Audiência pública debate efeitos das mudanças climáticas no Recife

Grandes incêndios, inundações, secas prolongadas, calor insuportável, perda de área de gelo marinho. Esses fenômenos estão acontecendo em todo o mundo com um aquecimento médio de 1,1°C no globo e, no Brasil, o Recife pode ser uma das cidades mais atingidas com as alterações extremas do clima. Preocupada com essa situação, a vereadora Ana Lúcia (Republicanos) promoveu audiência pública de forma híbrida (presencial e virtual) na tarde desta quinta-feira (11) para debater o tema: “Ações de prevenção e enfrentamento aos impactos advindos das mudanças climáticas no Recife”.

A parlamentar abriu a reunião questionando o que temos feito para evitar e combater as perturbações climáticas. Ela lembrou que no dia 31 de outubro começou, em Glasgow, na Escócia, a cúpula climática das Nações Unidas, COP (sigla para Conferência das Partes), que nesta 26ª edição está acontecendo com um tom de urgência, por conta da necessidade de mobilizações estratégicas diante da crise. “Precisamos conhecer os desafios que teremos pela frente e estarmos preparados para enfrentá-los”, ressaltou. Ana Lúcia disse que a crise climática não é apenas o tema de uma conferência que reúne líderes mundiais na Escócia. Mas, um assunto que nos diz respeito diretamente.

“Suas consequências, como o avanço do mar, já estão cada vez mais preocupantes, e precisarão ser enfrentadas da melhor forma. O problema também é nosso”. Ela ressaltou que o Recife está entre as cidades mais vulneráveis ao aumento médio do nível do mar decorrente da mudança do clima, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). “Isso significa que a nossa cidade precisa se preparar para lidar com os impactos que vão surgir com essas mudanças.  A crise climática, que para muitas pessoas pode não passar de especulação ou pessimismo, é real e o mundo inteiro precisa se mobilizar”. 

Para a vereadora, é preciso viabilizar saídas e alternativas para combater o aquecimento global e sugeriu, entre as medidas para preservação do meio ambiente, o consumo consciente e o investimento na educação ambiental nas escolas, sob pena de a sociedade sofrer consequências irreparáveis. “É preciso pautar políticas públicas para debates. A construção delas começa pelo debate, mas precisam ter uma consequência. Precisam que os governos façam alocação de recursos para obras efetivas”, disse. Para debater o tema, a vereadora reuniu especialistas, representantes de organizações sociais que tratam do tema e representantes do Estado e da Prefeitura do Recife. Cada um dos convidados fez uma breve apresentação e em seguida expuseram suas propostas e as ações que estão executando para tentar frear os impactos ambientais.

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional (CAO) à Promotoria do Meio Ambiente, Cristiane Roberta, foi a primeira a falar. Ela discorreu sobre as ações necessárias para o enfrentamento à crise climática no Recife. “Os cientistas estão preocupados e nós somos responsáveis pela proteção do meio ambiente”, disse. Ela disse que o CAO tem feito um trabalho nesse sentido com o projeto Mata Atlântica em Pé, que está presente em 17 estados. Aqui em Pernambuco, segundo ela, foi feita uma operação em setembro, quando se vistoriou sete municípios, visitando áreas embargadas. Quatro apreensões foram feitas e várias irregularidades foram identificadas nessas áreas. “A operação ocorreu em setembro, mas no ano inteiro ela está ativa. Nós observamos que as ações irregulares impedem a regeneração da Mata”.

A promotora disse também que ações como o projeto Mata Atlântica em Pé contribuem para recuperar as áreas devastadas, apesar das dificuldades de material e da falta de recursos humanos. “Precisamos que o Governo do Estado incentive essas equipes a fazerem essas ações visando preservar os nossos biomas”. Ela falou ainda de diversas ações que são realizadas través da CAO, inclusive a destinação dos resíduos sólidos. Ela apresentou mapas de destinação final dos resíduos sólidos urbanos de Pernambuco e lembrou de instrumentos legais para regularização de aterros sanitários de Pernambuco. Citou exemplo de lixões que estão sendo combatidos em Sairé, Limoeiro, Carpina, Panelas, Surubim, entre outros municípios da Zona da Mata. Ao final, a promotora leu uma frase que é o lema do CAO: “Cuidar do Meio Ambiente é a Nossa Natureza”, disse.

A arquiteta e urbanista Mariana Pontes, diretora de Projetos na Agência Recife de Inovação e Estratégia (Aries), apresentou informações sobre o Plano de Adaptação Setorial (PAS) para o enfrentamento à crise climática no Recife. Ela compartilhou um vídeo mostrando o que a Aries faz para implementar soluções e estratégias para o desenvolvimento da cidade. Também falou sobre o projeto CTInova Recife, que é financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente e realizado pelo Ministério do Meio Ambiente. “A ideia do CTInova Recife é trabalhar o desenvolvimento urbano planejado e integrado, vendo de que forma podemos contribuir na promoção de cidade autossustentável”.

A Aries, disse ela, vai executar um projeto piloto no Recife com o objetivo de fazer a recuperação de mananciais de águas. Esse piloto visa limpar o riacho do Cavoco, com investimentos de R$ 4 milhões. “Pretendemos melhorar a qualidade da água e buscar uma solução baseada na natureza. Esse financiamento é voltado para o meio ambiente”. Ela também falou do Plano de Adaptação Setorial, que vai trabalhar um detalhamento de ações para ser entregue à Prefeitura do Recife focando em quatro setores prioritários: transformação urbana, saneamento básico, mobilidade urbana e economia.

