, já demonstra capacidade de ouvir e se colocar no lugar dos outros. A Prefeitura vai estar conosco na solução do problema do Holiday", garantiu.

O vereador Alcides Cardoso reafirmou que esta Comissão foi criada para fazer a mediação entre sociedade e Poder Público. "Temos várias etapas, como a regulamentação fundiária para depois as pessoas serem indenizadas de acordo com o que tem que ser feito. Acredito que temos que fazer um grande concurso nacional de arquitetura e escolher o que vai ser melhor para o Edifício e, a partir daí, fazermos alguma coisa, como leilão. Se o pessoal quiser voltar e assumir, vai caber a nós discutir. Precisamos da Prefeitura nesse momento que vamos dar o primeiro passo para regulamentar as coisas e temos que tomar cuidado para não se tornar mais um grande elefante branco na cidade".

Em 21.10.2021