Frente Parlamentar pelo Centro do Recife debate urbanismo social

O termo “urbanismo social” se tornou conhecido desde que foi usado pela primeira vez em Medellin, na Colômbia, como estratégia de intervenção urbana visando a transformação da realidade social dos bairros pobres da cidade. Na manhã desta sexta-feira (29), ele foi o tema da reunião virtual da Frente Parlamentar pelo Centro do Recife, que recebeu especialistas e representantes de entidades da sociedade civil para conversar sobre as políticas públicas de urbanização com foco na população, na qualidade de vida e na diminuição da desigualdade social.

A presidente da Frente Parlamentar, vereadora Cida Pedrosa (PCdoB), abriu a reunião dizendo que o termo “urbanismo social” foi incluído no repertório dos urbanistas nos anos 1990, a partir do processo de transformações urbanas na cidade de Medellin, chamando a atenção de políticos, de gestores e de técnicos. As políticas públicas integradas para os territórios mais vulneráveis daquela cidade da Colômbia, disse a vereadora, promoveram mudanças significativas na qualidade de vida de grande parte da população, apesar de a desigualdade social ser ainda muito forte.

A parlamentar explicou que o tema da reunião pública contemplava um conjunto de reflexões a respeito de vários assuntos, alguns até já discutidos pelo colegiado em encontros anteriores, como a questão do Patrimônio Cultural e da Habitação, mas agora numa perspectiva diferente, tendo a população como ponto focal. “Através do tema ‘urbanismo social’, também podemos avaliar em que medida as estratégias de intervenções na cidade, quer por parte do poder público ou mesmo pela iniciativa privada, vêm dando vez e voz às pessoas que habitam, que trabalham, que circulam nesse território e conformam sua identidade”, disse.

Nessa perspectiva, Cida Pedrosa ressaltou que a falta de segurança no centro do Recife é uma das principais preocupações dos comerciantes, dos prestadores de serviços e de quem faz turismo e lazer nestas áreas. “Outra preocupação apontada por eles é com o número de pessoas em situação de rua no Centro, que está visivelmente maior em decorrência da pandemia e de fatores sazonais”, disse. O último levantamento, feito em 2019, apresentava cerca de 1.600 pessoas nessa condição, mas de acordo com a vereadora, esse número já está sendo atualizado por uma nova pesquisa, coordenada pelo Poder Executivo. “A RPA 1, onde está inserido o Centro, é uma das regiões de maior concentração de pessoas nessa condição”.

Cida Pedrosa afirmou que enxerga boas expectativas para a retomada de um crescimento mais estruturado e sustentável para o centro do Recife. “Essa retomada passa pela oferta de novas moradias em imóveis subutilizados ou desocupados, apresentação preliminar sobre uma linha de recursos para reabilitação dos centros brasileiros, pelo plano de retomada econômica do Estado e de uma série de novos empreendimentos em vias de implantação que vão ampliar a oferta de postos de trabalho e de serviços, sobretudo para a população mais carente”.  Ela disse esperar que as reflexões apresentadas na reunião possam contribuir nas intervenções urbanas “para se avançar na condição de uma cidade mais justa, mais sustentável e com menos desigualdade social”.

O vice-presidente da Frente Parlamentar pelo Centro do Recife, vereador Marco Aurélio Filho (PRTB) deu as boas vindas a todos os participantes da reunião pública. E disse que um dos grandes papeis da frente é poder  vivenciar a cidade e buscar alternativas para os problemas da região. “Muito em breve, a vereadora Cida Pedrosa vai anunciar um conjunto de emendas oferecidas ao projeto de lei do Plano Plurianual  (PPA) e da Lei Orçamentária Anual (LOA)  voltadas para o Centro, com base nas discussões de reuniões anteriores”. Também esteve presente na reunião o vereador Luiz Eustáquio (PSB).

A vereadora Dani Portela (PSOL) disse que se sentia grata por fazer parte de uma Frente Parlamentar que “discute o coação da cidade”. Como historiadora ela disse que reconhece a riqueza histórica, cultural e arqueológica do centro. “É uma riqueza não só material, mas também imaterial. Não devemos ver essa riqueza somente na perspectiva de um patrimônio de prédio, mas patrimônio vivo, que fala de  pessoas que vivem e moram na cidade”. Dani Portela ressaltou que preciso ter uma visão ampla e humanística do centro do Recife para que o espaço não seja visto somente pela perspectiva da especulação imobiliária. “Através dessa frente, devemos pensar qual o modelo de cidade que queremos? Não queremos uma reforma e uma revitalização do centro que higienista, mas uma cidade mais humana, inclusiva e menos desigual”.