O professor e presidente da Comissão de Sustentabilidade da Academia Brasileira de Ciências Criminais, Jean Diniz, fez uma abordagem acerca da importância de iniciativas da sociedade civil no enfrentamento à crise climática. Ele fez uma separação didática entre os conceitos de clima e tempo e disse que o clima em si é uma consequências dos dias, e que impacta no tempo. “O que seria, portanto, o aquecimento global? É o aumento dos gases no ar e o efeito estufa na atmosfera”. A partir dessa separação conceitual, ele entende que fica melhor a compreensão das questões de mudança climática.

O professor disse que uma das causas dos grandes problemas ambientais são as ações do dia a dia, a exemplo do descarte irregular do lixo e a escassez de ambientes mais arborizados. “Acho que a educação ambiental pode contribuir para reduzir as consequências climáticas”.

O gestor de Articulações Institucionais da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Recife, Luiz Roberto de Oliveira, apresentou a Agenda Climática do Recife. Ele confirmou que o Recife é a 16ª capital mais vulnerável do mundo aos efeitos das mudanças climáticas devido aos avanços do nível do mar. “Além de o clima ser muito quente, tem a expansão térmica da água,  que acarreta muitas consequências. Essa condição faz com que se eleve o nível do mar”. Mas, segundo ele, não é só o Recife que está nessa situação dramática, no Brasil. Outras capitais, de acordo com o que ele falou, sofrem os mesmos problemas de avanço do nível do mar. “É preciso que os poderes públicos tenham expertises climáticas e desenvolvam projetos, mas há uma dificuldade de captação de recursos para combater as consequências climáticas”, lamentou.

A Prefeitura do Recife, disse ele, aposta em duas frentes para enfrentar as questões climáticas: são elas a construção e o fortalecimento de ações climáticas; e as  ações de impacto. Segundo Luiz Roberto, desde 2013 o poder público vem trabalhando com o tema e citou diversas ações, através de comitês e secretarias, assegurando que está sendo feita a construção e o fortalecimento de “medidas de governança e compliance climático e ações de impacto”.

Ele acentuou a importância da educação ambiental nas escolas e disse que a rede municipal deverá incluir na grade escolar uma disciplina que vai tratar da “emergência climática e sustentabilidade”. Luiz Roberto também citou ações como criação de um centro educativo, afirmou que 95% da iluminação pública do Recife é feita pela tecnologia LED (que é mais fria), há investimentos em rotas cicláveis (o Recife já tem, segundo ele, 180 quilômetros de ciclovias), e citou a participação do prefeito João Campos na COP 26 como preocupação com o tema.

Mestre em Engenharia Ambiental, especialista no Setor de Água e Saneamento em contextos humanitários, Raul Andres Avilla, foi o representante da Unicef na audiência pública. “Estamos tentando impulsionar esta agenda da crise climática através de projetos que possam ser gerenciados  e impulsionados pelos gestores”, disse. Raul Andress também citou que a educação deve ser fortalecida não só para comprometer os jovens com as questões ambientais, mas também dar empoderamento e gerar conhecimentos para estabelecer padrões para as novas gerações. “Estamos elaborando neste segundo semestre de 2021 uma estratégia de ações ambientais e vamos compartilhá-la com as prefeituras no próximo ano, inclusive a do Recife”, afirmou.

O gerente de Meteorologia e Mudanças Climáticas na Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), Patrice Oliveira, compartilhou informações sobre os impactos dessa crise em Pernambuco. “A Apac é responsável pela administração, distribuição, fiscalização e monitoramento da água. Em média chove mais de dois metros cúbicos de água por ano no Recife. Se compararmos com a região do Semiárido é  muita água, mas o problema é que a grande parte da população está concentrada aqui”. Ele lembrou que a parte climática também é muito importante na questão do Recife uma vez que houve, nos últimos anos, aumento de um grau Celsius no planeta. “Isso faz com que paguemos um preço”.

Patrice Oliveira disse que é preciso se construir uma rede de monitoramento e previsão do clima, para dar um horizonte para os tomadores de decisões. “Sabemos que há várias estações meteorológicas trabalhando, há cooperações técnicas, pois sozinho ninguém faz nada na questão do clima”. Segundo ele, é necessário haver uma cadeia de informações e uma contribuição mundial para se fazer o enfrentamento à questão climática. “Nosso desafio é dispormos de dados de boas qualidades para fazermos estudos e pesquisas e, assim, sabermos o modelo climático a ser aditado. É essencial para termos o conhecimento do clima nas diversas áreas”. A mudança climática, lembrou, não será homogênea e “nós teremos que estar preparados para saber que tipo de mudanças teremos em cada área do estado”.

Após a apresentação dos convidados, um debate foi realizado com perguntas de participantes. No final, a vereadora se dispõe a contribuir em ações de enfrentamento às consequências das mudanças climáticas, e falou do seu projeto de lei 319/2021, que institui a Semana de Conscientização sobre Mudanças Climáticas. A vereadora lembrou ainda que está em tramitação na Câmara Municipal do Recife os projetos de lei do Plano Plurianual (PPA) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), e que o seu mandato apresentou aos projetos uma emenda aditiva, que dispõe sobre ações para desenvolvimento de uma cidade sustentável, visando as mudanças climáticas. “As ações não são eficazes se não tivermos dinheiro. Se não tivermos recursos, não vamos caminhar”.


Em 11.11.2021.