Reunião pública discute democratização da comunicação e a privatização da EBC
Ao fazer suas considerações iniciais, Moraes teceu um breve relato da trajetória da EBC e afirmou que ele não pôde cumprir sua missão inicial. “A EBC foi fruto de muita luta do movimento pelo direito à comunicação. Foi uma das primeiras impactadas pelo golpe de 2016, na medida em que o presidente ilegítimo Michel Temer começou o processo de desmantelo daquilo que poderia ser uma grande rede pública de comunicação”, disse. “Muitas vezes, chamavam a TV Brasil de ‘TV Lula’, insinuando que pudesse ser uma iniciativa chapa branca do então governo petista, o que sabíamos que não era. E é muito curioso, para não dizer perverso, que quando entra o governo Temer e se sucede o governo Bolsonaro, são justamente eles que começam a fazer com que essa emissora se tornasse uma emissora chapa branca e com menos audiência”.
O vereador também explicou o sentido de criar uma rede pública de difusão de rádio e TV – um modelo previsto na Constituição Federal, em complementariedade às modalidades privada e estatal. “Na emissora privada, quem manda e faz é o dono, e quem paga é o anunciante. Na estatal, quem manda e faz é o Governo e quem financia é o povo, por meio dos impostos”, contextualizou. “Mas a comunicação pública é diferente: quem manda é o povo, por instâncias de participação como o Conselho Curador, quem paga é o povo com os impostos, e quem faz também é o povo, através da abertura na grade de programação, da programação independente e de mecanismos transparentes de inserção. A comunicação pública não significa a intenção de um governo ou de um grupo econômico, mas a possibilidade de todos se comunicarem livremente”.
Da extinção do Conselho Curador às denúncias de censura e loteamento de cargos – Teresa Leitão foi a primeira convidada a se pronunciar na reunião. A deputada frisou detalhes do que seria um esvaziamento da função pública da EBC pelo então governo do ex-presidente Michel Temer, que extinguiu o Conselho Curador quando assumiu o Planalto. De acordo com ela, Temer também teria exercido pressões políticas sobre a entidade, aumentando o número de servidores não concursados e se envolvendo em uma polêmica com a exoneração do então presidente da Empresa, Ricardo Melo.
“Temer abriu uma larga avenida para Bolsonaro passar. Desde 2019, Bolsonaro fala em extinguir a EBC”, analisou. “Em março, ele confirmou a inclusão da EBC no Programa Nacional de Desestatização, que é nada menos que a privatização de serviços públicos essenciais. A comunicação, nos tempos modernos, não pode ser subestimada e entregue a outros interesses que não o interesse público por uma comunicação isenta, educativa e cidadã”.
Leitão ainda mencionou o esforço de diversas organizações que, em conjunto, apresentaram uma série de dossiês que denunciam a existência de censuras e pressões editoriais do Governo Federal sobre a EBC. “Foram várias demissões e 138 denúncias de censura. O segundo levantamento traz mais 161 casos ocorridos entre agosto de 2020 e julho de 2021. Entre os destaques do relatório estão o corte das pautas sugeridas, que nem chegaram a ser produzidas pelos veículos e agencias da EBC, com censura prévia de temas considerados delicados ou controversos ao governo. Via de regra, temas relacionados aos direitos humanos e ao meio ambiente – duas políticas públicas que sofrem ataques contumazes do governo Bolsonaro”.
Confusão entre o público e o estatal – Funcionário da EBC e representante do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, Gésio Passos foi outro componente da reunião a lembrar que a existência da EBC serve para garantir direitos constitucionais. “A lei da EBC invoca a regulamentação de parte do artigo da complementariedade do sistema de comunicação. Por isso mesmo, as ameaças de privatização devem ser refutadas: a EBC é um direito constitucional que vem suprir a criação de um sistema público federal de comunicação”.
Passos, no entanto, disse que esse direito foi deturpado pelas mudanças efetuadas desde o governo de Michel Temer. “O golpe foi muito duro. Ainda resta a Ouvidoria, mas quase sem independência. Há alguns meses, a Diretoria impediu que a Ouvidoria de publicar acríticas em seu relatório. Isso foi proibido pelos militares”, apontou. “É bom lembrar que a Empresa foi militarizada, com centenas de cargos comissionados ocupados por militares. Inclusive, entregamos à CPI da covid-19 um relatório mostrando como a EBC foi utilizada para evocar o negacionismo. A empresa foi e é usada para proteger o governo em relação à pandemia e perseguir funcionários”.
Segundo o jornalista, hoje a EBC enfrenta dificuldades para preservar sua função pública das pressões estatais. “O momento central de golpe foi a fusão da TV NBR, que era um canal a cabo do Governo Federal, com a TV Brasil, que é pública. Hoje, a pessoa que a assi”ste hoje não sabe se a TV é do Governo ou pública. Não tem nenhuma diferenciação”, relatou. No jornalismo, havia equipes separadas – hoje, a separação é só em Brasília. No principal jornal, 60% do conteúdo é governamental. Foi um retrocesso gigante. Só no último ano, foram 157 horas e 42 minutos de interrupção da TV Brasil. As crianças estão vendo a programação infantil e, de repente, a programação é paralisada para colocar o presidente da República”.
Comunicação pública e democracia – Representante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Admirson Ferro Junior lembrou que a defesa da comunicação se confunde com a defesa do sistema democrático. “Vivemos um período delicado de destruição da nossa democracia. Esse processo está proporcionando a destruição de todo o Estado de maneira ampla”, pontuou. “A EBC é o principal alvo do desmonte da comunicação pública, mas não é o único. Várias outras emissoras e rádios públicas e comunitárias estão sofrendo. Os avanços dos governos democráticos anteriores a Temer não foram aqueles que gostaríamos, mas foram avanços consideráveis na construção da comunicação pública ou no financiamento das entidades”.
Ferro Junior defendeu o fomento do debate nos municípios pernambucanos. “Precisamos levar esse debate a todas as câmaras municipais de Pernambuco para que sejam discutidos, inclusive, os marcos legais. Temos a responsabilidade de fazer a defesa da EBC no Estado”, conclamou. “Temos fazer com que o poder público entenda que a comunicação é estratégica. Temos que investir na criação de conselhos municipais e estaduais com representação da sociedade civil”.
Em 27.10.2021