Após os discursos dos vereadores, os convidados para a reunião pública fizeram as palestras sobre o tema. A professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE, além de colaboradora do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN, Natália Vieira, falou sobre “O papel da população nas ações de preservação: reconhecimento e atribuição de valores”. Ela abordou o papel da população nas ações de preservação do patrimônio, reconhecendo e atribuindo valores a ele, além dos conceitos de urbanismo social, urbanismo tático e gentrificação.

Natália Vieira destacou que o centro precisa de atenção e apresentou uma das linhas de pesquisasque faz na UFPE, nas ações de preservação e  reconhecimento e atribuição de valores. “Observamos, em diferentes centros históricos do Nordeste é que as ações não são articuladas. Vemos constantemente o valor cultural sendo ressaltado nas falas e discursos, mas na hora da implementação, o valor econômico pesa mais”. Essa tensão exige que se superem os valores de forma integrada, sem que um se torne prioridade sobre o outro. “O que é mais angustiante é que os resultados alcançados nos parece muito longe de um valor sustentável”, disse. Ela disse que tudo se resume a uma definição sobre “qual a cidade que a gente quer?”.

A segunda palestrante foi a arquiteta e urbanista, com MBA em Gerenciamento de Projetos, Mohema Rolim. Desde 2015, faz parte da equipe da Habitat para a Humanidade Brasil na função de Gerente de Programas. Ela também é ativista pelo direto à cidade e pela visibilidade LGBTQIA+. Mohema Rolim discutiu “o Centro como estratégia para um desenvolvimento inclusivo”. Ela levou à reunião públicas as dificuldades do acesso a moradia digna e adequada, no centro da cidade, e disse que essa prerrogativa é “essencial para a conquista de vários outros diretos como saúde, educação e segurança publica”.

Mohema Rolim falou que apenas cinco por cento da população do Recife mora no centro, ao mesmo tempo que o patrimônio histórico e público que se localizam nos bairros que compõem a região estão em degradação. “Por que chegamos numa quarta reunião desta frente com este termo? À princípio, todo urbanismo deveria ser social. É preciso encaixar ações para a população vulnerável, os excluídos”. Ela reafirmou que se faz necessário se pensar em ações públicas a partir de demandas populares e fez fez um perfil dos bairros centrais do Recife, que concentram “zonas de interesse sociais (Zeis) e zona especiais de preservação cultural”. A grande parte da população dessas áreas, alertou, vive em situação precária de moradia. Há, ainda, duas ocupações urbanas.  “Isso sem contar que um terço da população de rua, do recife, está no centro”.

Em seguida, falou o presidente da mesa diretora do Comitê Intersetorial de Políticas Públicas para População em Situação e Rua de Pernambuco e Representante Articulador em Pernambuco do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), Jailson Santos. A palestra dele foi sobre  “A População de rua e as políticas sociais e de assistência”. Ele apresentou um pouco da realidade da situação da população de rua no centro do Recife e disse que “para morrer é a coisa mais fácil do mundo, mas para viver temos que lutar”.

A realidade da população de rua no Recife, segundo Jailson Santos, é de um grupo heterogêneo, que não tem direito às três refeições, não tem onde descansar. “É uma realidade bem nua e crua. Temos uma Constituição bonita, que, no artigo seis, fala dos direitos do cidadão. O que falta ao Poder Executivo para fazer cumprir esse artigo?”. Jailson Santos disse que a população de rua vive numa “luta constante com a assistência social, quando esse deveria ser a última política para nós acionarmos. No entanto, é a primeira”, disse. E questionou: “Como falar da paisagem do centro do Recife, se estamos aí para enfeiar essa paisagem, mendigando, sem proteção? O que mendigamos todos os dias é por políticas públicas estruturantes.”

O quarto palestrante foi o secretário de Segurança Cidadã da Cidade do Recife e diretor da Rede Compaz, Murilo Cavalcanti. Ele discorreu sobre “o Ordenamento Urbano, Gestão e Segurança de Centros Urbanos” e sobre a necessidade de uma atuação interdisciplinar do poder público nesses espaços. Um dos exemplos bem sucedidos de obras do urbanismo social, no Brasil, são os Centros de Cultura e Paz (Compaz), que Murilo Cavalcanti criou, e vêm sendo implantados no Recife desde 2015. Os dados mostram que a violência no Recife tem apresentado redução, sobretudo nos bairros em torno destes equipamentos.

“Todo urbanismos deve ser social, enxergar as pessoas em primeiro lugar. A Cidade do Recife precisa se aprofundar no tema e buscar soluções”. Ele disse que cinco elementos são fundamentais para que políticas de urbanismo tenham efetividade no território. A primeira é vontade política, que não depende só do Executivo. O segundo é um pacto cidadão que envolva a sociedade, o setor público e o privado, moradores de rua, comercio ambulante, entre outros”, disse.

O terceiro elemento que ele destacou foi o bom senso no trato da coordenação do centro da cidade, sem haver uma higienização no que diz respeito à questão de vendedores ambulantes e moradores de rua. O quarto, segundo Murilo Cavalcanti, é o planejamento de curto, médio e longo prazos para efetivação das políticas públicas em geral visando o urbanismo social. O quinto elemento elencado por ele é “buscar uma alternativa econômica para as pessoas que estão comercializando nas ruas”. Ele sugeriu que também se busque criar “outras formas de de Centros de Cultura e Paz (Compaz). Seria o Compaz Acolhimento, voltado para os moradores de rua e do comércio informal.

A Secretaria de Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Juventude e Políticas sobre Drogas no Recife, foi representada por Camila Borges, que é da Secretaria Extraordinária de Assistência, na coordenação dos Centros Pops. Ela apresentou o Programa Recife Acolhe. “É impossível falar do centro da cidade sem tocar na questão do morador de rua. O último dado oficial é de 2019 e diz que há 1622 moradores de rua . No último dia 25, iniciamos nova contagem para fazer um levantamento e estruturante para definirmos uma política pública. Queremos trazer para essas pessoas uma identidade para além das ruas”, disse.

Em seguida, ela falou sobre o Programa Recife Acolhe. “É um conjunto de ações para a população em situação de rua, que surgiu a partir da escuta de trabalhadores especializados nas áreas de assistência e de saúde. O programa surgiu no Comitê Pop Rua, que é paritário”. Ela fez um diagnóstico da situação da população de rua em 2019, falou dos objetivos, dos seis eixos de atuação, em que o projeto está baseado, e dos novos caminhos do projeto. Que inclui 15 casas de acolhidas e o programa de volta para casa, que possibilita a volta de pessoas de outras cidades que estão no centro do Recife. As estimativas financeiras para as ações do Programa Recife Acolhe, em quatro anos, é de R$ 23 milhões, dos quais R$ 9 milhões estão em execução em 2021.

Para finalizar, o representante da Secretaria Executiva de Agricultura Urbana do Recife, Alexandre Ramos, que é mestre em Tecnologia Ambiental (ITEP/PE), especialista em Gestão de Recursos Hídricos (UFSC) e Arquiteto e Urbanista (UFPE), apresentou as tendências e possibilidades para implementação de ações de agroecologia no centro. Ele destacou que a agricultura urbana por ser um complemento para as garantias constitucionais que tratam do direito à cidade. “Ela faz parte do processo de construção de uma cidade mais justa e igualitária. A tendência da agroecologia para o centro do Recife faz parte da construção de uma cidade mais justa e equilibrada. Ela permite a construção de uma cidade plural, mais verde, aberta, democrática, como devem ser as cidades contemporâneas”.

Alexandre Ramos lembrou ainda que está em pauta a discussão, em todo o mundo, sobre o modelo de cidade e de centro que estamos construindo. “Ainda prevalece o modelo de cidade e planejamento urbano modernista, da década de 1930, conforme o zoneamento e o transito, por exemplo. É um modelo que separa o trabalho e do lazer, a produção urbana da rural, entre outras. As cidades contemporâneas estão rediscutindo esses conceitos”. Por fim, ele criticou as chamadas “cidades globalizadas”, que são as cidades vendidas como uma mercadoria (atrações turísticas, por exemplo), que impactam de diversas formas na vida de muitas pessoas. Na questão da agroecologia, Alexandre ramos disse que a Prefeitura do Recife vem desenvolvendo um trabalho de compostagem orgânica para fortalecer a ideia de espaços públicos como opção de produtores agroecológicos.  

A vereadora Cida Pedrosa arrematou as palestras considerando que o direito à cidade, entendido como um direito coletivo, consiste em direitos essenciais às pessoas e implica “criar condições e qualidade de vida para a população, bem como o pleno exercício da cidadania, o que envolve direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais”. No final, a vereadora anunciou que a Frente Parlamentar apresentou, através do seu mandato, numerosas emendas aos projetos de lei da PPA e da LOA, nos eixos comércio formal, ambulante, pessoas em situação de rua, turismo, urbanismo, resgate de, requalificação da Praça do Sebo, acessibilidade de calçadas, requalificação de espaços públicos, retirada de R$ 5 milhões do eixo de pavimentação para requalificação.  Ela também anunciou que a próxima reunião será no dia 11 de novembro, para tratar de do tema Gestão Compartilhada do Centro.


Em 29.10.2021.